ENIGMAS DAS
MORTES DE RIJO E DE CALÍGULA, DECIFRADOS!
Damos hoje sequência às nossas
competições, revelando as soluções para os problemas policiários propostos pelo
confrade Verbatim:
CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL – 2013
SOLUÇÕES DA
PROVA N.º 6
PARTE I
“OUVINDO O
FLECHA DE PRATA PASSAR”, de VERBATIM
Na resolução deste caso, temos de
verificar, em primeiro lugar, se a morte de António Rijo se deveu a suicídio.
Vemos que é muito pouco provável que tal tivesse acontecido, porque o disparo
foi efectuado a mais de meio metro de distância da têmpora da vítima e também
porque Rijo se encontrava com umas fortes luvas de couro calçadas, pouco ou de
todo impróprias para accionar o gatilho.
Sem qualquer referência ao estrépito do
tiro, temos de inferir que o ruído, além de abafado pelas paredes da loja,
também não encontrou pessoa no exterior que o tivesse ouvido.
Analisando as declarações, vemos que o
testemunho de Aníbal Ruivo parece contraditório. Primeiro porque às 21h15 já se
teria posto o sol, não fazendo muito sentido que, numa aldeia sem luz
eléctrica, ele começasse então a consertar uma rede de galinheiro e a seguir
saísse a correr, sem iluminação, por um mau caminho. Depois há a referência ao
apito agudo do combóio que não conjuga com o apito arrastado assinalado pelo
narrador. Finalmente, ele teria chegado à venda com o lojista já morto, talvez
em simultâneo com a viúva. É muita coisa duvidosa.
Há porém duas importantes explicações.
Quanto ao pôr-do-sol, deverá notar-se
que, em Junho de 1945, a hora de verão estava adiantada120 minutos e não apenas
60. Assim, durante aquele mês, numa latitude como a do Outeiro do Bailador, o
sol nunca se terá posto antes das 21h55 nem depois das 22h11. Portanto, às
21h15 era dia. O Sol ainda não se pusera e o ar estava desanuviado. Aníbal
Ruivo pode mesmo ter regressado a casa em condições de continuar com o conserto
da rede.
No que respeita ao apito dos comboios, será
de notar que o silvo de uma locomotiva, em bom andamento, é ouvido de um modo
mais agudo ou mais grave conforme a fonte de som caminha para nós ou se afasta
de nós. É o efeito de Doppler. Como o Flecha de Prata andava ali relativamente
depressa, esse efeito fazia-se sentir. Aníbal Ruivo, estando a uma pequena
distância da loja e, portanto, perto da passagem de nível, ouviu o apito agudo
relativo a uma aproximação. Já o narrador, um quilómetro a norte da passagem de
nível, assinalou o apito arrastado do Flecha que se afastava para Sul.
Aníbal Ruivo não mostrou saber mais sobre
a morte de António Rijo do que aquilo que por ali constaria a partir dos gritos
da viúva, isto é, que o lojista tinha sido morto com uma pancada na cabeça.
Zeferino Carreira e Maria Perpétua do
Souto nada disseram de comprometedor. Esta última, ao atribuir a morte de
António Rijo a uma sacholada na cabeça, limitou-se a ligar o que se contava com
uma das mais vulgares formas de agressão que conhecia. Ela terá ido à loja
pelas 20h00 e Carreira, considerando o tempo necessário para a carroça fazer um
quilómetro, terá saído cerca das 19h50. Portanto, estiveram os dois na venda
antes de Aníbal Ruivo.
A viúva de António Rijo e a criada são
ilibadas pelo narrador. O testemunho cruzado terá ajudado.
Brás Laranjeira é que se denunciou ao
falar de suicídio e da arma que a vítima teria usado para se matar porque, em
princípio, não deveria saber de uma coisa nem da outra, pois o regedor
providenciou no sentido de não ser dado a conhecer mais do aquilo que a viúva
entendera e gritara.
Deduz-se que o advogado não se deu ao
trabalho de verificar o que sobre a morte de António Rijo corria entre o povo e
que confiou demasiado na divulgação da cena que contemplou, ainda com bastante
luz, na altura de abandonar a loja. Enganou-se porque a viúva não viu tudo e as
autoridades foram discretas.
Resta uma questão por esclarecer: como
terá Brás Laranjeira acedido ao revólver de António Rijo? Não o sabemos ao
certo, mas é o próprio advogado que nos fornece uma pista e nos faz suspeitar
de crime premeditado, quando afirma saber que tinha um revólver parecido com o
do lojista. Poderá, portanto, ter congeminado aproximar-se deste último sob o
pretexto de fazer uma comparação de armas. Talvez até se tenha munido de umas
luvas finas para manusear o revólver, com a descarada desculpa de não o querer
manchar. Logo que ficou coma arma de António Rijo na mão, alvejou-o. Simulou,
então, um suicídio. Ao fazê-lo esqueceu-se da distância a que disparou e das
luvas que a vítima calçara para arrumar o arame farpado.
A acção criminosa poderá ter acontecido
depois de Aníbal Ruivo ter deixado a loja, talvez entre as 21h30 e as 21h45,
ainda com o Sol acima do horizonte.
PARTE II
A MORTE DE
CALÍGULA, de VERBATIM
A resposta correcta é B – Tibério.
Verificamos que qualquer dos quatro
amigos podia ter conseguido uma ocasião para estar a sós com Calígula e
aproveitar-se da sua embriaguez para o liquidar através de um suposto acidente
automóvel. Há contudo dois pormenores que nos levam a desconfiar mais de
Tibério do que dos outros três: os pulmões da vítima estavam limpos e Tibério
afirmou ter visto Calígula a acenar-lhe do carro pouco antes de embater no
muro.
Os pulmões limpos indiciam morte da
vítima anterior à incineração. Como o choque do carro contra o muro foi
ligeiro, o cinto tinha sido colocado e não se tinham descoberto fracturas no
corpo, conclui-se que o embate não terá sido de molde a provocar a morte
imediata. Então, Calígula já deveria estar morto quando o automóvel bateu no
muro. Nesse caso, Tibério não o poderia ter visto a acenar imediatamente antes
do embate. Muito provavelmente foi ele que matou Calígula, tendo encenado uma
morte acidental devida a imprudência da própria vítima.
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