NOVO PRAZO PARA A PROVA 8
A pedido de vários confrades, principalmente devido ao
início do ano lectivo e da necessidade de dispersar a atenção por variados
assuntos, resolvemos prolongar o prazo para envio das propostas de solução da
prova n.º 8 até ao próximo dia 10 de Outubro.
Como sempre acontece, quem já respondeu pode enviar novas
soluções, desde que indiquem que anulam e substituem as anteriormente enviadas.
O FERNANDO PESSOA POLICIÁRIO
Poucos meses antes de falecer em
Lisboa, Fernando Pessoa escreveu uma célebre carta ao seu amigo Adolfo Casais
Monteiro, datada de 13 de Fevereiro de 1935, manifestando-lhe que estava a
trabalhar numa novela policiária.
Hoje é mais ou menos consensual
que se tratava de “O Roubo na Quinta das Vinhas” e ficamos a saber que Fernando
Pessoa se debruçou sobre a temática policial e a desenvolveu, embora de forma
algo anárquica, uma vez que nunca terá chegado ao final de qualquer dos seus
trabalhos, ou seja, ao momento em que apenas faltaria a sua publicação.
Devemos a Fernando Luso Soares,
um dos estudiosos mais brilhantes da obra policiária de Pessoa, a recolha de um
imenso espólio de manuscritos e peças isoladas que ele, com muita dedicação e
empenho, compilou e a que deu alguma coerência.
O DR. ABÍLIO QUARESMA
O Dr. Quaresma é o personagem
policiário por excelência, de Fernando Pessoa. Sobre ele, escreve:
“É curioso como certos assuntos
nos talham a mente conforme a sua natureza. Fui verdadeiramente amigo de
Quaresma; verdadeiramente me dói a saudade dele; mas ao escrever a seu
respeito, assumo, sem querer nem sentir, como aliás sempre faço, a frieza de
quem é o meu tema, e não consigo ter uma lágrima em prosa. A personalidade de
Quaresma insinua-se no que escrevo; meu estilo recusa-se a não ser frio. O mais
curioso é que essa individualidade apagada e mortiça, vivendo toda uma vida
subjectiva de problemas objectivos, ganhava uma nova e milagrosa energia quando
resolvia um problema difícil. O Dr. Quaresma, normal, era um apenso débil à humanidade;
o Dr. Quaresma, depois de decifrar, erguia-se num pedestal íntimo, hauria
forças incógnitas, já não era a fraqueza de um homem; era a força de uma
conclusão. Não se transformava – não direi tanto - mas transfigurava-se sem se
transformar…”.
A INTELIGÊNCIA NO
POLICIÁRIO
Uma das marcas mais
significativas da obra policiária de Fernando Pessoa vem, curiosamente, de uma
personagem que aparece no conto esboçado “Janela Estreita” e que, à primeira
vista, parece ser um novo investigador, em contraponto com o Dr. Quaresma e o
Chefe Guedes. Trata-se do Tio Porco, um ser fascinante que diz a certo ponto:
“A inteligência humana pertence a
uma de três categorias. A primeira categoria é a inteligência científica. É a
sua, sr. Chefe Guedes. A inteligência científica examina os factos, e tira
deles as suas conclusões. Direi melhor: a inteligência científica observa, e
determina, pela comparação das coisas observadas, o que vêm a ser os factos. A
inteligência filosófica – esta é a tua, Abílio – aceita, da inteligência
científica, os factos já determinados e tira deles as conclusões finais. Direi
melhor: a inteligência filosófica extrai dos factos, o facto. (…) Ora, além
destes dois tipos de inteligência, há outro, a meu ver superior, que é a
inteligência crítica. Eu tenho a inteligência crítica… (…) A inteligência
crítica é de dois tipos – instintivo e intelectual. A inteligência crítica e
instintiva vê, sente, aponta as falhas das outras duas, mas não vai mais longe;
indica o que está errado, como se o cheirasse, mas não passa disso. A
inteligência crítica propriamente intelectual faz mais que isso: determina as
falhas das outras duas inteligências, e depois de as determinar constrói,
reelabora o argumento delas, restitui-o à verdade onde ela nunca esteve.”
UM CASO PARA ESTUDO:
“O ROUBO NA QUINTA DAS VINHAS”
Em “O Roubo na Quinta das Vinhas”,
Pessoa coloca em cena dois narradores, cada qual com a sua visão e o seu
processo, em que cada um escuta o outro e assume (ou não) o conhecimento por
ele transmitido. Há uma permanente desconfiança mútua e um analisar constante
dos factos e das conclusões.
O diálogo fascinante entre o Dr.
Quaresma e o Sr. Claro é, sem qualquer dúvida, um dos pontos altos da obra
policiária de Pessoa e conduziu mesmo a um ensaio apresentado no Encontro
Internacional do Centenário de Fernando Pessoa – Um Século de Pessoa, de
autoria de Gersey Bergo Yahn, professora das Faculdades Metropolitanas de São
Paulo, Brasil, sob o título “Um exercício sobre o dualismo: razão/fantasia em O
Roubo na Quinta das Vinhas”.
A “luta” entre ambos vai
recrudescendo de nível, até um ponto quase ensurdecedor, mesmo quando ambos
estão em silêncio. É um ambiente em crescendo que termina de forma bombástica
com a decifração do crime.
“Como uma bola de sabão, estoirou-me
a alma, sem ruído, dentro de mim. Fiquei suspenso no vácuo interior (…) No
longo espaço de curtos segundos tentei desesperadamente formar uma atitude, uma
palavra, um gesto, qualquer coisa… não pude… e então compreendi violentamente
quanto pode em nós, se sabem excitá-la, a consciência da culpabilidade”.
O final é devastador e deixa no
ar a força que nos impede de fechar o livro, de mudar de assunto, quando o Dr.
Quaresma olha para o Tejo em vez de olhar o seu opositor, o que faz com que
este refira que “com cada fracção de segundo do meu silêncio a minha
culpabilidade enchia o espaço”.
A autora do ensaio acima referido
conclui: “Nada mais há a fazer. O essencial foi a decifração do enigma para um
e, para o outro, é o avassalador sentimento de culpa e a enorme obrigação do
homem para consigo mesmo”.
Fernando Pessoa, ele mesmo,
policiarista por excelência!