domingo, 26 de janeiro de 2014

POLICIÁRIO 1173

[Transcrição da secção 1173 publicada hoje no jornal PÚBLICO]


AQUECIMENTO DAS “CÉLULAS CINZENTAS” PARA A COMPETIÇÃO

A uma semana do início da competição desta época de 2014, está na hora dos nossos confrades e “detectives” exercitarem as “células cinzentas” para os desafios que se avizinham, depois de longa paragem!
Escolhemos um problema do confrade Daniel Falcão, também como homenagem a este confrade pelo muito que tem feito pelo Policiário, quer como decifrador e produtor de excelência, quer como divulgador, sobretudo pelo trabalho desenvolvido no Clube de Detectives.
  
O ENIGMA DO GUARDA-CHUVA DESAPARECIDO
Autor: Daniel Falcão



Quando acordei, naquela manhã de sábado, tive imediatamente a sensação que algo especial me iria acontecer. Não me peçam que explique racionalmente o que realmente senti, porque não sou capaz. Essa mesma sensação perseguiu-me durante toda a manhã, sem que eu conseguisse divisar até onde ela me levaria. No entanto, a manhã decorreu com normalidade e nada de relevante aconteceu.
O momento especial estava reservado para a parte da tarde. Tal como fora previamente combinado com o meu grupo de amigos, pouco passava das duas e meia quando nos dirigimos à Quinta da Caverneira, onde iria realizar-se uma palestra intitulada “O detective que há em cada um de nós”. Assim que tomara conhecimento da palestra e porque achei o título muito cativante, tratei logo de arregimentar um grupo de amigos para me acompanharem. Se bem que nem todos tenham cedido imediatamente, a minha vontade acabou por ultrapassar todos os obstáculos.
Foi no preciso momento em que transpus a porta de entrada que a vi. Os seus olhos verdes ficaram, por escassos segundos, fixos nos meus. Julgo que os nossos olhos se afastaram exactamente ao mesmo tempo, embora a sua imagem tenha perdurado na minha memória por mais tempo. Quem seria aquela bonita rapariga? Como viera ali parar?
Quando voltei a olhar para o sítio onde a vira antes, ela já havia desaparecido. Teria sido uma miragem? Seria a minha fértil imaginação a pregar-me uma partida? A mim, que sempre sonhara com um momento daqueles?
Não, não era uma miragem. A rapariga era bem real, pois lá estava ela sentada numa das cadeiras da parte central do auditório. Sentei-me na última fila, onde podia estar atento à palestra e, simultaneamente, observá-la.
Embora, de vez em quando, os meus olhos se dirigissem para um local específico na parte central do auditório, centrei a minha atenção no senhor que estava a falar. Dizia ele:
«(…) Imaginem a situação seguinte: A professora de inglês participou ao director de turma o desaparecimento do seu guarda-chuva, que ela havia colocado, após entrar na sala de aula, encostado à parede junto à porta de entrada. Ela sabia que três dos seus alunos tinham por hábito pregar algumas partidas aos colegas e desconfiava que naquele dia, muito possivelmente, a tinham escolhido como alvo das suas brincadeiras.
O director da turma ficou incumbido de averiguar, junto dos três alunos suspeitos, se algum deles fora o autor daquela brincadeira inocente. Chamou-os ao seu gabinete e, estando os três sentados à sua frente, atirou a seguinte pergunta: “Quem foi o malandro que, ontem de manhã, levou para casa, sem querer, um guarda-chuva que não lhe pertence?”
Os rapazes entreolharam-se, sorridentes, assim que o director de turma se calou. Nenhum deles parecia querer ser o primeiro a responder. Até que o Vítor se decidiu: “Professor, eu ontem levei para casa o mesmo guarda-chuva que de lá trouxera. Se alguém disser que me viu pegar num guarda-chuva, tem toda a razão. Só que, tratava-se do guarda-chuva da minha mãe.”
Depois do colega, os outros dois lá se decidiram também a responder à pergunta. O segundo foi o Duarte: “Assim que terminou a aula de inglês, dirigi-me ao sítio onde tinha colocado o meu guarda-chuva, peguei nele e saí. Não toquei em mais nenhum guarda-chuva.” Seguiu-se o Guilherme: “Eu não toquei em nenhum guarda-chuva. Por acaso, ontem nem sequer trouxe guarda-chuva para a escola e muito menos levei qualquer guarda-chuva para casa.”
Como devem imaginar, depois de os escutar, chegara a vez do director da turma sorrir…
Algum de vós quer dar a sua opinião sobre esta situação que acabei de vos expor?»
O inevitável silêncio em momentos como este, fez-se naturalmente sentir. Uma certa vergonha tolhe sempre as pessoas. Até que, calma e discretamente, um braço se ergueu. “Levante-se, se faz favor, e diga-me o seu nome.” Ela levantou-se e sou capaz de jurar que, por escassos centésimos de segundo, os seus olhos estiveram voltados na minha direcção: “Chamo-me Bruna!”
“Muito bem Bruna, não se intimide com o auditório e apresente a sua opinião.”

DESAFIO AO LEITOR:
O leitor, tal como a Bruna, também tem uma opinião sobre quem pode ter levado para casa, inadvertidamente!, o guarda-chuva da professora.
A – O Vítor.
B – O Duarte.
C – O Guilherme.
D – Nenhum dos três.


SOLUÇÃO

“Julgo que foi o Duarte que levou o guarda-chuva da professora de inglês.”
Reparei no balancear assertivo do palestrante e senti-me, interiormente, satisfeito, por Bruna, era este o seu nome, ter respondido acertadamente. “Muito bem! E qual foi a razão que a levou a apontar o Duarte?”
Foi então que Bruna mostrou ter estado muito atenta à situação que fora exposta: “Por uma razão muita simples. O director de turma apenas referiu aos três rapazes que desaparecera um guarda-chuva, sem precisar que fora na aula de inglês. Ora, o Duarte é o único que identifica o término da aula de inglês como o momento em que desaparecera o guarda-chuva.”
Quando me apercebi, estava de pé, ovacionando a participação da Bruna e sendo acompanhado por todos os presentes no auditório.
“Excelente! Eis uma resposta concisa e objectiva” – começou por dizer o palestrante. E continuou: “Este, como muitos outros enigmas policiários, procura desviar a atenção do solucionista para pormenores secundários. Embora o Vítor tenha levado para a escola o guarda-chuva da mãe, ou seja, um guarda-chuva feminino, tal não é suficiente para o ‘incriminar’. Ele apenas teria mencionado este facto, para o caso de alguém ter referido que ele tivera na sua posse um guarda-chuva que, indubitavelmente, não devia ser o seu.”



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