domingo, 30 de setembro de 2012

POLICIÁRIO 1104


VINTE REGRAS DO ROMANCE POLICIAL

Em 15 de Outubro de 1888, em Charlottesville, Estados Unidos da América, nasceu um senhor de nome Willard Huntington Wright, que provavelmente nenhum dos nossos leitores conseguirá reconhecer.
Foi crítico de arte e escritor. Nesta última actividade, usou o pseudónimo com que ficou conhecido no mundo policial: S S VAN DINE.
O escritor fez do número 19 uma obsessão e todos os seus romances tiveram títulos com 19 letras, como por exemplo, The Benson Murder Case, The "Canary" Murder Case, The Greene Murder Case, The Bishop Murder Case, The Scarab Murder Case, etc. Também o somatório das letras do seu pseudónimo, SS Van Dine e do nome do seu detective Philo Vance, totalizam 19 caracteres, precisamente!

Este senhor, tal como o confrade Jartur recordou há algum tempo, no âmbito das suas investigações para o Arquivo Histórico da Problemística Policiária Portuguesa, foi o autor das chamadas 20 Regras do Romance Policial (aqui não funcionou a obsessão!), que não devendo ser entendidas como obrigatórias, não deixam, no entanto, de ser uma base de trabalho para todos os que pretenderem abalançar-se na produção literária de índole policial.

Vamos publicar a primeira parte destas regras, voltando ao tema logo que tal se torne viável, face à prioridade que damos, como é óbvio, ao calendário competitivo da nossa secção.

AS 20 REGRAS DO ROMANCE POLICIAL, POR SS VAN DINE

O romance policial é uma espécie de jogo intelectual. É mais do que isso: é, por assim dizer, uma prova desportiva em que o autor deve proceder lealmente com o leitor. Recorrer a trapaças seria, para o autor, tão desonroso como ser surpreendido a fazer batota ao bridge. O que precisa é de ser mais manhoso do que o leitor, para suscitar e manter até ao fim o interesse deste último.
Há leis que regem a arte de escrever romances policiais – leis sem código, mas que não têm por isso menos força – a que o fabricante de histórias policiais que se respeita e pretende ser respeitado deve obedecer.
Aqui têm uma espécie de Credo, baseado em parte na prática dos grandes escritores, em parte naquilo a que poderíamos chamar consciência profissional do autor honesto:

1. O leitor e o polícia devem ter oportunidades iguais para resolverem o problema. Todos os indícios devem ser plenamente enunciados e descritos.
2. O autor não tem o direito de empregar para com o leitor truques ou astúcias que não sejam os que o culpado emprega legitimamente, digamos, para com o polícia.
3. O verdadeiro romance policial não deve ter enredo amoroso. Introduzir nele o amor seria perturbar o mecanismo do problema puramente intelectual. O que é preciso é fazer sentar o criminoso no banco dos réus e, não, conduzir um par ao altar.
4. O culpado não deve nunca ser um polícia, nem pertencer à polícia. Seria uma trapaça tão ordinária como oferecer um pence novo contra uma moeda de oiro de cinco dólares.

5. O culpado deve ser determinado por uma série de deduções lógicas e não por acidente, por acaso, ou por confissão espontânea. Resolver o problema por este último processo equivaleria a lançar deliberadamente o leitor numa falsa pista, para depois lhe revelar, quando ele desse a mão à palmatória, que a solução do problema já estava na algibeira desde o princípio. Seria troçar do leitor, nem mais, nem menos.

6. Em todos os romances policiais deve aparecer um polícia. E um polícia que trabalhe e saiba do seu ofício. A função deste é reunir indícios que nos levem até o indivíduo que no primeiro capítulo cometeu uma má acção. Se o polícia não chega a uma conclusão satisfatória pela análise dos indícios que reuniu, não resolveu melhor o problema do que o aluno que encontra a solução fora das leis da aritmética.

7. Um romance policial sem cadáver não existe e direi mesmo que quanto mais morto melhor. Se não é crime de morte, não basta. Fazer ler trezentas páginas sem oferecer um crime de morte, seria demasiada exigência. No fim de contas, o dispêndio de energia do leitor de romances policiais deve ser recompensado. Os americanos são essencialmente humanos e um alto crime desperta neles o sentimento de horror e vingança. Num caso desses são, com efeito, capazes de exigir com entusiasmo que o culpado seja castigado.

8. O problema policial deve ser resolvido por meios estritamente realistas. Métodos como a clarividência, as cartas, a transmissão de pensamento, a bola de cristal, ou sessões espíritas, são rigorosamente proibidos. O leitor deve ter a possibilidade de competir em raciocínio com o polícia, mas se o forçam à competição com os espíritos e tem que descobrir o culpado na quarta dimensão, a sua derrota existe ab initio.

9. Num romance policial digno deste nome não deve haver mais que um polícia, isto é, um único a fazer as deduções – um deus ex machina. Empregar o talento de três ou quatro polícias seria, não só dispersar o interesse e perturbar a clareza do raciocínio, mas também tomar uma vantagem sobre o leitor. Efectivamente, se há mais de um polícia, o leitor não sabe com qual há-de rivalizar. É como se o obrigassem a correr contra uma equipa de estafetas.

 (CONTINUA)

domingo, 23 de setembro de 2012

POLICIÁRIO 1103



Hoje, somos obrigados a cumprir uma das mais dolorosas situações, ao sermos chamados a assinalar o cometimento de um erro na publicação de um dos problemas.
Se os erros, muitas vezes não têm consequências de maior para a resolução dos enigmas, neste caso, tratando-se de um assunto já de si complicado, de decifração de charadas, uma modalidade pouco divulgada junto dos confrades do Policiário, que registam, mesmo, alguma aversão a elas, ainda mais relevante se torna a correcção.
Naturalmente que ninguém gosta destas situações e os confrades que perderam muitas horas à procura daquilo que não estava lá, certamente lamentarão bem mais. O mesmo acontece aos produtores, que assistem a uma desvalorização do seu trabalho. De qualquer forma, é nosso dever procurar reduzir ao máximo a margem de erro, cientes que nunca poderá ser integralmente eliminada.
Com o pedido de desculpas aos autores do problema, Búfalos Associados e a todos os nossos “detectives”, pelo erro involuntariamente cometido, fica a respectiva rectificação.
Vamos, igualmente, saber como o confrade Verbatim “descalçou a bota” para sabermos quantas pesagens de moedas são necessárias para chegarmos à solução do enigma e concluirmos que, afinal, era quase como a história do “ovo de Colombo”! E dizermos como ele: “Tão simples! Quem diria?”.
O Policiário é assim mesmo. Com lógica e simplicidade, na maioria das vezes! Quase sempre óbvio, depois de conhecida a solução!

