segunda-feira, 29 de outubro de 2012

POLICIÁRIO 1108


Publicamos, finalmente, depois de duas “falsas partidas”, a segunda parte da prova n.º 9, de autoria do confrade Quinto Pedro.

Devido ao atraso com que o problema é publicado, em relação à data em que deveria ter visto a luz do sol e que por uma conjugação de lapsos não se tornou possível, o prazo para envio das soluções, quer da primeira parte, quer desta, é alargado até ao próximo dia 15 de Novembro.

Recordamos que nestes problemas, designados como “rápidos”, ou de escolha múltipla, os nossos “detectives” apenas terão de indicar qual é a alínea que, na sua opinião, resolve o enigma. Desta forma, as explicações, se entenderem por bem dá-las, serão sempre facultativas e não interferirão na pontuação, que será sempre dada em função da alínea escolhida.
CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL

PROVA N.º 9 – PARTE II

“UM CASO DE SEQUESTRO”, de QUINTO PEDRO

Johnny acabou por confirmar as suspeitas que já existiam em seu redor, depois de algumas diligências e perguntas.

O seu caso parecia tão estranho que ninguém se atrevia a dar crédito àquilo que parecia ser uma enorme conspiração.

O Johnny revelou que era um pacato cidadão, que levava a sua vida com toda a normalidade. Iletrado, sem conseguir sequer assinar o seu nome ou dizer com precisão o que fazia ou quem era, com quem vivia ou onde vivia, revelava só, numa espécie de brasileiro difícil de entender, que desde pequeno lhe diziam que vivia na “terra dos quatro pedros” e que um dia, ao sair de casa, bem pela manhã, sem saber porquê, foi raptado e levado com os olhos vendados para um local completamente às escuras.

Pensou ter sido sequestrado, mas pobre como era, não podia ser para que recebessem algum resgate. Só podia ser para trabalhar como escravo, ou coisa assim, porque ouvia falar que era um negócio que ultimamente estava na ordem do dia.

Ficou preso num compartimento escuro e húmido durante muito tempo, muitos e muitos dias, porque por uma pequena fresta apercebia-se da sucessão dos dias e das noites e como balançava sem cessar, sabia que estava no mar, a bordo de um barco. Uma vez por dia aparecia alguém, que não lhe dirigia uma única palavra e não se mostrava, que lhe deixava comida e água e um balde para as suas necessidades, que ia substituindo diariamente.

Quando finalmente o suposto barco se imobilizou, muitos e muitos dias depois, não sabia quantos porque acabou por perder a conta, ainda permaneceu por lá durante alguns dias.

Finalmente, um dia o seu visitador descurou a vigilância e ficou uma fresta maior na porta e assim conseguiu ver de relance o seu vigilante, que ostentava um farfalhudo bigode grisalho, um nariz ligeiramente encurvado e pouco cabelo, caindo em madeixas desordenadas sobre a testa. Pela mesma fresta, conseguia ter uma visão mais alargada. Estava num porto, ao seu redor havia outros barcos e ao fundo uma torre de controlo que indicava “Abril 2012”. Bem se esforçava por ver o dia, mas não conseguia, de maneira nenhuma.

Nessa noite, olhou para o céu e notou que a Lua estava em quarto crescente. Forçou mais a porta e verificou que ela foi cedendo, lentamente e com algum barulho, o que o obrigava a empurrar muito devagar.

Lamentou não haver Lua Nova, para poder fugir sem ser visto, mas mesmo assim arriscou, deu a volta à cabine onde estava sequestrado e gatinhou até à amurada do barco, que galgou cautelosamente para saltar para o barco ao lado e assim sucessivamente até ser apanhado por um vigilante de um dos barcos, que o conduziu à polícia.

Depois de activada a acção policial, deram com um barco sem ninguém, mas com vestígios evidentes da presença do homem sequestrado.

Investigações posteriores, baseadas nos dados fornecidos, levaram a polícia a deter quatro indivíduos, todos susceptíveis de poderem ser responsáveis, mas seguramente um deles era aquele que o homem conseguiu vislumbrar.

Todos com aspecto físico muito semelhante, cada um deles deu as suas razões e explicações para o mês de Abril, em que ocorreram os factos, no porto.

O Joca, mostrou-se muito surpreendido com a situação e demonstrou que apenas esteve alguns dias em Portugal, entre os dias 3 e 6, para a sexta-feira santa;
O Zeca, apresentou provas de que apenas por cá esteve entre os dias 12 e 15;
O Naír fez o mesmo, o que confirmou que apenas esteve entre os dias 26 e 30.
O Juca provou que só esteve cá entre os dias 20 e 23.

A polícia confirmou estes dados, sem margem para dúvidas, o que aumentou as suas hesitações, sem conseguir estabelecer com clareza o que se passou e pediu ajuda à comunidade policiária.
Quem seria o visitador do nosso sequestrado?

