sábado, 31 de dezembro de 2011

BOM ANO DE 2012

Para todos os Confrades e Amigos, ficam os votos de um Bom 2012, com muito Policiário!

sábado, 24 de dezembro de 2011

FELIZ NATAL



PARA TODOS OS CONFRADES E SUAS FAMÍLIAS, O CRIME PÚBLICO DESEJA UM FELIZ NATAL!

domingo, 18 de dezembro de 2011

POLICIÁRIO 1065



 O FERNANDO PESSOA POLICIÁRIO


Poucos meses antes de falecer em Lisboa, Fernando Pessoa escreveu uma célebre carta ao seu amigo Adolfo Casais Monteiro, datada de 13 de Fevereiro de 1935, manifestando-lhe que estava a trabalhar numa novela policiária.
Hoje é mais ou menos consensual que se tratava de “O Roubo na Quinta das Vinhas” e ficamos a saber que Fernando Pessoa se debruçou sobre a temática policial e a desenvolveu, embora de forma algo anárquica, uma vez que nunca terá chegado ao final de qualquer dos seus trabalhos, ou seja, ao momento em que apenas faltaria a sua publicação.
Devemos a Fernando Luso Soares, um dos estudiosos mais brilhantes da obra policiária de Pessoa, a recolha de um imenso espólio de manuscritos e peças isoladas que ele, com muita dedicação e empenho, compilou e a que deu alguma coerência.


O DR. ABÍLIO QUARESMA


O Dr. Quaresma é o personagem policiário por excelência, de Fernando Pessoa. Sobre ele, escreve:
“É curioso como certos assuntos nos talham a mente conforme a sua natureza. Fui verdadeiramente amigo de Quaresma; verdadeiramente me dói a saudade dele; mas ao escrever a seu respeito, assumo, sem querer nem sentir, como aliás sempre faço, a frieza de quem é o meu tema, e não consigo ter uma lágrima em prosa. A personalidade de Quaresma insinua-se no que escrevo; meu estilo recusa-se a não ser frio. O mais curioso é que essa individualidade apagada e mortiça, vivendo toda uma vida subjectiva de problemas objectivos, ganhava uma nova e milagrosa energia quando resolvia um problema difícil. O Dr. Quaresma, normal, era um apenso débil à humanidade; o Dr. Quaresma, depois de decifrar, erguia-se num pedestal íntimo, hauria forças incógnitas, já não era a fraqueza de um homem; era a força de uma conclusão. Não se transformava – não direi tanto - mas transfigurava-se sem se transformar…”.

Há quem defenda que Pessoa iria desenvolver um novo heterónimo na figura do Dr. Abílio Fernandes Quaresma, um investigador de inteligência rara e espírito observador, que refere: “ A investigação de qualquer assunto depende, essencialmente, da plena segurança dos raciocínios (…) Nós não vemos só com os sentidos; vemos misturadamente, com a inteligência também. Elimino, agora, a hipótese anormal da alucinação. Refiro-me apenas à experiência normal. Um exemplo: passo por uma rua e vejo um homem caído no passeio. Instintivamente me pergunto: porque é que este homem caiu aqui? Já aqui vai um erro de raciocínio e, portanto, uma possibilidade de erro de facto. Eu não vi o homem cair ali. Vi-o já caído. Não é, portanto, um facto para mim que o homem caísse ali. O que é um facto para mim é que ele está caído ali (…) Creio ter-lhes mostrado bem como é complicado o que parece tão singelo. É preciso, em qualquer problema, separar cuidadosamente, logo no princípio, os dados e as conclusões…”.