RECTIFICAÇÃO

Como diz o Povo, “no melhor pano cai a nódoa” e no Policiário isso acontece algumas vezes, felizmente com pouca frequência.
Desta vez foi no problema dos confrades BÚFALOS ASSOCIADOS, “A Tia Laurinda e o Tesouro do Capitão Kidd”, que constituiu a parte I da prova n.º 8 e foi publicado no passado dia 2 de Setembro.
Na parte final, na altura da apresentação das charadas, precisamente na última, não ficou relevado o destaque a “negrito” das palavras “CAMINHO” e “CAFÉ”, como deveria acontecer.
Muito embora na publicação do problema no blogue “CRIME PÚBLICO”, acessível, recordamos, em http://blogs.publico.pt/policiario, o texto tenha saído correcto, não podemos deixar de aqui fazer a devida correcção, até porque recebemos algumas reclamações sobre o assunto, de confrades que não utilizam a internet.
Tomem a devida nota do texto devidamente corrigido:

“Eis o que dizia o papel: (adic.) A ulceração causava tal sofrimento ao idoso que ele se sentia como um insecto (3,2). / (parag.) Uma alternativa dá-nos sempre a riqueza da escolha (1,2). / (apoc.) O que está preso por um filamento, apesar de tudo existe (3,2). / (prot.) Quem cogita acaba sempre a enriquecer o depósito (2,3). / (epen.) É preciso saber em que flanco fica cada balcão (2,3). / (parag.) Afirmarei que há sempre uma recta perigosa (2,3). / (apoc.) A parreira fornece a bebida que aumenta o descaramento (3,2). / (epen.) Há sempre um caminho que leva ao café (2,3). “

Face a esta situação, entendemos ser necessário dar mais algum tempo aos nossos “detectives” para que possam “digerir” este “caminho que leva ao café”.
Assim sendo, o prazo para envio das propostas de solução dos dois problemas da prova n.º 8, que terminava no próximo dia 10 de Outubro, é alargado para o dia 20 do mesmo mês, podendo usar, como habitualmente, os seguintes meios:

- Pelos Correios para PÚBLICO-Policiário, Rua Viriato, 13, 1069-315 LISBOA;
- Por e-mail para policiario@publico.pt;
- Por entrega em mão na redacção do PÚBLICO de Lisboa;
- Por entrega em mão ao orientador da secção, onde quer que o encontrem.



CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL
SOLUÇÃO DA PROVA N.º 6 – PARTE II
“LIBERTAÇÃO PASCAL”, de VERBATIM

O preso libertado foi B – M. Traquinas, que indicou uma só pesagem.
Como se sabe, tínhamos 8 sacos semelhantes, cheios de moedas, 7 com peças falsas com o peso de 10,0g por unidade e 1 com peças verdadeiras, de 10,5g por unidade. As moedas não se distinguiam nem à vista nem pelo tacto. A questão era saber o número mínimo de pesagens necessário para se descobrir o saco das moedas verdadeiras.
De facto, é possível determinar o saco das moedas verdadeiras, de maneira garantida, com uma só operação de pesagem.
Vejamos como.
Atribuindo a cada saco um número de 1 a 8, tiremos 1 moeda do saco número 1, tiremos 2 moedas do saco número 2 e assim sucessivamente até 8 moedas do saco número 8. Ficamos com 36 moedas.
Determinemos, numa só operação, o peso desse conjunto de 36 moedas.
Se fossem todas falsas, pesariam 360g. Mas uma ou mais peças serão verdadeiras. Haverá, portanto, um acréscimo de peso sobre os 360g. Se o saco número 1 for o das moedas verdadeiras o acréscimo será de 0,5g, pois esse saco só contribuiu com uma moeda para o conjunto. Se for o saco número 2 o das moedas verdadeiras, o acréscimo já será de 1,0g, isto é, de 2 x 0,5g = 1,0g.
Quer dizer, se dividirmos por 0,5g o excesso de peso sobre 360g, obtemos o número do saco das moedas verdadeiras. Por exemplo, num conjunto com 363g, ficamos logo a saber que são 6 as moedas verdadeiras e que só podem ter saído do saco número 6.
Tão simples! Quem diria?

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

JARTURICE OU... JARTURADA - III





Publicado na secção POLICIÁRIO em: 20.Setembro.1992

Torneio preparação PÚBLICO Policiário                 

           A página do POLICIÁRIO, saída «hoje» - HÁ VINTE ANOS ATRÁS – abria com o problema policial que vai na segunda página da presente efeméride.
           Mas, para além duma coluna de Notícias, onde se defendia uma interessante iniciativa para a criação de casos de ficção policial, localizados em cada distrito, escritos por leitores ali residentes e com personagens da região, avançava-se com o certame cujo título se encontra acima implícito.
           Vejamos os tópicos.
Torneio preparação PÚBLICO Policiário                 