A- O Joca;
B- O Zeca;
C- O Naír;
D- O Juca.
E pronto.
Depois de ler e interpretar aquilo que o texto nos revela, os nossos “detectives” deverão responder, indicando a alínea que decifrará o enigma, impreterivelmente até ao próximo dia 15 de Novembro, para o que poderão usar um dos seguintes meios:
- Pelos Correios para PÚBLICO-Policiário, Rua Viriato, 13, 1069-315 LISBOA;
- Por e-mail para policiario@publico.pt;
- Por entrega em mão na redacção do PÚBLICO de Lisboa;
- Por entrega em mão ao orientador da secção, onde quer que o encontrem.

Boas deduções!











quinta-feira, 25 de outubro de 2012

JARTURICE OU... JARTURADA - VII



Prezados «Sherlocks»:
O título da página que hoje vos envio, era esse: Pausa...
Mas a saga continua. Hoje será um pouco descorada, porque a solução que a
animava já havia sido tratada em envio anterior.
Mas para a semana, haverá grande surpresa...
para aqueles que não usufruiram na época!
Abraços do   Jartur

 Publicado na secção POLICIÁRIO em: 25.Outubro.1992
        
                   Recorrendo à máquina do tempo, recuamos 20 anos, e encontramo-nos no dia em que o «PÚBLICO» na sua página «POLICIÁRIO», fazia uma Pausa…, e não publicava problema, mas inseria a solução do desafio “Quem mente mais?”, que aqui divulgámos já, em 13 de Setembro passado.
         Mas hoje, há vinte anos atrás, o Luís pessoa escrevia:

         O CRIME NOS DISTRITOS DE PORTUGAL
Continua em andamento esta campanha de procura de novos escritores de “historinhas” de cunho policiário. Vejam só este belo exemplo que nos vem da Amadora, de HOLLA:

O cão não brincava 
 “Não era muito grande e não sei se terá nascido ou não neste distrito, mas era um autêntico assassino e muitas vezes os donos iam dar com cães e gatos mortos, sempre da mesma forma, com mordidelas profundas no pescoço. Como o Leão gostava de pescoços, até na alimentação a dona lhe dava essa parte das aves. Ninguém apresentava queixas porque as vítimas eram filhos da rua, sem ninguém, se calhar sem família. Mas naquele bairro, onde também moro, quase houve festa quando numa manhã sombria o Leão apareceu morto. Com a corrente enrolada no pescoço. Sempre fiel ao pescoço, este Leão que não deixou saudades
HOLLA (Amadora)

Publicava-se uma lista de classificações e premiados, da qual vamos revelar as
CLASSIFICAÇÕES: (como homenagem aos concorrentes da época)


10 pontos: – Inspector Pé Ligeiro; F.M.; Xec Brit (Famalicão); Sëm Lôh; Main Frame (Senhora da Hora - Matosinhos); Jartur Mamede; Dr. Acéfalo; Isabel Branquinho; Von Richtoffen; Tommy & Toppence; Morcego; Gel; Zarco; Mila; Sorgan; Tinov; Finol; Bio Li; Piano Bar; Kim; Arlequim; Zorro; Corvos; Académico; Visionário; Minas Gerais; Minorca; Maiorca; Bino; Tó Serra; Holla; Miau; Sertyório; Penalva; António Correia; Stic; Zé Bacalhau; Chinês; Manuel Castro (Lisboa); Leão; Niv; Caridon; Beto; Serrinha; Insp. Vidrado; Teresa; Leandro; Tózé (Lisboa); Santo; O Inquisidor; Viriato; Lívio; João Belo; Pencas; Lecas; Red Lib; Canelas; Luís; Brutus; Leónidas; Reca; Milau; Lito; Teodorico Santos; Zeca; Laires; Tânia; Abreu; Setta; Cool; Batatinha; Laires; Pinto; Carlos Costa; JJ; Tan Tan; Cola; Zé Vilela; Pirol; Marco; Família Adams; Xila; Verónica; Pitosga (Alhandra); Amaral Neto (Odivelas); Garcês; Pioras; Bella (Cacém); André Leandro (Maia); Pedro Serrado (Estoril); Beagle (Ermesinde); Lena (Felgueiras).
09 pontos: - Dr. A. Almeida (Porto); Toddo; Pioras; Cão Raivoso; Garcês.
08 pontos: - Ann Metal Rose Seven; Zeca; Miss Marple (Cascais); Zara (Amadora)
07 pontos: - F. Perlico; Leão Verde (Lisboa); Tofim (Aveiras)

Numa coluna de NOTÍCIAS, escrevia-se sobre o XVI Convívio de Torres Vedras, a realizar no dia 29, e reportava-se o XIV Convívio do Minho, efectuado dias antes.
Também vinham “à baila” os «Mini-encontros» de policiaristas, por realização conjunta da Associação Policiária Portuguesa (APP) e da Tertúlia Policiária de Almada (TPA). E os encontros semanais (almoços) promovidos pelo LP e o SETE DE ESPADAS, com «bica» oferecida pelos organizadores.                                   Jartur

domingo, 21 de outubro de 2012

UM PONTO QUE FAZ TODA A DIFERENÇA!