A INTELIGÊNCIA NO POLICIÁRIO


Uma das marcas mais significativas da obra policiária de Fernando Pessoa vem, curiosamente, de uma personagem que aparece no conto esboçado “Janela Estreita” e que, à primeira vista, parece ser um novo investigador, em contraponto com o Dr. Quaresma e o Chefe Guedes. Trata-se do Tio Porco, um ser fascinante que diz a certo ponto:
“A inteligência humana pertence a uma de três categorias. A primeira categoria é a inteligência científica. É a sua, sr. Chefe Guedes. A inteligência científica examina os factos, e tira deles as suas conclusões. Direi melhor: a inteligência científica observa, e determina, pela comparação das coisas observadas, o que vêm a ser os factos. A inteligência filosófica – esta é a tua, Abílio – aceita, da inteligência científica, os factos já determinados e tira deles as conclusões finais. Direi melhor: a inteligência filosófica extrai dos factos, o facto. (…) Ora, além destes dois tipos de inteligência, há outro, a meu ver superior, que é a inteligência crítica. Eu tenho a inteligência crítica… (…) A inteligência crítica é de dois tipos – instintivo e intelectual. A inteligência crítica e instintiva vê, sente, aponta as falhas das outras duas, mas não vai mais longe; indica o que está errado, como se o cheirasse, mas não passa disso. A inteligência crítica propriamente intelectual faz mais que isso: determina as falhas das outras duas inteligências, e depois de as determinar constrói, reelabora o argumento delas, restitui-o à verdade onde ela nunca esteve.”

Pelo que se transcreveu chegamos à conclusão que o Tio Porco – de que desconhecemos o motivo para tal baptismo, mas que certamente não foi originado por um certo pedantismo que lhe está associado e que percebemos ao longo das suas dissertações, por não ser esse o método normalmente seguido por Pessoa -, a quem se não consegue atribuir um papel definido, não é um investigador policial. E isso porque ele mesmo se exclui ao assumir ser possuidor de uma inteligência crítica. Ora, uma investigação policial é sempre originada num processo por resolver e a inteligência crítica actua como correctora das falhas das outras inteligências.
Esta teia que Pessoa cria em torno das coisas, nos seus esboços, deixa-nos com água na boca para imaginarmos o que seriam as suas novelas, se concluídas, pelo menos em termos de construção!


UM CASO PARA ESTUDO: “O ROUBO NA QUINTA DAS VINHAS”


Motivo de muitos estudos, a obra “O Roubo na Quinta das Vinhas” tem dividido muitos pessoanos convictos, tal o modo como está concebida e enquadrada.
Pessoa coloca em cena dois narradores, cada qual com a sua visão e o seu processo, em que cada um escuta o outro e assume (ou não) o conhecimento por ele transmitido. Há uma permanente desconfiança mútua e um analisar constante dos factos e das conclusões.
O diálogo fascinante entre o Dr. Quaresma e o Sr. Claro é, sem qualquer dúvida, um dos pontos altos da obra policiária de Pessoa e conduziu mesmo a um ensaio apresentado no Encontro Internacional do Centenário de Fernando Pessoa – Um Século de Pessoa, de autoria de Gersey Bergo Yahn, professora das Faculdades Metropolitanas de São Paulo, Brasil, sob o título “Um exercício sobre o dualismo: razão/fantasia em O Roubo na Quinta das Vinhas”.
A “luta” entre ambos vai recrudescendo de nível, até um ponto quase ensurdecedor, mesmo quando ambos estão em silêncio. É um ambiente em crescendo que termina de forma bombástica com a decifração do crime.
“Como uma bola de sabão, estoirou-me a alma, sem ruído, dentro de mim. Fiquei suspenso no vácuo interior (…) No longo espaço de curtos segundos tentei desesperadamente formar uma atitude, uma palavra, um gesto, qualquer coisa… não pude… e então compreendi violentamente quanto pode em nós, se sabem excitá-la, a consciência da culpabilidade”.
O final é devastador e deixa no ar a força que nos impede de fechar o livro, de mudar de assunto, quando o Dr. Quaresma olha para o Tejo em vez de olhar o seu opositor, o que faz com que este refira que “com cada fracção de segundo do meu silêncio a minha culpabilidade enchia o espaço”.
A autora do ensaio acima referido conclui: “Nada mais há a fazer. O essencial foi a decifração do enigma para um e, para o outro, é o avassalador sentimento de culpa e a enorme obrigação do homem para consigo mesmo”.

