UM
CASO DO INSPECTOR VELHOTE
Publicamos hoje o
primeiro desafio da segunda prova desta época, de autoria do confrade Rigor
Mortis:
CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL – 2017
PROVA
N.º 2 – PARTE I
“TRUFAS
E MORTE” - Original de Rigor
Mortis
O jantar estava
magnífico. Edgar, o mordomo, fora impecável a organizá-lo, como sempre. Na
sumptuosa sala de jantar da mansão ribatejana do patrão, de imponente pé
direito, a sólida e longa mesa rectangular de mogno estava luxuosamente posta, a
ementa era excepcional, os vinhos espectaculares, o serviço inexcedível.
A mansão passava o ano fechada, isolada, a
uns três quilómetros da aldeia mais próxima e a uma hora de automóvel de Lisboa,
já que a família só lá ia para o jantar de aniversário de Jeremias, o seu
proprietário. Semana e meia antes o Edgar e vários criados tinham ido até lá,
para limpar tudo cuidadosamente e preparar a casa para esse jantar, como faziam
todos os anos. Nesses dias estivera sempre gente em casa, mesmo à noite, com
excepção do domingo anterior à tarde, dois dias antes do jantar. Só o Jeremias,
os seus três filhos e o Edgar tinham a chave da mansão. Os dois filhos mais
velhos, Alberto e Sofia, tinham lá ido durante as limpezas, separadamente, mas
não se tinham demorado mais do que uma ou duas horas. Catarina, a mais nova,
detestava a mansão.
Jeremias, sentado ao topo
da mesa, nem ligava a isso. Não apenas porque já a tal estava habituado, como
porque a sua natureza autoritária e egocêntrica nem outra coisa alguma vez
toleraria.
À volta da mesa, mais nove
pessoas. À direita e à esquerda do Jeremias, as suas duas irmãs cinquentonas,
por quem ele não sentia mais que uma leve condescendência. A seguir, os
respectivos maridos, imprestáveis na sua opinião. Depois, os dois sobrinhos,
por quem Jeremias não sentia a mais leve simpatia. E no outro extremo da mesa
os seus três filhos, Alberto, Sofia e Catarina, a meio da casa dos vinte anos,
tal como os primos.
Jeremias casara tarde, bem
dentro dos cinquenta, com uma linda mulher trinta anos mais nova, Genoveva.
Três filhos em três anos, todos com gravidez muito complicada, tinham dado cabo
da saúde da esposa, que viria a falecer ao dar à luz Catarina. Esses três anos
tinham sido vividos na mansão ribatejana, tal como os doze seguintes, até que
Jeremias se mudara para Lisboa.
Numa acusação semiconsciente,
Jeremias desprezava os filhos, que tratara sempre com uma rigidez e aspereza
impossíveis de suplantar. O desprezo de Jeremias pelos filhos era retribuído
com o ódio destes, que não esperavam outra coisa senão a sua morte e a
correspondente herança, sabidamente enorme. Não obstante, as três crianças
foram crescendo, revelando-se inteligentes e hábeis de mãos. Num ambiente de
todo sem características familiares, viraram-se para os estudos – Alberto
licenciou-se em Direito, Sofia em Engenharia, Catarina em Economia –
partilhando permanentemente um gosto acentuado por tecnologias, sobretudo
electrónicas. Alberto e Sofia tinham-se distinguido nos desportos, durante o
liceu e a universidade, Catarina fora sempre franzina e muito feminina, cuidada
na sua aparência ainda que independente, afirmativa, determinada e de
personalidade forte. Sofia, de muito maior estatura, era esbelta e musculada,
consequência da intensa prática desportiva, nada dada a valorizar a sua
feminilidade.
O ambiente era muito
pesado. Como sempre, nos jantares de aniversário do Jeremias, única altura em
que este se dignava conviver com a sua família.
“Magnífico
consommé! O Edgar levou a cozinheira a exceder-se!” O pensamento sobrepunha-se ao pano de fundo do ódio
pelo pai.
A conversa à volta da mesa, esparsa,
centrava-se nos elogios ao repasto.
– Sinceramente, Edgar, este é o melhor
jantar de sempre! – elogiou uma das irmãs do Jeremias.
– Podes crer! – corroborou o cunhado.
“Lá
isso é… E desta vez ele abriu mesmo os cordões à bolsa… Risoto de trufas
brancas com camarão!... Só este prato deve ter custado mais de mil euros… Que
lhe terá passado pela cabeça?! Será que ele desconfia de alguma coisa?... De
mim, ou dos meus irmãos?...”