              TAL COMO dissemos na passada semana, cá estamos a abrir o jogo em relação a esta primeira iniciativa da nossa secção no “reino dos torneios”.
              Pois bem, será um torneio composto por seis problemas, que serão publicados nos dias 4 e 18 de Outubro, 1, 15 e 29 de Novembro e 6 de Dezembro. As respostas terão de ser enviadas, sem falta, até aos dias 12 e 26 de Outubro, 9 e 23 de Novembro e 7 e 14 de Dezembro, respectivamente.
Cada problema, será classificado de 4 a 10 pontos e o concorrente recebê-los-á conforme a qualidade da solução. Em cada problema serão tidas em consideração várias classificações:
AS MELHORES – das quais serão seleccionadas quatro soluções, pelo seu mérito, qualidade e profundidade de análise – receberão 5, 3, 2 e 1 ponto.
AS MAIS ORIGINAIS – tal como o nome indica, serão premiadas as soluções que sejam diferentes, engraçadas – terão uma pontuação idêntica à das MELHORES.
 A cada uma das duas primeiras de cada classificação, e por problema, será atribuído um livro. Serão igualmente sorteados três livros por três concorrentes a cada problema, independentemente da classificação obtida.
Nos prémios finais do torneio, teremos diversas classificações, a saber:
- produção, em que todos os concorrentes à totalidade dos problemas irão votar as produções, de modo a saber-se qual foi o seu problema favorito. Para o primeiro haverá um troféu ou taça e para os restantes cinco produtores medalhas;
- decifração, em que será estabelecida uma classificação geral, pelo somatório dos pontos obtidos em cada problema. De notar que não são contados os pontos das classificações das melhores e das mais originais. Assim, um vencedor não poderá somar mais do que 60 pontos, ou seja, seis problemas a 10 pontos.
Para o primeiro vencedor do torneio haverá um troféu ou taça, para as classificações entre o 2.º e o 5.º haverá medalhas e para os classificados entre os 6.º e 20.º lugares livros.
              No caso das melhores, serão contados os pontos que, prova a prova, os concorrentes forem angariando nessa categoria e cujo resultado final ditará medalhas para os classificados nos três primeiros lugares e livros para os classificados do 4.º ao 6.º lugares.
              Para as mais originais tudo será idêntico ao que acontece com as melhores, mas referido, naturalmente, às soluções mais originais.
O COMBINADO – cuja classificação será estabelecida pelo somatório das classificações de decifração, melhores e mais originais – será obtido da forma seguinte: um concorrente que seja 4.º no torneio, 3.º nas melhores e 2.º nas mais originais, somará 9 pontos no combinado. 4 mais 3 mais 2 é igual a 9. Será vencedor o concorrente que conseguir menos pontos. Em prémios, haverá medalhas para os três primeiros e livros para os 4.º ao 6.º.
Como forma de desempate na decifração, será vencedor do torneio o melhor classificado no combinado. Se subsistir o empate, será vencedor o mais pontuado nas melhores.
                            Todos os casos omissos serão decididos pelo orientador da secção, depois de ouvir quem entender.
                            Atenção, pois, ao dia 4 de Outubro, data em que publicaremos o primeiro problema.

Problema # 52
XEQUE
Original de: LA TIERRA (Almada) 
Publicado na secção POLICIÁRIO em: 20.Setembro.1992

O detective Cecílio, é um homem de uma só paixão. Pensar. Principalmente, pensar sobre o crime. E fazer disso uma obsessão. De tal modo que, em vez de propor uma partida de xadrez às visitas mais íntimas, Cecílio joga com eles um desafio de intriga mental. Coloca frente a frente dois amigos seus e lança para o ar um enigma de morte e mistério. Cada jogador encarna uma personagem na história, tendo de se defender e contra-atacar para ser o primeiro a dar a resposta a uma questão que o detective coloca no final. Vamos jogar?
“Há muito tempo atrás participei numa expedição ao Pólo Norte – uma terra fantástica.” Assim começa a história. Éramos quatro homens. Dois dias depois de termos estabelecido um acampamento base mesmo sobre o Pólo, os meus três colegas resolveram sair para pesquisas. Dois deles, juntos, nos primeiros momentos desse dia. O terceiro, o dr. Adams, duas horas depois. Os dois destinos eram diferentes e desconhecidos um pelo outro. Apenas se sabia que seriam para Sul do acampamento. 
“Eu estava a tratar dos últimos ingredientes para o jantar quando, finalmente, vi os meus companheiros regressarem. Foi uma cena consternadora. Eram apenas dois homens. As lágrimas sulcaram as minhas faces ao ver o corpo inerte do Adams, coberto por uma manta, sobre o trenó, e com um golpe profundo na têmpora esquerda. Uma morte no topo do mundo…
“Um dos homens, o jovem dr. Stenvesson, contou que estava a recolher amostras de neve à beira de uma fenda larga, com cinco metros de profundidade, enquanto o colega, o dr. Sokolov, se encontrava do outro lado da fenda, de costas e junto da mesma. Afirmou que a certa altura, para seu espanto, surge o dr. Adams, deslocando-se no trenó e, destemido, rasando a fenda na sua trajectória. Eis que, a um metro de distância de Stenvesson, o dr. Adams cai pela fenda abaixo. Tratar-se-ia, definitivamente, de um horrível desequilíbrio ou tontura. Stenvesson referiu ainda que só voltou a ver o dr. Sokolov dois minutos depois, junto de Adams, quando conseguiu contornar e chegar ao fundo da fenda.
“O dr. Sokolov contou mais pormenores, também muito interessantes. Disse que para descer a vertente da fenda demorou, praticamente, dois minutos, o que me pareceu plausível face aos seus 50 anos de idade. Encontrou o pobre dr. Adams inanimado no fundo, encostado à base da vertente. Uma massa de sangue cristalizado jazia junto da cabeça e mesmo ao lado estava um grande pedaço solto de gelo, com resíduos de sangue – estes dois factos foram confirmados por Stenvesson. Ah, falta uma coisa. Sokolov e Stenvesson acusavam o dr. Adams de ter plagiado teses de ambos, para conseguir ganhar o Prémio Nobel.
“Hum… Simples, não?”