Fernando Pessoa, ele mesmo, policiarista por excelência!

domingo, 11 de dezembro de 2011

POLICIÁRIO 1064


M. CONSTANTINO, O MESTRE DA PRODUÇÃO


«O homem encontra no enigmático algo que lhe excita o espírito e lhe motiva a curiosidade.
Posto perante um mistério, todas as faculdades se lhe alertam e, atentas, se debruçam em torno do problema.
Sente prazer íntimo em seguir passo a passo todas as pistas até alcançar o objectivo.
Satisfaz-se ao conseguir rodear as dificuldades, tanto como vencer obstáculos que se apresentam intransponíveis.
E quanto mais a precisão dos factos não se permite que se vislumbre sombra de uma estrada, maior é o apego e o desenvolvimento do cérebro, maior é a satisfação da vitória.
Segundo Bergson, um problema que inspira atenção é uma representação duplicada de uma emoção, sendo ao mesmo tempo a curiosidade, o desejo e a alegria antecipada de o resolver. É o desafio posto que impele a inteligência diante das interrogações, vivifica, ou antes vitaliza os elementos intelectuais com os quais fará corpo até à solução.
A própria vida cifra-se em constante mistério, um enigma constante que a humanidade procura solucionar o melhor e mais rapidamente possível. O obscuro nunca nos desampara, desafia-nos.
De prazer espiritual que se sente em desvendar incógnitas, desvanecimento de sobressair, simples divertimento, tudo conduz a que os homens do povo na sua singeleza através de simples adivinhas que andam de boca em boca, os letrados com bem urdidos trabalhos, os sábios na esfera da humanidade, acorram ao seu cultivo e decifração.»

M. Constantino, “Manual da Enigmística Policiária”,
Edição da Associação Policiária Portuguesa, 1995


Não são necessárias muitas palavras para definir M Constantino, aquele que é, unanimemente considerado o melhor produtor de enigmas policiários.
Conhecemo-lo há longos anos em diversas facetas da sua vida policiária, não só como produtor excelente, mas igualmente como ensaísta e estudioso destes assuntos, com trabalhos importantes, felizmente muitos publicados graças à Associação Policiária Portuguesa (APP).
Numa altura em que o mestre anuncia a sua retirada – fortemente contestada pela esmagadora maioria dos “detectives”, desejosos de continuarem a tentar decifrar os seus enigmas – ouçamos o que dele dizem dois confrades absolutamente insuspeitos, tal a frontalidade com que sempre exercem os seus direitos à opinião:




CONSTANTINO – UM GRANDE NOME DO POLICIÁRIO PORTUGUÊS


M. Constantino (principal nome literário de Manuel Botas Constantino, já que também escreveu sob os pseudónimos de “Mário Campino” e “Zé da Vila”) é, incontestavelmente, um dos maiores nomes de sempre do Policiário português, nomeadamente no campo da produção.
Nascido em Almeirim em 21.04.25, terra onde ainda vive e ama devotadamente, passou pelo Ensino Secundário e Universitário, até se formar em Economia e Finanças, no I.S.E.F., entrando, profissionalmente, no Ministério das Finanças, onde desempenhou os cargos – não correspondendo a ordem às funções – de Jurista, Perito Gestor Tributário, Chefe de Repartições de Finanças, Professor de Direito Fiscal, Delegado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal, Agente do Ministério Público de 1ª Instância, etc. . 
Desempenhou, entre outros, os cargos de Vereador da Câmara Municipal de Almeirim e de Deputado Municipal, Presidente da Assembleia dos Bombeiros Voluntários, Director do CRIAL (Centro de Reabilitação Infantil de Almeirim) e Director do jornal “O Almeirinense”.
No Policiário iniciou-se em 1945, como solucionista e produtor, tendo pouco depois criado e dirigido Secções nas revistas “Altura”, “Palavras Cruzadas”, “Auditorium”, “Charadista” “Matuto” e “Tempos Livres”, e nos jornais “O Enigmista” e “O Almeirinense”.
Colaborou também activamente nas revistas especializadas “Selecções Mistério” – da qual foi um dos Coordenadores de edição – “XYZ Magazine” e “Célula Cinzenta”, esta editada pela Associação Policiária Portuguesa. Nesta, da qual foi um dos fundadores, integrou os Órgãos Directivos, ocupando, em diversos mandatos, os Cargos de Presidente da Assembleia-Geral, Presidente da Direcção e Presidente do Conselho Fiscal.
Excepcional produtor de problemas policiais, assinou, ao longo dos anos, muitos dos melhores destes enigmas entre nós publicados (30 dos quais se encontram compilados em livro), tendo-se, nesta modalidade, sagrado Campeão Nacional, para além de conquistado muitos outros certames. 
Sempre sob os temas policiais e de mistério, a sua paixão de sempre, escreveu, ao longo de mais de 60 anos de intensa actividade – que felizmente ainda mantém – milhares de páginas de ensaios, manuais, biografias, crónicas, contos, etc. Destaquemos a “História da Narrativa Policiária”, a “Antologia Portuguesa de Contos Policiais” (ambas em 2 volumes), o “Grande Livro da Problemística Policiária”, o “Manual da Enigmística Policiária”, “Antologia dos 150 Anos da Literatura Policial (1841 a 1991), “Os Elementos Fundamentais na Narrativa Policiária Clássica”, etc. etc. Lastimavelmente, grande parte das suas obras de maior fôlego nunca conheceram divulgação publica, já que são demasiadas extensas para poderem serem publicadas nas (hoje poucas) Secções Policiais existentes, e por não haver entre nós (pensam os Editores) um publico interessado nestes temas suficientemente numeroso para justificar comercialmente a sua edição em livro....E assim se perde, ingloriamente, uma vasta obra.
Eis, necessariamente de forma muita resumida, o perfil biográfico de M. Constantino – um grande nome do policiário português.

 Domingos Cabral (Inspector Aranha)



O AVÔ PALATÓ – UM HERÓI DE CONSTANTINO


Avô Palaló é, para mim, a personagem mais modelada da problemística policiária portuguesa. A sua grande riqueza psicológica é indissociável do facto de ter sido, assumidamente, inspirada no próprio avô materno do seu autor.
Cada situação que o Avô Palaló é chamado a resolver é a essência de uma novela que Constantino gostaria de ter escrito, sempre, mas que nunca teve espaço para publicar, nas secções policiárias em que colaborou. São momentos de vida, onde tomamos conhecimento com uma vasta galeria de personagens realmente ligadas ao autor (pais, familiares, amigos e empregados do avô) colocadas no autêntico espaço físico do Ribatejo de há quase 80 anos. Por isso, aí encontramos as grandes cheias do Tejo, as lezírias, os touros, os campinos, os trabalhos agrícolas das terras do seu avô – os rituais da vida rural da infância do menino Manuel! Infância que foi, notoriamente, muito moldada pela figura tutelar e patriarcal do avô, que o ajudou a criar, a formar e até lhe salvou a vida.

Para homenagear esse avô, M. Constantino criou esta personagem de investigador, que resolve todos os casos do dia -a – dia com uma técnica que podemos definir como intuitiva /dedutiva. Partindo de uma aguda intuição para observar e entender, rapidamente, o que o rodeia, Palaló vai construindo a solução do problema de uma maneira natural – revestindo o esqueleto da intuição com os pormenores da dedução.

Da brilhante obra de Mestre Constantino, os problemas de Palaló são, claramente, os meus preferidos, até pelo valor literário (e etnográfico) das suas descrições.