O prato de carne, rósbife com puré de
alcachofras, estava simplesmente divinal.
– Que maravilha! – comentou um dos sobrinhos
do Jeremias, logo secundado por todos os outros convivas. Todos menos o
Jeremias, claro, silencioso e soturno como sempre.
“Ai
estas tias… Vê-se bem que nasceram e cresceram no século passado… É só rendas,
folhos e receitas… Hoje não sobreviveriam na adolescência! Seriam levadas pelo
primeiro que lhes aparecesse à frente! Felizmente, uma mulher hoje é muito mais
que roupas e culinária!”
A sobremesa excedeu tudo o que lhe tinha
antecedido. Trufas de chocolate recheadas com maracujá, deliciosas, crocantes
mas que se derretiam simplesmente na boca. Mais uma vez, os elogios.
“Mais
trufas, agora doces… É o momento!”
O disparo sobressaltou todos à volta da
mesa. Sangue apareceu na face do Jeremias, brotando do buraco que se abrira do
seu lado esquerdo. Imóvel durante uns segundos, com a cabeça encostada ao
espaldar da cadeira, o tronco do Jeremias curvou-se lentamente para a frente, caindo
desamparadamente sobre o prato da sobremesa, esmagando os restos das trufas de
maracujá.
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O inspector João
Velhote, de pé em cima da mesa de jantar, com os pendentes mais baixos do
imponente lustre que iluminava a sala a centímetros da cabeça, mirava com
curiosidade não disfarçada a engenhoca que descobrira aí camuflada, fixa ao seu
eixo central. Uma pequeníssima pistola cromada estava habilmente disfarçada
pelos ramos do lustre. Ao gatilho estava preso um fio metálico, com a outra
extremidade soldada a um êmbolo, semi-envolto por um solenóide colado de lado
na coronha da arma, ligado a uma pequena pilha através de um minúsculo circuito
electrónico. Uma pequena antena era visível na base do conjunto. A pistola, de
um único tiro, estava directamente apontada à parte superior da cadeira onde
Jeremias estivera sentado ao jantar.
Velhote tinha tido a inspiração de
procurar no lustre quando o seu ajudante lhe levara uma outra engenhoca,
descoberta no caixote do lixo, na cozinha, que era manifestamente um emissor de
sinais electrónicos de reduzidas dimensões, aparentemente um comando de porta
de garagem.
Dos interrogatórios, João Velhote ficou a
saber de todos os pormenores quanto à mansão, à sua preparação para o jantar, ao
decorrer deste e ao que era relevante relativamente a cada um dos membros da
família. Facilmente entendeu que Jeremias não era estimado por nenhum deles. O
único que tinha consideração por ele era o Edgar, mordomo de sempre. As irmãs e
as respectivas famílias directas suportavam-no apenas, já que não tinham que
conviver com o Jeremias senão uma vez por ano. Os filhos odiavam-no claramente.
Os três tinham estado em Lisboa nas últimas semanas, mas só se tinham
encontrado no domingo anterior, almoçando juntos. Nessa tarde Alberto e Sofia
tinham ido ver um jogo de râguebi da antiga equipa do Alberto, mas Catarina
preferira ir ao cinema.
O inspector João Velhote estava de mau
humor. O seu tique habitual, mordiscando o lábio superior e expondo os
incisivos inferiores por baixo do bigode grisalho, manifestava nesse momento
consternação e preocupação. Tinha todas as razões para crer que sabia quem
tinha sido o assassino, mas prová-lo iria ser muito complicado. A pistola, a
engenhoca associada e o comando de garagem, que se tinha verificado estarem
limpos e sem quaisquer impressões digitais, eram as suas únicas pistas
materiais. Descobrir onde e quem os teria adquirido iria ser o cabo dos
trabalhos. Encontrar alguém que tivesse visto um dos familiares do Jeremias ir
à mansão noutra altura que não àquele jantar seria igualmente muito difícil.
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E você, caro Leitor? De quem suspeita?
Não basta um simples palpite… Analise as
circunstâncias e junte as pequenas evidências, justificando a sua resposta com
plausibilidade.
E pronto.
Resta aos nossos “detectives”,
impreterivelmente até ao próximo dia 31 de Março, enviarem as propostas de
solução, para o que poderão usar um dos seguintes meios:
- Pelo Correio para: Luís Pessoa, Estrada
Militar, 23, 2125-109 MARINHAIS;
-Por e-mail para: lumagopessoa@gmail.com; pessoa_luis@hotmail.com; luispessoa@sapo.pt;
- Por entrega em mão ao orientador, onde
quer que o encontrem.
Boas deduções!
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