Passa hoje mais um aniversário, o vigésimo primeiro, do desaparecimento - precisamente num domingo em que se levantou mais cedo para não falhar mais um convívio policiário, na cidade de Torres Vedras - de um dos vultos mais carismáticos do policiário nacional, o confrade Detective Misterioso, de Cacilhas, que dá, o nome ao troféu de “N.º 1 do ranking”.
Assim se referia ao facto o mestre M. Constantino na sua obra monumental “O Grande Livro da Problemística Policiária”, edição da Associação Policiária Portuguesa, num pequeno texto evocativo da figura deste nosso confrade excepcional, com o título “Perda Irreparável”:
“ Quase a findar o ano, quando se preparava para, mais uma vez, comparecer no Convívio Anual de Torres Vedras, exactamente na madrugada de 24 de Novembro de 1990, faleceu um dos mais activos mestres da Problemística Policiária Portuguesa: Domingos Prata Rodrigues, o Detective Misterioso.
É uma perda irreparável... Exímio decifrador, área em que destacou a pontos de ser considerado quase imbatível, foi igualmente produtor de mérito, contista, fundador da Tertúlia Policiária de Almada, destacava-se, sobretudo, como Campeão na Modéstia, na Camaradagem, na Amizade!”.
É este vulto importante da nossa história policiária, com quem tivemos a felicidade de conviver inúmeras vezes ao longo de muitos anos, um pouco por todo o país onde os nossos convívios chegavam, que hoje homenageamos singelamente, publicando um dos seus desafios, que convidamos os “detectives” a decifrarem:
ALGURES NUMA ALDEIA DA BEIRA ALTA…
Um desafio do DETECTIVE MISTERIOSO
A santa venerada na capela era o orgulho do povo daquela aldeia Beirã.
Todos os que entravam no Templo não se cansavam de admirar a bela imagem que, apesar de moldada em gesso, resplandecia beleza! O seu rosto irradiava um sorriso enternecedor e, só de o ver, as pessoas sentiam um bem-estar e grande felicidade dentro de si. As suas vestes, também moldadas, eram de um lindo azul celeste e o manto, cravado de muita pedraria, cujo brilho penetrava no olhar de quem nele fixasse a vista, maior beleza dava à sua configuração.
Imagem muito antiga, levava o povo a dizer que todas aquelas pedras deveriam valer uma fortuna!
Até que um dia foi o pandemónio e a estupefacção na aldeia. Todas as pedras do manto da Santa tinham desaparecido. A indignação foi tanta que alguns diziam à “boca cheia”, se apanhassem o ladrão, fariam justiça pelas próprias mãos.
Ora aconteceu que, em gozo de férias numa aldeia vizinha se encontrava o Agente Prata e, a pedido dos seus familiares que o albergavam no seu mês de merecido lazer, concordou dar um jeito no assunto…
Assim, ele aí vai a pé com o seu familiar Serrano, para lhe indicar o caminho (o Agente Prata não tem carro, utilizando sempre os transportes públicos ou os carros dos amigos), até à aldeia onde o caso se passou.
Aí chegado e depois de se identificar, foi conduzido ao templo pelo encarregado da sua conservação e abertura ao povo nos dias de culto.
Pelo caminho, o Raul Silva (assim se chamava o homenzinho), foi dizendo ao Agente Prata que, naquela manhã, quando entrou na capela para proceder à sua limpeza, algo de estranho notou. Havia qualquer coisa que não estava certa com o ambiente habitual, até que verificou faltar o faiscar da pedraria do manto da Santa.
Pressentindo o pior, correu para a imagem, tendo constatado que a pedraria tinha desaparecido e no seu lugar só se viam as cavidades onde as pedras anteriormente tinham estado fixas! Na véspera, quando ao anoitecer tinha estado na capela, nada faltava, disso tinha a certeza.
Chegados à capela, o Agente Prata verificou que a porta não apresentava vestígios de arrombamento. Percorreu toda a área à volta do templo e averiguou a existência, na terra amolecida, de várias pegadas sobrepostas e em vários sentidos, notando-se no entanto, junto a uma janela que dava para o interior, algumas pegadas bem visíveis, de botas cardadas, no sentido da entrada e vice-versa. A referida janela também mostrava sinais de ter sido forçada.
No interior do Templo e junto à figura da Santa, o investigador, com a ajuda de uma pequena lupa, verificou que as entradas dos orifícios onde as pedras tinham estado embutidas, apresentavam riscos e falhas de gesso e no interior dos mesmos, partículas prateadas estranhas ao material da imagem. As pegadas de botas cardadas eram visíveis em vários sentidos no interior da capela e mais nada de digno de registo foi visto pelo agente da autoridade, que guardou para si todas as suas descobertas.
Dos nomes fornecidos pelo Raul Silva, de alguns suspeitos, baseando-se nas pessoas que diziam constantemente que a pedraria da Santa faria muitas pessoas felizes, o investigador ouviu:
Marquinhas, uma rapariga de 30 anos, vestindo roupa de trabalho de campo e calçando botas de borracha, declarou nada saber do roubo nem de quem o teria praticado. Não negou ter, por mais de uma vez, mencionado o possível valor das pedras que ornamentavam o manto da Santa.