Gustavo Barosa (Zé)






segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

POLICIÁRIO 1063


As memórias do Policiário passam, também, por algumas pessoas que, não tendo tido uma participação muito assídua nos torneios, por indisponibilidade pessoal ou por ausência de um espírito mais competitivo, nunca deixaram de acompanhar e participar, cada qual à sua maneira, naquilo que gostam, ou seja, no mundo Policiário.
Como muitas vezes temos referido, são muitas as formas de viver o Policiário e temos exemplos magníficos que podemos apontar. Um dos mais significativos é o de M. Lima, confrade do Porto, que mesmo depois de abandonar a decifração continuou a acompanhar todas as movimentações e a comparecer, quando possível, nos convívios; outro exemplo é o confrade L.S., de Coimbra, que não enjeita uma possibilidade de estar com os restantes confrades, nos eventos que levamos a cabo; ou Lima Rodrigues, durante muitos anos provedor da nossa secção e desde há muito afastado da problemística; ou mestre M. Constantino, que não entrando nas competições como decifrador, mantém uma actividade invejável como produtor de problemas e conviva por excelência, sempre que a vida pessoal permite.
São muitos os exemplos que demonstram que, uma vez policiarista, policiarista até ao fim! Era o que o nosso “Sete de Espadas” referia amiúde, como sendo “o bichinho do policiário”, que uma vez picando, jamais deixa de produzir o seu efeito. Será essa a razão para muitos dos nossos confrades regressarem ao nosso convívio muitos anos depois de terem dado como terminadas as suas participações!
Também a nossa homenageada de hoje pode ser englobada neste rol. Depois de uma vida intensa de participação nos torneios radiofónicos de Artur Varatojo, no celebérrimo Quinto Programa, sempre se manteve ligada à tribo policiaria, cultivando a literatura policial e escrevendo textos de inegável valor, sobre a temática policial, muitos deles publicados nestas nossas páginas.
Natércia Leite é a nossa homenageada de hoje, para que se mantenha a memória de uma lutadora contra a hipocrisia e o desmazelo, que ela odiava como ninguém.


HOMENAGEM A NATÉRCIA LEITE



Hoje, vamos homenagear uma figura importante do policiário, infelizmente um tanto esquecida, por não ter tido uma participação activa nas nossas competições, como decifradora, desde há muito.
Com uma vida literária intensa, quer como escritora de grande imaginação, com uma forte presença do mistério e grande poder de observação, quer na poesia, Natércia Leite foi sempre uma pessoa atormentada pela ausência de oportunidades, desaparecendo sem nunca ter podido cumprir o seu maior sonho: publicar um livro.
Natércia foi, podemos dizê-lo com certeza, uma das pioneiras do policiário, escrevendo muitos desafios e contos para o Quinto Programa, que Artur Varatojo manteve na rádio e onde se cruzou com muitos dos mais importantes vultos do policial, tais como, a título de exemplo, Sete de Espadas, M. Constantino, Lima Rodrigues, Domingos Cabral.
Na nossa secção, que Natércia seguia com a atenção que a sua doença permitia, muitos foram os textos que aqui viram a luz do dia e foi uma participante activa nos concursos de contos que promovemos, conquistando alguns prémios.
Mas, o prémio maior foi, sem dúvida, para todos os que tivemos a oportunidade de a conhecer nos convívios ou outros eventos.
O problema que hoje publicamos é um bom exemplo do seu modo de encarar o policiário, mas é um tanto diferente do que lhe era habitual, por ser curto. Natércia adorava escrever e a descrição dos personagens e dos ambientes era um exercício que raramente dispensava.
O caso de uma estranha morte foi publicado em 24 de Abril de 1945, na secção “Mistério e Aventura”, em “A Vida Mundial Ilustrada” e é o desafio que hoje vamos recordar, em memória desta Mulher que deixou uma marca indelével no Policiário.