Na secção que hoje foi publicada no jornal PÚBLICO, houve um ponto (literalmente) que não compareceu à chamada!
E como muito bem refere o confrade Inspector Aranha (cremos, que não veio assinado o comentário), é um simples PONTO, mas que faz toda a diferença...
É que o endereço do confrade é d.cabral@sapo.pt, como, de resto, saiu aqui, no blogue, mas na edição impressa apareceu sem o dito ponto!
Ora, um erro num endereço é... a morte do artista!
Por isso, confrades e leitores, toca a escrever uns continhos para o concurso e deixem-se de artilhar já uma desculpa com o "até enviei, mas o endereço estava mal..."!
Tirem o cavalinho da chuva, que essa já não pega, nem com cola tudo!

Para todos os confrades e sobretudo para o Inspector Aranha, aqui fica mais um pedido de desculpas pelo erro ocorrido (ultimamente tem sido um pavor)!
 Bruxas ou... (eu inclino-me para o "ou", mas o que sei eu?)

POLICIÁRIO 1107



Como temos vindo a referir, o crítico de arte e escritor SS Van Dine marcou a época de ouro do romance policial, mais mercê da sua obra, com romances de excelente nível, ainda hoje lidos e decifrados com muito prazer pelas novas gerações, ao ponto de ver a sua obra “The Bishop Murder Case” ser considerada por muitos como um dos 20 romances policiais de referência a nível mundial e de todas as épocas.
De qualquer forma, também Van Dine tentou criar uma escola para novos candidatos a escritores e daí ter partilhado as suas ideias e regras para a feitura de romances policiais. Não serão, como já referimos, regras fixas, inatacáveis, bem pelo contrário, em certos aspectos revestem-se de uma rigidez há muito abandonada, mas não deixa de constituir uma boa base de trabalho para quem pretender iniciar-se na escrita.

Recordamos que o confrade Jartur, a verdadeira alma do Arquivo Histórico da Problemística Policiária Portuguesa, reavivou a memória destas regras há algum tempo, numa busca efectuada para fim diverso. Assim, o seu a seu dono, fica o agradecimento ao confrade, que pode ser contactado pelo seu endereço electrónico, jarturmamede@aeiou.pt.

Vamos, pois, publicar a terceira e última parte destas regras.


AS 20 REGRAS DO ROMANCE POLICIAL – PARTE III


17. O autor deve abster-se de escolher o culpado entre os profissionais do crime. Os delitos dos gatunos por arrombamento e dos bandidos são do domínio da polícia e não dos autores, ou dos polícias amadores, mais ou menos brilhantes.

18. O que foi apresentado como um crime não pode, no fim do romance, redundar em acidente ou suicídio. Imaginar um inquérito longo e complicado, para o terminar com uma dessas desgraças, seria pregar ao leitor uma partida imperdoável. Se quem compra um livro pudesse exigir o reembolso do seu dinheiro, invocando o motivo de que o crime era uma fraude, qualquer tribunal com o sentido mais elementar de justiça lhe daria razão e até mesmo uma forte reprimenda ao autor, por ter abusado da confiança do leitor generoso e crédulo.

19. O motivo do crime deve ser sempre estritamente pessoal. As conspirações internacionais, ou as maquinações políticas, fazem parte do romance de espionagem. O romance policial deve, pelo contrário, ser conduzido com cordialidade. Deve reflectir as experiências e as preocupações quotidianas do leitor e oferecer-lhe ao mesmo tempo um certo exutório às suas aspirações e emoções secretas.

20. Finalmente, e como resumo dos parágrafos deste Credo, quero ainda enunciar alguns dos truques ou ideias a que não recorrerá nenhum autor que se respeite. São truques já muito sabidos e com que estão familiarizados há muito os verdadeiros amadores do crime na literatura:

a ) - A descoberta da identidade do acusado, comparando uma ponta de cigarro encontrada no local do crime com a marca que fuma um suspeito.

b ) – A falsa sessão espírita em que o criminoso, tomado de pânico, se denuncia.

c ) – As falsas impressões digitais.

d ) – O álibi por meio de manequim.

e ) – O cão que não ladra, revelando assim que o intruso é um familiar do local.

f ) – O culpado irmão gémeo do suspeito ou parente muito parecido.

g ) – A seringa hipodérmica e o soro da verdade.

h ) – O crime cometido numa casa fechada, na presença de representantes da polícia.

i ) – O emprego da associação de palavras para descobrir o culpado.

j ) – A decifração de um criptograma  pelo polícia ou a descoberta de um código em cifra.