Alberto Costa, homem por quem os 60 anos há muito tinham passado, tez curtida pelo sol no seu labutar diário na árdua faina do campo, vestindo roupa de trabalho e calçando botas cardadas, nas quais eram bem notados pedaços de terra húmida, declarou:
- Chamam-me o “Rei Herodes” por eu nunca ir à Missa, porque já me habituei a esse tratamento, deixei de ligar a isso. No entanto, o facto de não ir à Missa não me levaria a roubar os valores da imagem, tanto mais que sei respeitar qualquer casa de Oração.
Também não negou a referência feita ao valor das pedras.
Manuel António, 35 anos, trabalhador da construção civil, usando roupa domingueira, disse:
- Na verdade tenho-me referido frequentemente à felicidade que aquela pedraria faria a uma casa de família, mas não fui eu que roubei as pedras preciosas. Já há muito tempo que não passo junto à capela, por isso as pegadas não são minhas.
António Galvão, trinta e poucos anos, mal vestido, quase descalço, pouco amigo de trabalhar, não sendo bem visto na aldeia, devido aos frequentes roubos que fazia, nos galinheiros e não só, prestou as seguintes declarações:
- Na verdade, disse por mais de uma vez que, com todas aquelas pedras na minha mão, não necessitaria de voltar a trabalhar… Mas nunca me passou pela cabeça roubá-las! Mas olhe aí, senhor doutor, eu ontem, quando o sol de estava a pôr, vi o “Rei Herodes” andar perto da capela!
Neste momento, o Agente Prata pensou como tinha sido fácil descobrir o ladrão das pedras da Santa. Sorriu e voltou a pensar como adorava que os seus grandes amigos e colegas de profissão, Inspector Rodriguinho e o seu ajudante Lumafero, estivessem ali, com ele, para juntos gozarem aquele momento hilariante… Sim, é que a pedraria roubada não tinha valor algum, visto todas as pedras serem falsas!
E já imaginando o valente copo de “tintinaite” do bom vinho do “Dão” que beberia logo que chegasse à sua aldeia (por empréstimo), lá foi ele de regresso à casa dos seus parentes.
Antes, porém, deixou três perguntas:
1- Como soube ele que as pedras eram falsas?
2- Quem foi o autor do roubo?
3- Como se teria passado o caso?
SOLUÇÃO DO ROUBO NA CAPELA... ALGURES NUMA ALDEIA DA BEIRA ALTA…
Ele era conhecedor de que a pedra falsa é uma pedra “morta” e sem brilho próprio.
Também era conhecedor de que, em ourivesaria e para suprir a falta de brilho natural, a pedra é espelhada a prateado ou a dourado, na sua base ou fundo, a fim de que as mesmas tenham reflexão da incidência (emissão de raios brilhantes semelhantes aos das pedras preciosas).
Ora, quando assim acontece, estas pedras, porque são coladas (é impossível outra forma de colocação pois tratava-se de uma imagem de gesso), ao serem arrancadas por um canivete ou faca, deixam no gesso as marcas e o pó prateado ou dourado, conforme o caso.
2 – O autor do roubo foi o Manuel António porque no seu depoimento refere que “há muito tempo que não passo junto à capela, por isso as pegadas não são minhas”. Ora, o texto refere que “ as pegadas de botas cardadas, eram visíveis em vários sentidos no interior da capela e mais nada digno de registo foi visto pelo agente da autoridade, que guardou só para si todas as suas descobertas”. Portanto o Manuel António, se não tivesse sido o autor do roubo, teria que desconhecer o facto.
3 – O caso passou-se mais ou menos da seguinte maneira:
O ladrão já há muito pensava roubar as pedras, convencido, como aliás toda a gente, do seu grande valor. Naquela noite, a coberto da escuridão forçou a janela da capela e entrou. Dentro, talvez servindo-se de alguma vela do próprio templo para se alumiar, dirigiu-se junto à imagem, utilizando, muito possivelmente um canivete (razão dos riscos e falhas de gesso que o investigador viu nos orifícios do manto da Santa), retirou todas as pedras, saindo por onde entrou, tendo no entanto o cuidado de deixar a janela fechada.
Encantado da vida, retirou-se para casa, mal sabendo que levava no bolso um montão de pedras sem qualquer valor.
[Fica o agradecimento ao confrade Inspector Aranha que nos recordou o acontecimento que marcou todo o Mundo Policiário, há 21 anos atrás, quando todos se aprestavam para mais um convívio, numa altura em que não havia telemóveis e as comunicações eram difíceis. O choque foi terrível, como é imaginável, à medida que os convivas iam chegando a Torres Vedras.]
1 comentário:
Obrigado, amigo Detective Misterioso. Nunca esquecerei aquelas tardes em Viseu e na "sua" aldeia de férias - a Silvã... Saudade!
Zé
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