A ESTRANHA MORTE DE FERNANDO FARIA

                                                     Desafio de Natércia Leite
  
O detective Santos foi chamado apressadamente a casa dos irmãos Faria, dois notáveis engenheiros. Aí, o criado, assustado, contou que um dos patrões há muito que fora para o banho e ainda não voltara. Como o outro patrão tivesse saído nesse intervalo de tempo, ele preferira recorrer à polícia.
Então, o detective Santos encaminhou-se para a sala de banho. A porta estava fechada. Mas como se tratava de uma fechadura vulgar, o detective utilizou uma das muitas chaves que sempre trazia consigo e conseguiu abri-la facilmente.
Lá dentro deparou-se-lhe um espectáculo bem triste. Entre os vapores de água jazia Fernando Faria. A sua cabeça estava tombada para o peito. E, na nuca, tinha uma horrível brecha.
O detective Santos pode constatar logo que a morte fora instantânea.
O detective fez um rápido esboço do que estava à vista.
Depois, voltou à outra sala para melhor interrogar o criado. Ainda assustado, ele confessou:
– O senhor Fernando discutiu furiosamente de manhã com o senhor Francisco. Depois, aí pelas onze horas, foi meter-se na casa de banho. O senhor Francisco saiu às onze e meia. Lá para o meio-dia e meia hora, como o senhor Fernando não aparecesse, fui bater à porta da casa de banho. Ele não respondeu. Ainda procurei ver pela fechadura mas a chave, do lado de dentro, não me deixou ver nada. Então, resolvi telefonar-lhe...
Passados momentos, regressou a casa Francisco Faria, o irmão do morto, interrogado logo pelo detective, ele declarou:
– Sim. Discuti com ele, de manhã, pois acusei-o de me ter roubado uns planos valiosos. Ele não mos devolveu, dizendo que não os tinha. Saí furioso. Mas, apesar de tudo, era bastante seu amigo.
O detective Santos olhou sorridente para os dois homens. Já tinha achado a “chave do caso”.

QUESTIONÁRIO

1º – O criado falou verdade? Porquê?
2º – Francisco Faria falou verdade? Porquê?
3º – Fernando Faria suicidou-se? Porquê?
4º – Qual deve ter sido a solução do detective Santos?



SOLUÇÃO
A ESTRANHA MORTE DE FERNANDO FARIA

Solução do enigma publicado na semana passada, pela autora Natércia Leite:
  
1º – As declarações do criado foram falsas. Se o patrão tivesse estado tanto tempo no banho, a água estaria fria e não emanaria ainda vapores. Também não podia a chave tê-lo impedido de espreitar, pois que não se encontrava lá chave alguma, dada a facilidade com que o detective Santos abriu a porta. Além disso, se o criado queria fazer supor que o patrão se suicidara, caía num erro porque a cabeça batendo contra a banheira, ao ponto de abrir uma profunda brecha na nuca, não viria tombar depois sobre o peito.
2º – Nada nos pode levar à conclusão que Fernando Faria não tenha falado verdade. Há apenas a contradição da hora de saída. Mas, dadas as outras mentiras do criado, é fácil supor que ele tivesse insinuado uma falsa hora de saída de Francisco Faria, com intenção mais do que duvidosa...
3º – Fernando Faria não se suicidou. A ferida profunda que apresentava na nuca, não poderia ser feita por ele próprio. Além disso, se se tivesse suicidado, o instrumento de que se servira devia estar bem à vista.
4º – Se Fernando Faria não se suicidou, havia um criminoso. E o criado devia ter sido o criado, porque prestara propositadamente falsas declarações. E de facto, preso, ele confessou o crime. Roubara os documentos e com medo que o patrão descobrisse, porque já desconfiava dele, aproveitou a zanga havida de manhã, e matou, para fazer cair as culpas sobre Fernando Faria. Mas, ao mesmo tempo, receoso de possíveis consequências, quis também fazer acreditar num suicídio. Porém, o vapor de água e a chave hipotética traíram-no irremediavelmente...