“Agora eu pergunto-vos, caros amigos: houve um assassino, que esperou a vítima para a atacar mortalmente? Ou foi um acidente? Direi também que existem três razões muito próprias para a decisão correcta. Qual de vocês as enuncia primeiro?
“O prémio?... Bom, levo-os ao cinema para verem “Quem Tramou Roger Rabbit?” e ofereço-vos um gelado…”
Mate!
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NOTA:
A página do PÚBLICO – POLICIÁRIO, onde foi publicada a solução deste problema, é uma das que me faltam na colecção. Tentei consultá-la na BIBLIOTECA PÚBLICA MUNICIPAL DO PORTO, mas isso só será possível no próximo mês de Outubro, por se encontrar em obras, no edifício, a zona onde esse periódico está preservado.            Aguardemos, pois.
Jartur

domingo, 16 de setembro de 2012

POLICIÁRIO 1102



Damos hoje a resposta ao problema do confrade Verbatim, que fez a cabeça em água a muitos dos nossos “detectives” e fez com que algumas instituições bancárias e Banco de Portugal tivessem de dar alguns esclarecimentos!
De certa forma, isso acontece sempre que os assuntos são mais especializados e ficaram na memória do Policiário algumas situações de empresas e organismos entrarem em contacto com as publicações onde os problemas se publicavam, a perguntar o que se passava porque não tinham mãos a medir para dar resposta aos inúmeros pedidos de informações! Assim aconteceu, no passado, com a CP, com a TAP, com o Instituto de Meteorologia e outros. 

CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL
SOLUÇÃO DA PROVA N.º 6 – PARTE I
“FALSÁRIOS INCOMPETENTES”, de VERBATIM


            As notas de vinte euros apreendidas pela polícia apresentavam uma numeração constituída por uma letra seguida de onze algarismos, tal como as notas que nos passam pelas mãos. As letras dos quatro grupos referidos – M, U, V e X – também são correntes entre nós, em particular a M.
            Verificamos, ainda, que se obtêm sequências numéricas se retiramos o último algarismo aos números das notas, tal como acontece com os conjuntos de notas novinhas que recebemos no banco, cuja ordenação numérica só descortinamos depois de desprezar o último dígito.
            Esse décimo primeiro algarismo é um elemento de controlo. Se o leitor conferir umas tantas notas de euros, verificará que, tirando a prova dos noves aos números iniciados pelas letras M e V, obtém sempre 4 como resto. Já o mesmo não acontece quando a letra inicial é diferente daquelas duas, como é o caso de U e X. Mas se atribuirmos às letras M e V o valor 5, a U o valor 4 e a X o valor 7, concluiremos que a prova dos noves dos números de doze algarismos daí resultantes dá sempre zero.
É desse modo que está concebido o sistema de validação dos números das notas de euros: cada letra, que identifica o país emissor, tem um valor de 1 a 9 e o resultado da prova dos noves do número de doze algarismos (onze mais o dígito do valor da letra) é sempre zero. Portanto, o último algarismo, o de controlo, assume o valor necessário para que o resultado da prova dos noves seja nulo.
(Algumas correspondências: Portugal M - 5, Espanha V - 5, França U - 4, Alemanha X - 7, Áustria N - 6, Itália S - 2, Grécia Y - 8, Bélgica Z - 9, Irlanda T - 3).
Ora bem, qual foi o erro dos nossos falsários? Talvez por se terem concentrado sobre notas emitidas em Portugal (M com o valor 5) e em Espanha (V também com o valor 5), terão concluído que os números de onze algarismos de qualquer nota de euros deveria apresentar 4 como resto da prova dos noves, tendo acabado por aplicar esse princípio, erradamente, a notas começadas por outras letras, no caso presente U, da França e X da Alemanha.
E quem estaria metido na tramóia da distribuição do material falsificado? Mestre Ernesto, de certeza, porque:
- Mentiu sobre a origem do dinheiro, ao afirmar que o tinha levantado no banco, onde, como sabemos, nunca lhe entregariam maços de notas novas com a numeração errada;
- Entrou em contradição sobre a data dos movimentos de valores. Com efeito, os levantamentos de todo o dinheiro, que disse ter efectuado na semana anterior, não conferem com o incidente relatado por Tino Maluco, ocorrido dois meses atrás, o qual leva a crer que, nessa altura, as caixas já andariam a transportar numerário;
- Mostrou ter uma história demasiado bem preparada para contar, no caso de ser apanhado com alguma quantidade inusitada de dinheiro. Para lhe conferir maior crédito, até a entremeou com uma alusão à sua semi-clandestinidade, como se fosse o seu único desvio à legalidade;
- Finalmente, com uma história tão boa para explicar a origem do dinheiro, não foi capaz de apresentar a melhor de todas as comprovações, ou seja, a indicação precisa das entidades bancárias onde fizera os levantamentos.
Arsénio Mendes, o dono da vivenda e do armazém anexo, também não pode ficar de fora dos suspeitos da tramóia, pois terá despedido o miúdo só por ter pegado numa caixa do Mestre, o que não é lógico, a menos que se admita que ele terá sentido o perigo do rapaz querer ir ver o que as caixas continham.
No caso deste desafio, tendo-se em conta que os números de identificação dos mais diversos artigos costumam incluir dígitos de controlo, chegar-se-ia a informação pertinente pesquisando na internet com as palavras “notas euro dígito controlo”. Claro que é necessário ser crítico e fazer contraprova do que aparece, porque circula muita informação errada.
Também há livros em que esta matéria é tratada, como o interessantíssimo “Da Falsificação dos Euros aos Pequenos Mundos” de Jorge Buescu, Gradiva. (Na primeira edição desta obra, vem a indicação de que o número das notas de vinte euros emitidas em Portugal começa sempre por um 3, a seguir ao M. Isso já não é assim. Numa amostragem, feita em 2011, verifiquei que começavam por 8 todos os números das notas de vinte euros precedidos da letra M).