CONCURSO DE CONTOS



Uma boa notícia que nos foi trazida pelo responsável pelo espaço policial do semanário “Correio do Ribatejo”, o confrade INSPECTOR ARANHA, “detective” de Santarém, é a da realização de um concurso de contos de natureza policial e de mistério.
Quem segue a secção deste nosso confrade, facilmente verifica o enorme relevo que é dado aos escritores e contistas portugueses, sempre carentes de espaços para publicação dos seus inúmeros trabalhos, uma prática que, de resto, sempre foi visível em todos os espaços que este nosso confrade orientou ao longo das muitas décadas que leva já de Policiário, bem como nas Selecções Mistério, uma publicação de excelente nível que, infelizmente, teve vida efémera.
Aliás, a história dessa publicação há-de ser tratada na nossa secção, tal foi a importância que teve no panorama policial português.
Mas, o motivo que nos traz aqui é o Concurso de Contos em que todos os nossos “detectives” vão poder participar, para o que terão de enviar os trabalhos para d.cabral@sapo.pt, até ao próximo dia 31 de Outubro, tendo como limitação os cinco mil caracteres.

Fica, pois, a notícia. É mais uma oportunidade para que os textos que vão sendo “arquivados” nas gavetas, tenham a possibilidade de verem a luz do dia, o que não é pormenor a desprezar, numa altura em que as queixas dos escritores, por ausência de oportunidades de publicação, se avolumam.


sábado, 20 de outubro de 2012

LIMITE DO ADMISSÍVEL

Há coisas inexplicáveis, por mais que tentemos encontrar razões.
Neste caso, repete-se o erro em curto espaço de tempo e mais uma vez a secção deste domingo sai trocada.

Parece termos chegado ao limite do admissível.

Quando devia sair, finalmente o problema da parte II da prova 9, o que vai sair é a parte III das 20 regras do SS Van Dine!

Já não há reserva de energias para pedir aos nossos confrades desculpas pela repetição do erro, que, como sempre, assumimos por inteiro.


sexta-feira, 19 de outubro de 2012

JARTURICE OU... JARTURADA - VI





(Problema 54)
TORNEIO DE PREPARAÇÃO
2.ª Problema
O AGENTE ÁLIBI
Original de: DR. ACÉFALO (V. N. GAIA)
 Publicado na secção POLICIÁRIO em: 18.Outubro.1992
        
Era um dia chuvoso. Apesar de serem frequentes as abertas, a atmosfera densa e sufocante deixava quem nela estivesse envolvido deprimido ou num estado de semiletargia. Claro que isto não deixava indiferente o agente Álibi que, independentemente das circunstâncias, se encontrava sempre numa espécie de hibernação, que só o aparecimento de um “caso” interrompia.
         Porém, naquele dia, Álibi parecia decidido a não se deixar afundar naquela cadeira. Abriu a gaveta a que normalmente os colegas chamavam “do entulho” e extraiu de um emaranhado de recortes de problemas de xadrez um baralho de cartas.
         Já ia a paciência avançada, quando ouviu os passos de Duplicado, dirigindo-se ao gabinete. Atabalhoadamente, juntou as cartas e meteu-as na gaveta. Duplicado entrou no gabinete:
         - Bem, Álibi… Esqueceu-se deste ás de espadas… Arrume melhor o baralho que meteu para aí e vamos em serviço.
         Chegaram ao escritório do dr. Mendes, um abastado notário que fora encontrado morto no seu compartimento com uma faca nas costas. Ao entrarem pela porta principal, o impacto não podia ser mais agradável, uma longa e extensa sala em L, em cujas paredes brancas ressaltavam as cores e formas difusas das serigrafias que nos faziam ser assaltados por reminiscências do nosso imaginário infantil. Três janelas amplas faziam-nos afastar a ideia de um escritório de notário soturno e austero.
         Enquanto Álibi, aparentemente alheio a tudo o que se passava, passeava os olhos por umas vitrinas onde estavam expostos documentos assinados pelo bisavô da vítima (o único elemento que ali expressava o carácter institucional da firma), Duplicato era guiado pelo chefe do pessoal e pela secretária do doutor até ao escritório do pessoal, através de uma porta cujo vidro translúcido permitia que alguma luz da sala de espera iluminasse um escritório sem qualquer janela.
         O escritório do pessoal e a sala de espera em L perfaziam um rectângulo. O escritório do pessoal, por sua vez, possuía uma porta que comunicava com o escritório privativo do dr. Mendes. Quanto ao resto do edifício, havia um pátio ao qual apenas era possível chegar por meio de uma porta da sala de espera e outra do escritório privativo.
         Ao entrarem na sala do pessoal, o barulho monocórdico e desgastante das máquinas de escrever cessou imediatamente. O chefe do pessoal avançou resolutamente para uma secretária onde se encontrava um homem extremamente apavorado.
                                                                                                                            
