CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL
SOLUÇÃO DA PROVA N.º 6
CRIME AO FIM DA TARDE – Original de PAULO
O inspector Ivo já tinha uma imagem daquilo que se passara. De algo ele tinha a certeza. O sócio da vítima, Luís Vaz, mentira. Tanto quisera enfeitar o seu crime que se enredara completamente na história que inventara.
Ivo começara a suspeitar no momento em que ele referiu que percebera que o sócio morrera do tiro que o atingira. Então ele afirmava que não entrara no escritório do sócio, afirmara que tinham sido disparados dois tiros e referia-se de forma tão inequívoca ao tiro que matara Cid. Como sabia ele que não fora atingido com os dois projécteis. Que apenas um acertara. Não! A história começava a cheirar a mentira.
Havia ainda a história dos cigarros. Esta fora uma grande distracção. Palavras impensadas a tentarem embelezar a narrativa. Então os dois tinham ficado a fumar cigarros, não tinha sido feita a limpeza do escritório e o cinzeiro estava vazio, sem qualquer vestígio de cinza no caixote do lixo que apenas continha papel branco. Fora uma situação inventada. Poderia existir visitante, mas a restante descrição teria que ser falsa.
Depois o pormenor fatal. Na descrição que fizera, os disparos teriam sido efectuados do vestíbulo, estando os vidros da porta partidos para atestarem essa versão, mas a observação do ferimento indicava características de disparo à queima-roupa, com os tecidos esfacelados e as chamuscadelas pela língua de fogo da arma, só possíveis com o disparo a ser feito muito próximo da pele.
Eram estes três pontos que apontavam ao inspector Ivo a culpabilidade de Luís Vaz.
Mas como fora cometido o crime? Haveria cumplicidade? Não lhe parecia, ou então no prédio eram todos uns grandes mentirosos conluiados. Além de mais, aqueles que poderiam ser cúmplices individualmente, estavam com pouca disposição para essa atitude, dado as relações pessoais serem más.
O economista queria expulsar a vítima e o sócio do prédio. A empregada de limpeza não tinha razões para querer ser cúmplice de alguém que a humilhara em público.
As pessoas que estavam no gabinete de contabilidade ou no consultório ilibavam-se umas às outras e à partida não seria lógico que fossem cúmplices em grupo daquele crime.
O homem que saiu às 18.02 horas, quase de certeza o visitante do solicitador, pois não havia mais ninguém no prédio, fê-lo antes de Cid telefonar para a polícia. Mais um que não poderia ser cúmplice.
Parecia então que o assassino actuara sozinho. Como o teria feito?
O crime tinha sido premeditado. Provavelmente vários dias à espera de uma ocasião propícia.
Ivo achava curiosa a forma como Luís se teria desembaraçado da arma. Não estava no prédio. Não fora lançada por uma janela, pois pela frente seria vista pelo polícia em frente da esquadra e as traseiras estavam inacessíveis. Alguém a levara, e depois do crime só uma pessoa saíra: Lia, a empregada de limpeza. Fora ela que, sem saber, transportara a arma dentro do saco do lixo. Teria sido enquanto limpava o escritório de Rui Pio ou o Gabinete de Contabilidade, que Luís introduziu no saco do lixo, que estava no corredor, a arma do crime. Esse acto já tinha sido preparado quando mandou que nesse dia Lia levasse o pedaço da estátua. Assim não notaria o aumento de peso provocado pela arma. Se não fosse possível cometer o crime naquele dia, ainda havia mais estátua para uma segunda tentativa. E se não fosse à segunda, haveria mais objectos pesados
Fica assim estabelecida a hora do crime. Pouco depois das dezoito horas, com o tiro fatal disparado à queima-roupa e outro propositadamente para a parede, para concordar com a história que inventara. Claro que a arma teria silenciador para os vizinhos não ouvirem o disparo.
Quando Lia regressou para tentar limpar, Luís não atendeu. Podia sempre desculpar-se que ela não tinha tocado na sua campainha e que não ouvira.
Depois foi só colocar as cápsulas no vestíbulo para fazer crer que os disparos tinham sido feitos desse local.
Enquanto Lia estava nas limpezas, saiu rapidamente, introduziu a arma no saco do lixo, provavelmente embrulhada para não ser vista se Lia olhasse para dentro do saco.
Havia no entanto que deixar sair Lia do prédio antes de denunciar o crime. Desse modo desaparecia a arma.
Assim que ela saiu, facto que ele podia observar pelo óculo da porta, no topo do corredor, usou um qualquer objecto para partir o vidro, esperando talvez que no piso de baixo ouvissem os vidros a cair no chão, e tentou desse modo estabelecer um diferente momento para o crime.
Mas, o inspector Ivo não era fácil de enganar.
4 comentários:
A solução do autor enferma por um erro.