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

JARTURICE OU... JARTURADA - II



                  

 Publicado na secção POLICIÁRIO em: 13.Setembro.1992
…E o policiário aqui tão perto!…                                               

Um torneio
Na página POLICIÁRIO, que o PÚBLICO publicou «hoje» - HÁ VINTE ANOS ATRÁS – para além do problema policial que mais adiante reproduzimos (antecipando, também, a solução que viria a ser divulgada cinco semanas depois), em caixa com o título: … E o policiário aqui tão perto!... anunciavam-se as iniciativas projectadas para o futuro imediato, como sejam: a começar já em Outubro, o TORNEIO PREPARAÇÃO PÚBLICO POLICIÁRIOque será composto por seis problemas e contará com valiosos prémios.
O calendário de publicação, ocupará todo o que resta do ano de 1992.
E em 1993, se tudo correr como pensamos – assim se expressava Luís Pessoa – iremos ter novidades sensacionais: a começar por um SUPERTORNEIO de fazer crescer água na boca.
Incentivava-se a realização de CONVÍVIOS em vários pontos do país, e a criação de TERTÚLIAS, entre grupos de leitores e concorrentes.

Vinha anunciada, para o próximo número, a publicação do regulamento da competição e do modo de funcionamento do TORNEIO PREPARAÇÃO PÚBLICO POLICIÁRIO.

Um jogo
Sugeria-se aos leitores dos vários distritos de Portugal, que enviassem a descrição dum pequeno caso policiário, ali localizado, que poderia ir desde o “roubo de um rebuçado no mercado da esquina”, até ao “assassínio do chefe de estado de qualquer pais imaginário”, mas decorrendo sempre no ambiente do distrito que for indicado.
Este jogo será designado. O CRIME NOS DISTRITOS DE PORTUGAL.
Haverá prémios e os trabalhos serão publicados, sempre que o espaço o permitir.
Luís Pessoa


                            NOTA:
                            Como sabem os meus amigos, esta recolha dos problemas e respectivas soluções em “ficheiros”, destina-se ao nosso ARQUIVO HISTÓRICO DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA. Mas, sempre que tenhamos material disponível, faremos todo o gosto em compartilhá-lo, com os “sherlocks” que mostrem algum interesse em recebê-lo. 
                         Jartur   

Problema # 51
QUEM MENTE MAIS?
Original de: DR. ACÉFALO (V.N. de Gaia)                                                                                         
Publicado na secção POLICIÁRIO em: 13.Setembro.1992

Os berros do inspector Duplicado fizeram o inspector Álibi dar um salto na cadeira que amparara o seu corpo caído no sono. Estes gritos provinham do gabinete do inspector Duplicado que os proferia ao telefone. Mas, passado o primeiro sobressalto, o inspector Álibi deixou-se ficar impassível. Havia duas razões para esta tomada de atitude: primeira, dado o tom de voz do inspector Duplicado, quem estivesse dentro de um raio de alguns quilómetros já devia estar ao corrente do assunto; segunda, sabia que Duplicado acabaria por vir ter com ele ao seu gabinete, evitando assim levantar-se da cadeira.
Conhecia o inspector Duplicado há muitos anos e nunca o (ou) vira assim por causa de um homicídio. A sua idade e o cargo que ocupavam faziam dele um indivíduo fleumático, metódico e apegado a pró-formas e decretos-leis. Mais tarde, a caminho do local do crime, ficou a saber a razão de todo este alarido: a vítima fora um seu amigo de longa data.
Para alívio dos ouvidos de Álibi, chegaram finalmente a uma magnífica casa, em cuja fachada pontificava uma escadaria de acesso à porta principal, no 1.º andar. Passado o “hall” de entrada, entraram num corredor, onde depararam com sete pessoas emudecidas que aí deambulavam, olhos fitos no soalho.
O primeiro que se prontificou a falar era o mordomo Morais. Apesar do à-vontade que pretendia transmitir, era visivelmente a pessoa mais apreensiva e ansiosa. Parecia querer arranjar todos os pretextos para conversar sobre coisas banais, mas a sua fala sincopada e a respiração descompassada não enganavam ninguém.
Antes de avançarem para o local do crime, os inspectores Duplicado e Álibi recolheram o depoimento daqueles que se encontravam na casa.
 Nora da vítima: “Estive toda a tarde com a minha cunhada e o meu filho na sala do rés-do-chão que se atinge por meio desta porta do corredor. Eles mesmo podem confirmá-lo.”
Ao lado dessa porta ficava a que dava para a sala do crime; do lado oposto ficava a cozinha e a sala de jantar, e ao fundo a porta das traseiras.
Mordomo: “Após ter levantado a mesa estive toda a tarde a preparar a sala para o jantar, até às 17h30, altura em que fui ao escritório perguntar ao senhor pela merenda. Após ter aberto a porta, deparei com um espectáculo horrível: o meu patrão com uma faca cravada no pescoço. Logo a seguir, ouvi o carro dos filhos a chegar, e fui recebê-los ao “hall”, com tristes notícias para dar!”
 “Não notou nenhum pormenor relevante?”, perguntaram os inspectores.
“Não!”, respondeu o mordomo, após engolir em seco…
O filho mais velho da vítima: “Após o almoço fui com o meu irmão ao centro equestre. Quando cheguei, fui logo ter com o meu pai ao escritório. Como desde pequenos fomos sempre habituados, bati à porta suavemente. Como ninguém respondeu, empurrei a porta a medo e vi, por uma nesga, o mordomo escondendo-se atrás das cortinas e um bocado de alcatifa empapado em sangue. Corri para o “hall” onde, com o meu irmão, esperei por esse assassino, na esperança de que não me tivesse visto.”
  Cozinheira: “Passei a tarde toda na cozinha, excepto quando fui ao quintal, onde estive uma meia hora…”
Foi então que o Duplicado avançou impetuosamente para o escritório, abrindo a porta com tanta força que por pouco não colhia com ela os presentes no corredor.
Quando a cozinheira viu o cadáver, ficou em pânico, tentando, em seguida, disfarçá-lo.
Nesse preciso momento entrou o neto da vítima, ainda criança que exclamou:
“ Mas a faca tem um cabo igual à que a Josefina, a cozinheira usa na cozinha…
“Foi ele… Foi ele! Agora me lembro que ele foi à cozinha a meio da tarde! – exclamou a cozinheira, apontando para o mordomo.
“Porca mentirosa!” – replicou o mordomo, lançando-se agressivamente sobre ela. “Não voltei à cozinha depois de ter levantado a mesa…
“E não reconheceu a faca?” – inquiriu Álibi.
”Ah! Pois… Agora me lembro, mas na altura não me chamou a atenção.”
O inspector Álibi sorriu e interrogou-se sobre o que se passaria na cabeça do mordomo e de Josefina, a cozinheira…
E posto o caso da dupla de inspectores saída da pena do Dr. Acéfalo, apenas nos resta lançar o desafio que o seu autor não propôs:

                         
- Quem matou?
- Justifique a sua afirmação, procurando não só incriminar o culpado, mas também, sempre que possível, eliminar as suspeitas que houver sobre os restantes. Aí sim, haverá uma solução. 
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Publicada na secção POLICIÁRIO em: 25.Outubro.1992
Solução do Problema # 51
QUEM MENTE MAIS?                                                                                
Apresentada por: Tommy & Toppence (Coimbra)

Quem matou?
O filho mais velho!
De facto, o caso encontra-se recheado de falsos testemunhos com o intuito de “sacudir a água do capote”. Dos sete suspeitos, três deles parecem-nos logo afastados do crime – as noras e o neto. As declarações de uma das noras imediatamente descartam de responsabilidades estas três personagens.
Relativamente aos remanescentes quatro suspeitos, nada nos leva ao comprometimento do filho mais novo, que fez papel de espectador desatento (ou eventualmente de cúmplice, embora não existam dados para o confirmar). O problema resume-se, claramente, aos restantes três suspeitos: o filho mais velho, o mordomo e a cozinheira.
Quem mente mais (e pior) é o filho mais velho, senão vejamos: “Como ninguém respondeu, empurrei a porta…”, o que corresponde a um erro demasiado infantil para quem deveria saber que a porta não podia ser empurrada, mas sim puxada (“foi então que o Duplicado avançou impetuosamente para o escritório, abrindo a porta com tanta força que por pouco não colhia com ela os presentes no corredor.”).
Mas há mais! De facto, ficámos a saber que este “artista” reconhecia o sangue do pai e, mais do que isso, pressentia a sua morte. Como se tal não bastasse, a atitude de fugir para o “hall” e esperar pelo mordomo é o melhor que se poderia imaginar. É óbvio que nada disto faz qualquer sentido, pelo que o depoimento do mordomo apenas pode ser interpretado como destinando-se a encobrir o verdadeiro assassino.
Na realidade, o mordomo tentou por todos os meios “defender” o “menino”, tanto mais que nem sequer referiu que a faca lhe tinha chamado a atenção por ser “igual à da Josefina”. E não o fez porque lhe pareceu preferível que fosse alguém, que não ele, a denunciar essa situação, desviando assim as suspeitas para cima da cozinheira.
Quanto à cozinheira, é óbvio que ela mente quando insinua que o mordomo fora buscar a faca à cozinha a meio da tarde. É claro que quem levanta a mesa e tem livre acesso a todas as divisões e a todas as horas, se quisesse uma faca, não teria necessidade de se denunciar daquela maneira, a não ser que fosse estúpido.
Finalmente, apenas um pormenor corrói os nossos espíritos, e acerca do qual eu (Tommy) e a minha parceira (Toppence) temos opiniões ligeiramente diferentes. Segundo o Tommy (eu próprio), não parece lógico que o mordomo se tenha defendido tão asperamente da acusação feita pela cozinheira, tendo ficado impassível perante acusação idêntica formulada pelo filho mais velho. Por outro lado, a Toppence acha isso relativamente natural, entendendo que o mordomo quereria a “ roda a força” ilibar o “menino”, mas não suportaria o ultraje que seria a acusação feita pela “reles” da cozinheira. São opiniões.
Parece-nos, no entanto, que independentemente da solução para este pequeno pormenor, o que é lógico é que quando A pretende defender B, o faça sem grande prejuízo próprio, originando um álibi e/ou uma acusação sobre C. A situação de A tentar ilibar B, mas vir depois a ser acusado por B, adicionado ao facto de C acusar A e A imediatamente reagir, parece-nos uma cena com demasiada carga masoquista.
Com os melhores cumprimentos;
                                                       TOMMY & TOPPENCE
                                        (Amílcar Falcão – Paula Rocha)       