         - Ainda não compreendo o que aconteceu… É de dar em doido com tudo isto… Como ainda trabalho aqui há pouco tempo, tenho de ir frequentemente a outras secretárias para conseguir esclarecimentos e quando estava a ouvir o senhor Daniel, vi de repente… Garanto que vi, através da porta, um homem de fato e chapéu esfaquear o doutor.
         Duplicato olhou para a porta e verificou que possuía espelhos que não permitiam olhar para dentro.
         - Sabe, o senhor doutor era um pouco malicioso – continuou o chefe de pessoal – mandou pôr esses vidros porque tinha o prazer de fazer crer às pessoas que estavam permanentemente vigiadas.
         Entraram no escritório do doutor Mendes. Era um lugar triste, sem uma janela e cujas paredes eram forradas de poeirentos e volumosos livros. Na verdade, daquele escritório era possível ver o pessoal a trabalhar.
         - Bem, podemos atingir a sala de espera pelo pátio, não é verdade? – Era a primeira vez que Álibi abria a boca. Até ali tinha deambulado como uma alma penada, indiferente ao mundo exterior.
         - Sim. – Respondeu amavelmente a secretária, que abriu a porta do pátio, deixando o escritório ser invadido por uma magnífica luminosidade, deixando ver partículas de pó redemoinhando no ar.
         Ao chegarem à sala de espera, a secretária fê-los sentar na escrivaninha situada logo à direita da porta do pátio e onde recebia os clientes.
         - Durante a manhã esteve cá alguém? – Inquiriu Álibi.
         - Estiveram o doutor Francisco e o professor Gregório, mas como pude verificar, deixaram o doutor vivo e de boa saúde. Desde então, incluindo as horas mortas habituais, não vi cá ninguém.
         - Nem mesmo o senhor Alenquer?
         - Oh! O pessoal pode confirmar que estive lá toda a manhã. – Exclamou surpreendido e ferido na sua honra o Alenquer.      
         Álibi sorria… Era o primeiro caso que resolvera desde que fora “despromovido” a agente.

         - Quem parece estar irremediavelmente comprometido(a) com o crime?
         - Justifique a sua afirmação, descrevendo como tudo se terá passado?

Solução do  2.ª Problema
O AGENTE ÁLIBI
Original de: DR. ACÉFALO (V. N. GAIA)
Publicado na secção POLICIÁRIO em: 22.Novembro.1992
        
Comentário: Esta prova foi uma das que nasceram mal e portanto mal há-de morrer. Há coisas assim. Na realidade, não se registou no problema a necessária concretização e pormenorização, não tendo saído na sua versão integral, provocando duas situações curiosas: Por um lado, estragou-se um problema que, não sendo de enorme qualidade, poderia ser um bom exercício; por outro, originou um leque fabuloso de soluções, dentro daquela máxima que indica que quanto melhor é o problema piores são, de um modo geral, as soluções, e o inverso. Na realidade, perante um problema indefinido e não concretizado, os solucionistas, de um modo geral, lançaram-se ao que existia e fizeram soluções excelentes que só a falta de espaço nos impede de publicar.

Como muitos verificaram, a chave do problema relacionava-se com a porta espelhada e com as movimentações da secretária. O que falhou foi dizer-se que “a superfície espelhada funcionava pela variação de luminosidade” e portanto era sempre visível o que se passava no lado mais “iluminado”. Para começar o crime, a secretária disfarçada, com a sua conivência, abria a porta de acesso ao pátio, por onde entrava, como se diz no texto, 2uma magnífica luminosidade…”, o que iria inverter o lado visível e tornar possível q2ue o tal indivíduo fosse visto a matar o notário. Não sabemos se todas as superfícies espelhadas funcionam segundo este sistema, o que tornaria o problema correcto e inatacável, mesmo com a versão actual, mas foi-nos dito que existem espelhos de face única. Daí estes comentários e a justificação, também, para uma certa “benemerência” em termos de classificações.
Prometemos ser mais cuidadosos no futuro, pedindo desde já desculpas pelos transtornos causados.
                                                Luís Pessoa


NOTA do Jartur:

O texto que se segue, é um desabafo do autor, e deverá ser, por quem o desejar, excluído deste ficheiro.