Se as polícia buscou a arma por toda a parte inclusive no terreno das trazeiras para onde o acesso era dífícil como é que não foram procurar no contentor do lixo que seria um dos primeiros lugares onde eles iriam vasculhar.
Quanto ao homem a sair do Prédio às 18 horas não temos garantia nenhum que fosse cliente da vítima já que ninguém o viu a não ser o próprio assassiino o que nos faz pensar num cliente inventado.
Se as câmaras registaram a sua saída do prédio porque não registaram a entrada.
Era importante que isso fosse referido para confirmar que o Cid tinha realmente recebido um cliente à hora indicada pelo assassino.
Como todos sabemos as declarações do culpado nunca são de serem levadas como verdadeiras a não ser que algo o confirme.
Rip Kirby
Excelente problema , com uma base técnica, como eu gosto!
Solução muito honesta e definindo bem o âmbito da acção.
A minha solução coincide em 98% com a do autor.
Como é normal, há sempre pequenas divergências . O autor tem um espaço definido pelo jornal e eu escrevi "um bocadinho" mais ...
Como disse alguém, um texto só é totalmente do autor até ele o publicar. A partir daí, o leitor recria-o e constrói as suas imagens da acção, enquanto destinatário dela; daí as pequenas divergências (de mero pormenor) da minha perspectiva em relação ao autor.
Começo pelo mesmo motivo de desconfiança do Paulo - algo mal contado por Luís Vaz. Para o produtor, foi o facto de o suspeito ter visto logo que fora aquele tiro que matara o sócio; para mim, não. Ele até poderia ter visto a outra bala na parede (depende do ângulo de observação). Para mim, muito grave foi ele ter visto logo que o sócio estava morto, sem entrar no escritório. Poderia ter-lhe parecido morto; mas, na dúvida, a chamada para o 112 deveria ser para chamar socorro médico e não a polícia. Ao mostrar que sabia estar o sócio morto (sem qualquer dúvida), revelou saber demasiado...
O outro ponto de não-correspondência foi no toque da campainha, por Lia. Concluo da solução que ela terá tocado para o gabinete de Luís. Eu acho que ela deveria ter tocado era para o de Cid. Se ela tinho feito a limpeza do gabinete do Vaz e não tinha feito a limpeza do de Cid, ao voltar para trás, para tentar acabar a limpeza, não deveria ter tocado para o Luís (essa limpeza estava feita), mas para o de Cid Leal, cuja limpeza não tinha sido efectuada. Datei, por isso, a morte numa janela horária entre as 18,04 (fim do telefonema para a polícia) e a hora a que Lia tocou a campainha de Cid Leal e este não respondeu (por estar morto). Por volta das 18,05/18,10.
Também não tenho a certeza de uma ferida daquelas poder corresponder a um tiro com silênciador. Mostrei um relatório forense em que se mostra que não (e o excepcional isolamento acústico do prédio - ninguém , naquele andar, ouviu os vidros a partirem - não deixou ouvir o tiro). Mas admiti a hipótese de poder ter sido utilizado, dada a enorme variedade de silenciadores existentes e a pouquíssima biliografia, sobre os seus efeitos, disponível. Outros estudos (diferentes do meu) poderão corroborar a versão do autor.
Como já aqui foi escrito, bom é o problema que admite outras portas não abertas pela solução, mas que a corroboram!
Em resumo - um problema muito bem imaginado, muito bem narrado, muito certinho, muito ... Paulo!!!
Um abraço
Zé-Viseu
Sobre a prova 6- de Paulo/Viseu
Primeiro queremos felicitar o autor da prova que conseguiu fazer uma história cheia de dados e acontecimentos e que estou convencido teve o agrado da maioria dos concorrentes. Nós incluídos!
Acontece que não há problemas perfeitos e quero relevar o aspecto do tiro dado na vítima.
O autor admite ter-se usado silenciador.
Porém, a descrição da ferida causada pela bala casa perfeitamente com uma definição de Luiz Pessoa na revista XYX, nº de Agosto de 1981. Mas aí a arma não tem silenciador.
Ora aqui está um tema interessante para se fazer jurisprudência.
Os nossos confrades não acham?
A. Raposo & Lena
Facto curioso que acabo de constatar.
No problema N.° 5 os comentários foram mais que muitos e só faltou o seu autor ter sido condenado à morte.
Agora neste problema toda a gente está calada, podiam dizer alguma coisa, quanto mais não fosse a louvar o valor da produção, ou só há criticas quando a solução do autor não condiz com a nossa?
Eu gostei do problema e logo que tive conhecimento da sua solução limitei-me a apontar um pormenor que na minha opinião está errado mas nem por isso eu vou bater no autor.
Espero que o Paulo entenda que eu não pretendi desvalorizar a sua produção. Apenas fiz um reparo e mais nada
Rip Kirby
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