JARTURICE OU... JARTURADA - I




 Publicado na secção POLICIÁRIO em: 06.Setembro.1992

Faz hoje VINTE ANOS (estamos a recuar para 6 de Setembro de 1992) o
Jornal “PÚBLICO” apresentava uma nova página de “POLICIÁRIO”, cujo aparecimento festejamos, divulgando aqui o seu conteúdo, trazendo-o, portanto, ao conhecimento daqueles que só tomaram contacto com a secção, numa fase mais adiantada do seu já longo percurso, que desejamos infinito.
            A página, que era inteira, a quatro colunas, estava encimada pelo cabeçalho que acima inserimos, e tinha, à sua esquerda, uma coluna de Notícias, a fechar. De resto, o miolo era o texto que se segue, e um problema policiário que, para melhor destaque e guarda, reproduzimos à parte.           
Conversando…                                
O FIGURINO que hoje apresentamos é o que vai informar, no futuro, este espaço, todos os domingos. Uma secção que queremos actuante, viva, com diálogo permanente. Por isso, desde já, convidamos todos os nossos leitores e decifradores para dizerem coisas: fazerem sugestões, críticas e nos transmitirem tudo o que julguem por bem.
Sem pretendermos ser detentores do supra-sumo do policiário, quais deuses fechados no seu Olimpo, queremos, antes do mais, contar com a vossa para execução de duas ou três iniciativas, que iremos “pondo no ar”, sempre com o fito de as concretizarmos:
- Um bom torneio policiário, para exercitar as “cinzentas”, tendo em vista um Supertorneio a levar a cabo em 1993.
- A criação de uma boa quantidade de TERTÚLIAS POLICIÁRIAS, CLUBES, ou o que lhes quiserem chamar, no sentido de criar uma boa rede e, num futuro próximo, realizarmos um torneio policiário intertertúlias. Numa primeira fase, tentaremos impulsionar a formação de uma tertúlia por cada distrito. O que não impedirá que elas apareçam em vilas e até aldeias, ou, porque não, em empresas, ou profissões!...
 - Realização de convívios ou encontros policiários, em vários pontos do país, com todos os que aparecerem, promovendo-se assim um são intercâmbio e uma base para discussão e aprofundamento de conhecimentos. De início tentaremos promover quatro reuniões anuais, uma a norte, uma a centro, outra a sul e a quarta (talvez a mais importante!), realizada em local central, servirá para entrega de prémios ganhos nesta secção. Se tal for possível e em coordenação com as tertúlias que existirem, pretendemos introduzir este esquema já em 1993.
Iremos aprofundando estas ideias, até, esperamos, conseguirmos a sua efectivação. 1993, poderá ser o ANO DE TODAS AS MUDANÇAS.  
         Para já, exercitem-se com o problema que vamos publicar. É um exercício indispensável já que – podemos abrir o jogo – a partir de Outubro e até Dezembro, decorrerá um torneio de que publicaremos o regulamento num dos próximos números. Atenção, pois.
         Este problema não é muito complicado, mas encerra uma série curiosa de pensamentos que terão de se articular, para que nada fique esquecido…
Mais uma vez se alerta todos os policiaristas de que não basta “atingir” o alvo, identificando o assassino ou ladrão certo. É também indispensável que se apontem todos (TODOS) os elementos que possam conduzir ao criminoso, mesmo que o indicar um único pudesse ser suficiente. Isto é, se um pormenor é suficiente para mandar um criminoso para a prisão, isso não deve satisfazer ninguém, porque se torna necessário apontar todos os detalhes incriminadores! E só assim um investigador ficará satisfeito e realizado.
                           
Problema # 50 (Este número, refere-se ao total de problemas publicados até hoje, na secção.)
A MORTE DO HISTORIADOR
Original de: Vasco Correia Veloso (Almádena – Lagos)
Publicado na secção POLICIÁRIO em: 06.Setembro.1992

Eram 16 horas quando Mason entrou na mansão que pertencera ao dr. Matias, um proeminente historiador, morto durante a tarde. A ocorrência tinha sido comunicada pelo seu criado, que, ao regressar dumas voltas que tivera de dar, deparara com o patrão morto, no escritório situado no rés-do-chão.
Logo que entrou na sala, Mason viu o corpo caído de borco sobre a secretária, com ambos os braços a ladear a cabeça, que ostentava, na têmpora esquerda, uma ferida redonda, limpa, com um fio de sangue ainda fresco, que escorrera e empapara os papéis sobre a mesa. Soa a mão direita, estava uma pistola grande, de calibre 45, com o dedo da vítima no gatilho. O doutor Matias estava ainda sentado na cadeira, de costas para uma grande janela, aberta de par em par, com um orifício redondo marcado na portada ao lado esquerdo do corpo.
Ao inspeccionar a roupa da vítima, Mason descobriu, num bolso interior do casaco, um relógio de ouro, com tampa protectora do mostrador, muito trabalhada. Após abrir, verificou que o relógio estava parado nas 14h00, sem vidro e absolutamente limpo.
Mason guardou o relógio e chamou o criado para o interrogar:
- Em que período esteve fora?
- Desde o meio-dia e até às três, três e meia, quando cheguei e…
Mason interrompeu-o:
- Sim, está bem. Tinha conhecimento da existência de uma arma nesta casa?
- Sim senhor. O senhor doutor guardava-a sempre numa gaveta da secretária. Tinha medo dos ladrões…
- Pois… Mexeu em alguma coisa?
- Não… A não ser o facto do relógio do senhor doutor se ter partido quando se suicidou.
- Quando se suicidou? – perguntou Mason.
- Sim, sabe, ele andava um pouco abatido e, além disso, tem ainda a pistola que usou na mão…
- A propósito, o doutor Matias era canhoto?
- Não senhor.
Mason, porém, sabia já o que se passara e, ao receber os relatórios da autópsia e do laboratório, disse para consigo:
- Tenho a prova que precisava…

Pronto. É o que propomos a todos os nossos leitores. Uma leitura atenta, com olhos de ver, e depois que respondam às duas questões:
- Foi suicídio ou crime?
- Justifique a sua opção, não esquecendo de pormenorizar o mais que for possível.
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Pela sua extensão, apresentamos a solução à parte, fazendo-a acompanhar do comentário do orientador da secção, pois “considero” que, essas dicas são sempre elucidativas e didácticas, para quem se esteja a iniciar neste agradável desporto de evolução literária. E, se me permitem a sugestão, esqueçam durante alguns dias a solução que envio, e elaborem vocês uma, como exercício, para depois reflectirem se a vossa ficou melhor.
Espero que sim… e parabéns!                                                                        Jartur


  Publicada na secção POLICIÁRIO em: 04.Outubro.1992


Solução do problema
A MORTE DO HISTORIADOR
Apresentada por: JARTUR (Porto)

COMENTÁRIO
Parece-me que a solução apresentada, da autoria de um “veterano” nestas andanças, o JARTUR, traduz bem o que deve ser uma boa análise de um desafio que nos seja posto. Ao fim e ao cabo, num problema que o autor construiu um tanto ou quanto descuidadamente, ao correr da pena, há pontas que vão ficando soltas e mais tarde podem causar questões e discussões. O problema estava bem produzido, mas não devia ser apresentado de uma forma tão linear. O que quero dizer ao autor (e por tabela a todos os que se quiserem abalançar na produção de problemas) é que o “arranjar” do caso não constitui o produto final. É preciso enroupar a chave, dialogar, pormenorizar as descrições dos ambientes, não descurando nada que possa ser posteriormente invocado pelos concorrentes em sua defesa e contra os produtores. Em suma, na minha opinião e de quase todos os concorrentes, foi um bom problema, mas um pouco ligeiro, pouco trabalhado. Esperamos revê-lo em novas produções, agarrando totalmente o ambiente e a chave, aprofundando e trabalhando um pouco mais os elementos de solução.
                                     Luís Pessoa
Solução do problema
A MORTE DO HISTORIADOR
Apresentada por: JARTUR (Porto)