Neste, nos anteriores e nos futuros trabalhos para o «AHPPP», ou para quaisquer outros fins, não utilizo, não utilizei nem utilizarei na escrita, as imposições daquilo a que chamam o “Novo Acordo Ortográfico”, porque não lhe encontro qualquer benefício, em relação à forma de ler e escrever, que aprendi dos professores e nos livros das escolas, e que fui aperfeiçoando e memorizando em mais de cinquenta anos de escrita criativa para diversas publicações, e na leitura e consulta de obras literárias e técnicas, bem como gramáticas, dicionários, léxicos e enciclopédias.
E mais vejo reforçada a minha teoria, quando ouço e vejo, na Rádio ou na Televisão, nos pretensos programas de ensino do Português, os “mestres” dizerem aos «espetadores» que é assim, mas que também se pode optar pela grafia anterior. Tanto faz assim… como assado.
Eu fico-me pelo assado… estou «velho” para novas ementas!...

É evidente, porém, que não deixarei de cometer alguns erros e descuidos involuntários, dos quais desde já me penitencio.
Perdoem-me, pois, os leitores discordantes. A esses, assiste-lhes o direito de ignorar o que aprenderam antes.
                                               
E, já agora…
No entanto, na transcrição de textos actuais ou antigos, qualquer que seja o Acordo Ortográfico em vigor na época da sua criação, respeitarei a escrita do autor, ainda que tenha que escrever Pharmácia.

                                        Jartur


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

POLICIÁRIO 1106




As chamadas 20 Regras do Romance Policial, de autoria do escritor policial e crítico literário SS Van Dine, não passam, na sua essência, da descrição de situações que o autor entende serem obrigatórias num romance policial e de outras que ele entende serem proibidas, ou pelo menos a evitar a todo o custo.
Na moderna literatura policial, em que a qualidade literária e a proximidade com a realidade procuram marcar pontos, dificilmente encontraríamos espelhadas muitas destas regras. No entanto, olhando para a obra dos clássicos do Policial, difícil será não as encontrarmos.
Para os confrades que estejam a planear abalançar-se na espinhosa tarefa de escreverem um romance policial, prosseguimos a revelação das regras de SS Van Dine, fazendo votos para que esta re(publicação) venha a servir para alguma coisa…

AS 20 REGRAS DO ROMANCE POLICIAL – PARTE II


10. O culpado deve ser uma pessoa que desempenha um papel mais ou menos importante na história, isto é, alguém que o leitor conheça e que o interesse. Encarregar do crime, no último capítulo, uma personagem que acaba de meter no enredo, ou que teve neste um papel insignificante, seria, da parte do autor, confessar a sua incapacidade para competir com o leitor.

11. O autor não deve escolher o criminoso no pessoal doméstico, tais como criados, lacaios, cozinheiros, ou outros. É uma questão de princípio, porque a solução seria muito mais fácil e daria ao leitor a impressão de ter perdido o seu tempo. O culpado deve ser alguém que «valha a pena», alguém de quem se não possa facilmente suspeitar, porque se se trata de um crime sórdido de criados, seria ridículo embalsamá-lo num livro.

12. Num romance policial só deve haver um culpado, sejam os crimes quantos forem. Pode, evidentemente, ter um cúmplice, mais ou menos anódino, mas a responsabilidade dos delitos deve pesar inteiramente sobre um único par de ombros: toda a imaginação do leitor deve poder concentrar-se numa só alma negra.          
      

13. As sociedades secretas, as máfias, as camarilhas, etc., não tem lugar no romance policial propriamente dito. O autor que se sirva delas, cai no romance de aventuras, ou de espionagem. Um crime de morte perpetrado por um membro de uma dessas organizações, pelo facto de ser de qualquer maneira de culpabilidade tomada em comum, perderia todo o valor em que assenta o romance policial. O assassino do romance policial deve ter também as suas possibilidades de êxito, mas seria exagero fazê-lo pertencer a uma sociedade secreta, com grande capital, relações poderosas, etc. Um criminoso a valer não quereria ter vantagens tão grandes no jogo das escondidas com a polícia.   

14. A maneira como é cometido o crime e o meio a usar para a descoberta do culpado devem ser racionais e científicos. Por outras palavras, a pseudo-ciência, com os seus aparelhos puramente imaginários, não pode ser tolerada no verdadeiro romance policial. Um assassínio obtido por meio de uma matéria química de descoberta recente – um super-rádio, por exemplo – não faz parte do romance policial. Também não é permitido matar com uma droga desconhecida, que só exista na imaginação do autor. O escritor deve limitar-se à farmacopeia real, porque, desde que entre no domínio da fantasia, à maneira de Júlio Verne, sai do campo do romance policial.

