CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL
PROVA N.º 5
SMALUCO E A MORTE DO EMPRESÁRIO ACALORADO,
de Inspector Boavida
Passava muito pouco das dez e meia da manhã quando o telefone tocou. Smaluco ouviu uma conhecida voz grave e límpida que se exprimia num inglês irrepreensível. «Olá, daqui fala Gordon Brown». O velho detective ficou perplexo. Depois de um breve silêncio, recompôs-se e desatou largas e sonoras gargalhadas. Quem estava do outro lado da linha era um emigrante português, exímio em imitações e disfarces, que forma uma dupla imbatível com João Horta. Ele fez saber que o seu parceiro estava a caminho do aeroporto para apanhar o avião com destino a Lisboa. Tinha acontecido um grave problema com o primo Ricardo, um bem sucedido empresário conhecido entre os seus pares por “o acalorado”.
A razão da alcunha do primo de João Horta reside no facto de trabalhar sempre de janela aberta, quer de verão, quer de Inverno, faça chuva ou sol, frio ou calor. O seu escritório fica instalado na sede da empresa, no piso térreo de uma grande vivenda, no Restelo, onde as rotinas há muito ganharam raízes. Trabalham ali dez pessoas e ele é invariavelmente o primeiro a chegar. Às oito em ponto lá está “o acalorado”, de janela aberta, voltado para o jardim público que cerca o quarteirão. A sua secretária, a menina Vanessa, que trabalha numa sala contígua ao gabinete do empresário, é sempre a segunda chegar, por volta das oito e meia. Os restantes empregados, que se dividem pelas instalações da sede, chegam pontualmente às nove da manhã.
Horta chegou a casa de Smaluco por volta das sete da tarde. Este, depois de o ajudar a carregar meia dúzia de pesadas malas, até ao quarto andar onde mora, ficou a saber o que acontecera ao primo do amigo. Alguém tinha disparado sobre “o acalorado”. Horta estava ao telefone com o primo quando, de súbito, ouviu um disparo, seguido do barulho de um corpo a cair no chão. Depois fez-se um silêncio profundo. Ele tem a certeza das horas, porque nessa altura o Big-Ben soou e olhou para o relógio da torre. Eram oito da manhã. Telefonou logo para a Polícia Judiciária, e, duas horas mais tarde, deram-lhe conta da triste notícia. Apanhou o avião e, mal aterrou na Portela, seguiu para a PJ, onde estivera até há pouco tempo.
João Horta conseguiu recolher um relatório circunstanciado de tudo o que se passara durante o primeiro dia de investigações, documento que passou para as mãos de Smaluco. O inspector encarregado do caso era um velho amigo de ambos. Depois de um belo jantar regado com bom vinho, durante o qual mataram saudades de alguns momentos vividos o ano passado em terras de Sua Majestade, Horta adormeceu no sofá da sala e o seu amigo detective aproveitou para ler o relatório do crime do empresário “acalorado”. Estava lá tudo, tim-tim por tim-tim. Nada escapava ao inspector Bernardo. Ele era claro e exaustivo na elaboração dos seus relatórios e fora diversas vezes distinguido por essa razão. Tudo se passara da seguinte forma:
Após receber o telefonema de João Horta, a Judiciária seguiu de imediato para a sede da empresa, tendo chegado breves momentos antes da secretária de Ricardo Esteves. O empresário estava caído no chão do gabinete, atingido mortalmente por um tiro nas costas. O seu telefone pessoal de rede fixa, cujo número era apenas conhecido por meia dúzia de pessoas mais intimas, que estava colocado numa estante afastada uns metros da mesa de trabalho, junto à porta de entrada, encontrava-se fora do descanso, dependurado pelo fio. Não havia mais nada de interessante para a investigação, a não ser uma enorme poça de sangue que cobria a espessa alcatifa. Vanessa, que acompanhara a brigada da PJ, sentiu-se mal e desmaiou.
Depois de recomposta, a menina Vanessa foi a primeira a ser ouvida. Disse ela que chegara, como sempre, às oito e meia. Nada notou de diferente, a não ser a presença dos agentes da PJ. No dia anterior, o empresário tivera uma longa conversa com ela, tendo-lhe confidenciado que a conjuntura económico-financeira internacional estava a ter graves reflexos na performance da empresa, o que o levaria a alienar algum do seu património e a tomar outras decisões não desejáveis. A sua preocupação era a salvação da empresa e a defesa dos postos de trabalho dos empregados mais dedicados. Mas não podia, porém, manter toda a gente, razão pela qual iria dispensar no dia seguinte três dos seus colaboradores: o Jorge, o Gustavo e o Fonseca.
Quando foi ouvido, o Jorge estava muito nervoso. Admitiu que já sabia que ia ser despedido. Cruzou-se com o Gustavo no Café que fica a poucos metros da empresa e ambos lamentaram a sua sorte. Tinham filhos menores e as respectivas mulheres estavam desempregadas. Combinaram pedir uma audiência ao empresário, para apelar à sua compreensão. O Gustavo confirmou que estivera com o Jorge no Café. Chegara muito antes dele, ainda não eram oito horas. A manhã estava calma. Só se ouvia o chilrear da passarada. Cerca de quinze minutos depois, apareceu o colega. Estavam decididos a pedir ao patrão que os não despedisse. Tinham ambos perto de cinquenta anos e naquela idade é difícil encontrar um novo emprego.
O Fonseca chegou à sede da empresa cerca de quinze minutos depois das nove e preparava-se para ouvir um valente sermão do patrão. Mas já estava por tudo. Ouvira dizer que o “acalorado” queria despedi-lo. Portanto, paciência. O desemprego não o preocupava muito. Era novo e havia de arranjar trabalho nalgum outro lugar. Confessou que embirrava com o empresário e que este também não simpatizava muito com ele. Enfim, amor com amor se paga. Só dava por mal empregue o tempo que trabalhou naquela empresa. Já estava farto de engolir sapos. Não ia ter muitas saudades do “acalorado”. Pelo contrário, era bom saber que ele deixara de ter calores. Homens assim, disse ele, não fazem cá falta nenhuma.
Pelo registo de comunicações do telefone pessoal do empresário pôde concluir-se que ele havia recebido nessa manhã uma chamada de Londres, às oito. Na véspera tinha falado para casa de Vanessa, às oito e meia da noite. Esta pediu desculpa por ter omitido o telefonema, dizendo que se tratava de um assunto de foro íntimo que julgou não ser relevante para a investigação. No telefone móvel do empresário havia registos de duas chamadas não atendidas, efectuadas pelos telemóveis do Jorge e do Gustavo, às sete e às sete e meia da tarde do dia anterior, respectivamente. Uma mensagem escrita fora recebida pelo empresário, às nove da noite, onde se dizia: «Deixa a rapariga em paz, senão». Desconhecia-se a identidade do dono do telemóvel utilizado.
O detective Smaluco não descortinou nada que pudesse denunciar alguém de envolvimento no homicídio, mas após uma segunda leitura do relatório ficou a saber tudo. E você?
E pronto!
Agora, depois de muitas e atentas leituras, por cá ficamos à espera das propostas de solução para este problema, impreterivelmente até ao próximo dia 10 de Março, para o que poderão usar um dos seguintes meios:
- Pelos Correios para PÚBLICO-Policiário, Rua Viriato, 13, 1069-315 LISBOA;
- Por e-mail, para policiario@publico.pt;
- Por entrega em mão na redacção do PÚBLICO de Lisboa;
- Por entrega em mão ao orientador da secção, onde quer que o encontrem.
Boas deduções!
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