LOGO NA primeira leitura do problema, chegamos à conclusão de que se trata de um crime, e não de um suicídio, tendo em conta os seguintes pormenores:
1– Se o doutor Matias não era canhoto, como informou o criado, logicamente, em
caso de suicídio, disparando sobre a cabeça, a arma seria, muito naturalmente, encostada ou aproximada da têmpora direita.
2 – Da mesma forma, nas condições atrás descritas, ele não seria atingido
apenas pelo projéctil mortal, mas também pelos gases e resíduos de pólvora provenientes da explosão que provocava o movimento da bala.
         3 – Portanto, se tivesse havido suicídio, o cadáver não ostentaria apenas uma ferida redonda, limpa. Antes pelo contrário, apresentaria os bordos e até um pouco mais, em seu redor, os tecidos musculares, a pele e os pêlos, chamuscados e com resíduos de pólvora.
         4 – Tendo sido uma pistola grande, de calibre 45, que lhe provocara a morte e sabendo-se que esse tipo de arma ejecta as cápsulas deflagradas, se tivesse sido suicídio, o inspector não teria deixado de ver, sobre o tampo da mesa ou nas suas imediações, o referido objecto.
         5 – Também o orifício redondo marcado na portada da janela – e que o autor do problema não esclarece se foi provocado por uma bala – nos leva a conjecturar sobre a sua existência. Efectivamente, tal marca não poderia de forma alguma ter sido feita pelo projéctil fatal, já que este terá ficado, o que é perfeitamente lógico e admissível, dentro da caixa craniana da vítima, visto que não é observado, no corpo caído de borco sobre a secretária, o buraco disforme e sangrento da saída da bala.
         Estamos, assim, esclarecidos quanto à impossibilidade de ser o proeminente historiador, o autor da sua própria morte.
         Torna-se pois, necessário, para esclarecimento integral do caso, partirmos em busca do criminoso. Essa tarefa, porém está sobremaneira simplificada, tendo em vista as declarações do criado, e as observações efectuadas pelo inspector Mason.
a ) -Num bolso interior do casaco da vítima, o investigador encontrara o relógio parado, marcando 14h00, e guardara-o, chamando em seguida o criado.
b ) – O criado afirmou que estivera ausente desde o meio-dia e até às três, três e meia… (Abro aqui um parêntesis para ter em conta que o autor do problema, certamente, queria dizer três e meia da tarde, ou, mais correctamente, 15h30, já que eram 16h00, quando Mason entrou na mansão.)
É evidente que as declarações do criado são um chorrilho de mentiras, e rapidamente se chega à conclusão de que fora ele o assassino do historiador. A acusação assenta, inicialmente, no facto de ele se referir ao estado em que se encontrava o relógio que o inspector guardara, o que se supõe não ser do conhecimento do trabalhador, já que esse objecto fora retirado de um bolso interior do casaco do morto, que se encontrava sentado na cadeira. O relógio não estava, ao alcance do olhar do criado, quando este foi chamado à presença do investigador.
Do mesmo modo, quando disse (substituindo-se ao investigador) que o relógio se partira quando o senhor doutor se suicidou, estava a assinar a sua própria e indesmentível declaração de culpabilidade, visto que somente o assassino poderia ter conhecimento dos factos que ele denunciava.
Estamos, assim, em condições de colocar nos seus lugares exactos, as mais irregulares peças do “puzzle”, reconstituindo o crime e revelando cada uma das possíveis conclusões.

O criminoso, agravando ainda mais as iniciais suspeitas do inspector, disse que o relógio se partira quando o doutor se suicidou, o qua não poderia ser verdade, já que o investigador não havia encontrado a tampa desse instrumento fechada, sem quaisquer fragmentos de vidro. Aliás, se admitíssemos a hipótese de ter sido às 14h00 a morte do historiador, teríamos que considerar que, quando o inspector chegou, às 16h00, com a janela do escritório aberta de par em par, já o sangue não estaria tão seco quanto nos é descrito, empapando os papéis sobre a mesa de trabalho.
Não há dúvida, pois, que o crime foi premeditado e cometido pelo criado.
Previamente, numa ausência do patrão, retirou a pistola da gaveta. Depois terá saído, provavelmente no período de tempo que mencionou, de forma a ser visto por pessoas que o conhecessem e pudessem vir a confirmar o álibi.
Regressado a casa, entrou no escritório, fez pontaria e bala foi atravessar a portada da janela. Porém, o segundo tiro acertou no alvo. Retirou-lhe o relógio que “partiu” para fazer avariar, e colocou os ponteiros a marcar as 14h00, hora que lhe convinha, pelo que atrás foi escrito, ser considerada a hora da morte. Acto contínuo, repôs o relógio no bolso da vítima, cujo corpo preparou, colocando-lhe a arma na mão, certamente sem ao menos se lembrar de limpar as suas impressões digitais. Não sendo muito bom criminoso, era todavia um criado zeloso e eficiente, pelo que, depois de telefonar para a Polícia, apanhou as cápsulas que estavam no chão, e foi pô-las no lixo, junto aos fragmentos do vidro que já ali estavam, do relógio e, talvez, da janela.
Algumas falhas técnicas e imprecisões do problema, como “o criado declarar que deparara com o patrão morto, no escritório”, e o inspector Mason “ver o corpo logo que entrou na sala”, poderiam levar-nos a outras especulações. Todavia, ficamo-nos por aqui, aguardando os relatórios da autópsia e dos exames laboratoriais.  
                                                                                   Jartur  Mamede