15. O enigma deve ser aparente em todo o romance, na condição, está claro, de que o leitor seja bastante perspicaz para dar com ele. Quero eu dizer com isto, que se o leitor tornasse a ler o livro, depois de ter conhecimento da explicação do crime, verificaria que de certa maneira a solução saltava à vista desde o princípio, que todos os indícios convergiam para a identidade do culpado e que, se tivesse sido tão arguto como o polícia, teria descoberto o segredo, sem ter que ler até ao último capítulo.

16. No romance policial não deve haver grandes passagens descritivas, nem análises subtis, ou preparações de «atmosfera». Seria matéria que só serviria para estorvar, quando o que se pretende é expor claramente um crime e procurar o culpado. Atrasam a acção e distraem a atenção, afastando o leitor do objectivo, que consiste em pôr um problema, analisá-lo e encontrar uma solução satisfatória. Há, evidentemente, descrições que não se podem eliminar e os traços característicos são indispensáveis, embora sumariamente, para dar verosimilhança à narrativa. Sou de opinião que, quando um autor conseguiu dar a impressão do real e captar o interesse e a simpatia do leitor, tanto para as personagens, como para o problema, já fez suficientes concessões à técnica puramente literária. Mais, não seria legítimo, nem compatível com o problema criminal. O romance policial é de um género muito definido e o leitor não procura nele, nem falbalás literários, nem virtuosismos de estilo, nem análises profundas, mas estímulo mental e actividade intelectual, como quando vai a um desafio de futebol, ou se entrega a um exercício de palavras cruzadas. Uma conferência sobre as belezas da natureza, feita em público num estádio, não aumentaria o interesse pelos jogadores, assim como longas dissertações sobre a etimologia e a ortografia, misturadas com um problema de palavras, só serviriam para irritar quem estivesse preocupado unicamente com a solução.

(CONTINUA)

domingo, 14 de outubro de 2012

ERRÁMOS!

Não tivemos oportunidade, hoje, de ler a nossa secção POLICIÁRIO no PÚBLICO e por isso vamos falar em função daquilo que alguns confrades - a quem agradecemos o contacto - nos transmitiram.

Hoje, era suposto ser publicado o problema que compunha a parte II de prova n.º 9. No entanto, acabou por sair a segunda parte das 20 regras que SS Van Dine definiu para a feitura de um romance policial.

Não vale a pena, como é óbvio, entrar em grandes justificações: ERRÁMOS!

E assim, aqui fica o nosso pedido de desculpas pelo sucedido, assumindo totalmente as culpas pelo facto.

No próximo domingo, esperamos levar até aos nossos confrades e "detectives" o problema que hoje resolveu "fazer greve", quem sabe se contra a instabilidade terrível que vivemos por cá...

Para todos, as nossas desculpas


quinta-feira, 11 de outubro de 2012

JARTURICE OU... JARTURADA - V



TORNEIO DE PREPARAÇÃO
1.ª Problema
NO SILÊNCIO DA NOITE!...
Problema policial rimado
Original de: JARTUR MAMEDE (Porto)
 Publicado na secção POLICIÁRIO em: 11.Outubro.1992



Sem um ai, sem um suspiro,
um corpo caiu no chão!...
E ouviu-se soar um tiro,
no meio da escuridão. 

Ouviu-se o motor dum carro,
e as rodas sobre o asfalto,
deixando marcas de barro,
quando o carro deu um salto.                                                                                                                                                                                             

Ninguém viu, ninguém ouviu,
ninguém soube contar nada…
Polícia logo surgiu,                                           
e deu com a morta gelada.                                

Tinha sido estrangulada,    
e estava semidespida...                                    
com a blusa rasgada,
e a cuequinha descida.                                                                               

Mas não fora violada,
por quem lhe tirara a vida.                                                                          
Nem a carteira roubada,                                     
pois estava no chão caída.                                 

Nem sequer uma pègada, 
nem pistola, nem canhão...                                
Só uma bala encontrada,                                   
e o seu cartucho, no chão.                                 

A Polícia inspeccionou                                        
tudo em volta, com cuidado, 
julgando que quem matou,
pudesse ter-se ocultado.                                    

Na carteira da finada,
tudo fazia sentido.                                 
Estava bem documentada
e tinha o nome do marido. 


Logo aquele procurado,
estava a ver televisão,
bem vestido e acordado,
à espera da Conceição...

Que saíra há meia hora,
para ir à casa da mãe.
- Foi-se embora, porta fora,
sem dizer nada a ninguém.

Ao saber que o corpo fora
numa ruela encontrado,
deu um berro: - Essa agora!...
E ficou aparvalhado.

Refez-se, abrindo a janela,
e disse, já de pistola:
- Se foi o amante dela,
eu dou-lhe um tiro na tola.

O inspector perguntou,
raciocinou, concluíu,
e depois adiantou:
- Se foi ele, já fugiu!...

E ao sair, junto à garagem,
ouviu estalidos e um miado.
E um gato da vadiagem,
sobre o "capot" deitado.

