[Transcrição da secção n.º 1197 publicada
hoje no jornal PÚBLICO]
ALGUÉM TERÁ MENTIDO NO ROUBO DA “GIOCONDA”?
Em período de
férias para muitos, vamos tentar saber o que aconteceu à “Gioconda”, numa
proposta dos nossos confrades Búfalos Associados:
CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL – 2014
PROVA
N.º 6 – PARTE II
“ROUBARAM
A GIOCONDA” - de BÚFALOS ASSOCIADOS
Há muitos anos havia zonas nesta velha
Lisboa que não eram de todo recomendáveis para qualquer pacato e honesto
cidadão. José Saramago, que passou alguns anos da sua juventude no bairro da
Penha de França, refere no seu "Caderno 2" o Pátio do Padeiro no
chamado Vale Escuro, para onde se escapulia a garotada da vizinhança em busca
de aventura, "local onde a gente "normal" não se atrevia a
entrar e a própria polícia evitava fazendo vista gorda aos supostos ou
autênticos comportamentos ilícitos dos seus habitantes". Quando anos mais
tarde o camartelo municipal limpou a área, ficou de pé durante alguns anos um
pequeno prédio que incluía um cafezito chamado "Toca do Leonardo",
sobrevivendo enquanto foi possível à construção das "gavetas" de
habitação sobrepostas que hoje ocupam o local. O velho Leonardo tornara-se
amigo do então jovem Garrett após um problema que tivera com a polícia por
causa de uma questão de falta de licença para vender castanhas assadas na rua.
O processo acabou por ser esquecido e o velho ficou para sempre agradecido a
quem julgava ter sido o responsável pela "amnésia" da polícia.
Garrett nunca o assumiu, mas a verdade é que a amizade entre os dois homens
perdurou.
Num domingo de temporal desfeito sobre
Lisboa, com ventos ciclónicos e chuva que duraram todo o dia, Garrett resolveu
ficar em casa a pôr papéis em ordem. Seriam talvez umas sete da tarde quando o
telefone tocou. Era o Leonardo aflito a gritar: "Roubaram a
Gioconda!" - "O quê, outra
vez? - exclamou Garrett. - A última vez que isso aconteceu foi em 1911! Outro
italiano maluco?"- "Não brinque, Inspector, a minha gata desapareceu.
Ajude-me, por favor."
O Leonardo tivera veleidades artísticas na
juventude, tendo chegado a ser autor do guarda-roupa de marchas populares.
Herdara a leitaria "Flor de Ourense" da filha de um galego, de quem
enviuvara há coisa de dez anos, e o "estaminé", mudado o nome, lá ia
fazendo algum negócio enquanto houve clientela. Porém ultimamente naquele
deserto raramente aparecia alguém e o homem dedicara-se então às castanhas
assadas que vendia numa padiola clandestina, sobretudo aos domingos, quando o
café estava fechado. A sua única família era agora uma gata maltesa a que dera
o nome de Gioconda e que era uma espécie de mascote do café, de onde nunca
saía.
Garrett não podia faltar ao apelo do amigo e
assim apanhou um táxi para o local, onde se inteirou do que se passara.
Leonardo, que vivia perto, às 11 horas estivera no café a deixar comida para a
Gioconda, e tudo estava normal. De seguida pedalou com a gerigonça das
castanhas para o Campo Grande, pois jogava o Benfica. Não podia perder o
negócio, apesar do temporal. Quando, ao fim da tarde, voltou para arrumar a
geringonça, encontrou a rapariga que lhe costumava limpar o estabelecimento, a
Elsa, a dar-lhe chorosa a triste notícia de que a bicha tinha desaparecido. -"Como
é que aconteceu? - queixava-se o Leonardo - Fugir era impossível porque as
janelas estavam todas fechadas. De certeza que a roubaram, inspector. Ontem à
tarde dei pela falta de uma chave suplente que tinha pendurada na ombreira da
porta. A Elsa encontrou-a hoje em cima do balcão quando aqui entrou."
A rapariga apressou-se a esclarecer:
-"Foi isso. Ainda não eram duas horas vim ao café porque na véspera
tinha-me esquecido do porta-moedas. Claro que utilizei a chave que uso sempre
que venho fazer a limpeza. O porta-moedas estava onde o tinha deixado, a gata é
que não estava em parte nenhuma. A única porta da rua estava fechada à chave
com duas voltas como o Sr. Leonardo a costuma deixar. Não tinha maneira de o
contactar, por isso fiquei aqui à espera dele pois sabia o desgosto que ia
ter."
-"Quantas pessoas têm chave desta
porta?" - perguntou Garrett. Leonardo: -"Além da minha, da da Elsa e
desta que estava ali pendurada, como por vezes eu sou distraído, distribuí
outras duas pelos vizinhos do prédio. A Dona Rosa que mora no andar de cima e o
Sr. Lopes do segundo andar. É gente que está quase sempre em casa porque já são
velhotes."
Chamados à presença de Garrett mostraram as
suas chaves e declararam, o Lopes ter saído pelas dez e ter estado sempre à
pesca na doca do Poço do Bispo, e a Dona Rosa ter ido, como era costume ao
domingo, à missa das onze à igreja da Penha de França, onde encontrou uma prima
que morava ali perto. Regressara havia pouco, acompanhada da prima em casa de
quem estivera. Vinham ambas encharcadas da chuva que não parara todo o dia. O
Lopes voltara pelas três horas, e a Elsa confirmou tê-los visto chegar. Ele
vinha na sua "arrastadeira" e até ia escorregando ao dar uma corrida
até à porta para não se molhar. E a rapariga, aproveitando uma oportunidade,
chamou de parte o Inspector e segredou-lhe: "Eu não sei se lhe deva dizer
isto, mas a verdade é que a Dona Rosa gostava muito da gata e mais do que uma
vez me disse que achava muito mal que a bicha passasse aqui tanto tempo só.
Talvez isto não queira dizer nada, mas o senhor lá sabe..."
A Dona Rosa por sua vez não teve qualquer
dúvida em dizer-lhe, também à parte: -"Este senhor que mora cá em cima não
é nada boa rês. Não podia ver a gata nem pintada porque já mais de uma vez o
arranhou. Não me espantava que a vontade dele fosse atirá-la ao rio."
-"Leonardo, quem é que pode ter roubado
a chave suplente?" -"Sei lá, a casa tem poucos clientes, mas ontem
até passaram por cá pessoas. Eu da Elsa desconfio sempre, mas para que é que
ela queria outra chave?"
Garrett já tinha uma forte desconfiança.
Qual seria?
A - A Elsa deve ter mentido.
B - O Sr. Lopes deve ter mentido.
C - A Dona Rosa deve ter mentido.
D - Não havendo quaisquer provas concretas,
é admissível que o roubo da 5.a chave possa ter sido obra de um cliente
desconhecido, para mais tarde poder entrar e roubar a Gioconda.
E pronto.
Resta aos
“detectives” escolherem a alínea que resolve este problema e fazerem chegar a
opção, impreterivelmente até ao próximo dia 20 de Agosto, usando um dos
seguintes meios:
- Pelos Correios para Luís Pessoa, Estrada Militar, 23, 2125-109
MARINHAIS;
- Por e-mail para um dos endereços:
- Por entrega em mão ao orientador da secção, onde quer que o
encontrem.
Boas férias, para quem as tiver e boas deduções!
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