E ao ditar o relatório,
o inspector exclamou:
- Elementar! É notório,
eu já sei quem a matou!

Relê, leitor, estes versos
e escreve a solução,
analisando os diversos,
pormenores de acusação!...




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NOTA:
Como vem sendo hábito fazer, quando reproduzo um problema
dou um salto ao FUTURO, para ir buscar a respectiva solução que,
neste caso (estamos em 11 de Outubro de 1992) só será publicada,
no “Policiário” de 8 de Novembro próximo futuro.     Jartur

NO SILÊNCIO DA NOITE...                                                                                                     


Solução apresentada por: José Augusto Rodrigues da Silva 

Publicada em: 08.Novembro.1992

Elementar meu caro Watson! – diria Sherlock Holmes. Na verdade, é perfeitamente evidente que o autor do crime foi o próprio marido da vátima.
Fundamentos:
1. Se “a Polícia logo surgiu/ e deu com a morta gelada”, incontroverso é que a morte se verificara já há várias horas, pois de contrário não seria essa a temperatura que o corpo apresentaria.
2. “Nem sequer uma pegada/nem pistola nem canhão.” (…) “A Polícia inspeccionou tudo em volta com cuidado.” O conhecimento de tais factos, aliados à conclusão obtida em 1, dão-nos a certeza de que o crime não foi não foi ali cometido e que a vítima ali foi abandonada pelo seu algoz muito tempo após a perpetração do acto criminoso..
3. De resto, é o que nos pretende dizer o verso “sem um ai, sem um suspiro/ um corpo caiu no chão/ e ouviu-se soar um tiro/ no meio da escuridão”. De facto, a ordem sequencial está trocada: primeiro a queda do corpo, depois o tiro. E a causa da morte até fora o estrangulamento… Logo, o tiro foi apenas e só para dar o alarme, para que o corpo fosse rapidamente encontrado.
4. Para além do mais, existiria necessariamente pegadas da vítima e do assassino, no local, se o crime ali tivesse sido cometido, porquanto o carro, ao arrancar, deixou sobre o asfalto marcas de barro e a Polícia, ao inspeccionar tudo em volta com cuidado, não encontrou sequer uma pegada. Nem sequer da vítima… como iria ali ter, sem pegadas?
Portanto, crime ali não cometido, e o corpo apenas ali “despejado” do carro, pelo assassino, e um tiro por este disparado pelas razões já expostas.   
5. “Estava semi despida/ com a blusa rasgada/ e a cuequinha descida, mas não fora violada/ por quem lhe tirara a vida”. Logo, o móbil do crime não fora o que se pretendia evidenciar – obviamente para despistar quanto ao seu autor.
6. Porque “nem a carteira roubada/ pois estava no chão caída/ e na carteira da finada/ tudo fazia sentido”, também o móbil do roubo não podia ser admissível.
7. Mas tinha o nome do marido logo ali à vista. Curioso. Porquê? Nem sequer é natural… Claro que pela razão do tiro: para conduzir a Polícia de imediato até junto dele e encontrá-lo em casa, com este pretendido álibi.
8. “Bem vestido e acordado.” Bem vestido, à noite, em casa, a ver televisão? Não seria mais natural, nessas condições, a utilização de uma indumentária mais ligeira, quiçá até um pijama ou roupão?
9. De qualquer modo, mesmo que tais indícios bem reveladores da sua culpabilidade não existissem, o marido da vítima logo se encarregou de “assinar” a sua confissão de culpa, ao declarar que a mulher saíra há meia hora. E que, apenas poucos minutos antes, ela aparecesse já gelada...
          10. E se, como disse, ela se foi embora, porta fora, porta fora, sem dizer nada a ninguém, como saberia ele que a mulher saíra para ir a casa da mãe? Com todos estes factos, a culpabilidade já não deixava margem para dúvidas. Mas há mais…
          11. O inspector, ao sair, junto à garagem, “ouviu estalidos e um miado, e um gato da vadiagem, viu sobre o “capot” deitado”. Claro, que os estalidos provinham do motor do carro, resultantes do seu gradual arrefecimento, factor demonstrativo da sua recente utilização e chegada.
          12. E não é que o tal gato vadio contribuiu também para incriminar o criminoso? Logo o bicho se havia de ir deitar sobre o “capot” do carro, desfrutando do calor que ele ainda transmitia, chamando para o facto a atenção do inspector…
            E é tudo. Cumprimentos.          
  José Augusto Rodrigues da Silva (2000 - Santarém)

NOTA:
Não resistimos a publicar esta solução por se tratar de um excelente exercício de dedução e capacidade de síntese. Esperamos que seja um bom exemplo, a seguir por todos!
                                                           Luís Pessoa