INVESTIGAÇÃO À MORTE DO MARAVILHAS
O segundo capítulo das competições desta época vem do confrade
Inspector Boavida, um dos bons produtores com quem sempre contamos.
Atenção ao problema e ao modo como elaboram o relatório, que deve
conter todos os pormenores que suportam a solução do enigma proposto.
CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL – 2018
PROVA N.º 2 – PARTE I
“SMALUCO E A MORTE DE JORGE MARAVILHAS” – Original de INSPECTOR BOAVIDA
Smaluco acordou sobressaltado. Adormecera muito tarde e ainda não eram
sete horas da manhã quando o telefone tocou. Do outro lado, ouviu, em lágrimas,
o seu velho amigo Necas Baptista, considerado um dos mais completos e originais
artistas de variedades de todo o mundo, com grande projeção internacional nos
anos 1960/70, que vivia em união de facto desde esse tempo com o radialista
Jorge Maravilhas, numa altura em que a homossexualidade era apenas tolerada e
por muito poucos. A razão do telefonema de Necas e da sua voz embargada residia
na morte do seu companheiro de vida, que sucumbira durante a madrugada a um
tiro na cabeça, sentado à secretária do escritório da casa que ambos
partilhavam, desde há muito, num bairro chique da Lisboa moderna. O velho
detetive Smaluco aconselhou-o a não mexer rigorosamente em nada e dispôs-se a
satisfazer o seu pedido de ajuda, por se sentir muito abalado com a situação e
não se sentir com ânimo para tratar dos procedimentos que desde logo se
impunham.
De cara e dentes lavados, vestido com a mesma roupa da véspera, e
depois de ter engolido à pressa um café despertador, Smaluco pôs-se a caminho
de casa dos amigos, recordando mentalmente as grandes noites de glória de Necas
nos palcos de quase todo o mundo e a legião de admiradores conquistados por
Jorge, que seguiam a sua voz inconfundível nos postos emissores onde prestava
colaboração. Ambos haviam feito uma grande fortuna com as suas respetivas
carreiras profissionais, investindo parte dela nos mais diversos negócios,
desde a hotelaria à restauração, passando pelo imobiliário, invariavelmente com
grande sucesso. Nos últimos tempos, porém, com a crise financeira desencadeada
em 2007, a partir da queda do índice Dow Jones motivada pela concessão de
empréstimos hipotecários de alto risco, as economias do casal sofreram alguns
revezes ao ponto de ambos perderem cerca de metade do que haviam acumulado.
Para agravar a situação, Necas e Jorge não haviam resistido ao vício do
jogo que se tinha apoderado irremediavelmente deles, desde há cinco anos,
jogando na roleta e na banca francesa quase tudo o que lhes restava. As
discussões entre eles passaram a ser uma constante, acusando-se mutuamente da
responsabilidade pelo sucedido. Como se não bastasse esta terrível situação,
Jorge enamorou-se de um jovem cantor em princípio de carreira, o que devastou
Necas. Mas durou pouco aquele enamoramento. A ave canora bateu as asas com um
passarão da noite alfacinha, a contas com a justiça em diversos processos que
se arrastam pelos tribunais há décadas, e anda por aí por essa europa fora a
cantar para as comunidades lusas, tendo deixado o coitado do Jorge pelas ruas
da amargura. Antes, porém, de ter sido abandonado, o antigo radialista foi
vítima da falsificação de sua assinatura em diversas dividas contraídas e agora
reclamadas.
Quando chegou ao prédio dos seus dois amigos, Smaluco encontrou Necas à
porta da rua, muito agitado, andando de um lado para o outro, correndo ao seu
encontro logo que o avistou. Um abraço comovido, com algumas lágrimas à mistura
e palavras sentidas de condolências, antecederam a entrada de ambos no edifício
e a subida até ao segundo piso. De passos rápidos, sem perderem tempo com a
espera do elevador, galgaram os degraus das escadas dois a dois, como se fosse
ainda possível salvar a vida do amigo comum, e depressa alcançaram o escritório
onde jazia Jorge. Tombado na secretária, com a cabeça levemente caída sobre a
esquerda, via-se claramente, acima da orelha direita, uma ferida com os bordos
estrelados, apesar do muito sangue que encharcara o cabelo e escorrera até ao
tampo da secretária onde o seu braço direito estava poisado, perto de uma arma
e de um sobrescrito fechado e endereçado a Necas.
No chão do escritório, próximo da secretária, brilhava uma cápsula de
bala. Ao lado do corpo do infeliz homem da rádio, estava um velhinho e
imaculado gravador de cassetes, seu companheiro de todas as horas, com o qual
registava os instantâneos do dia-a-dia que faziam as delícias dos seus
ouvintes. Por instinto, Smaluco carregou na tecla “play” do gravador e logo se fez
ouvir a inconfundível voz de Jorge Maravilhas: “Desculpa-me, Necas. Tu não
merecias o que te tenho feito passar. Fui tão falso e ingrato contigo, que não
consigo suportar a dor do remorso que me consome a alma. Mais do que a raiva de
ter sido enganado por um ser vil que arruinou o que ainda restava daquilo que
construímos juntos, o que me mata é a mágoa do mal que te fiz. Desculpa, amor”.
A seguir, ouviu-se um estrondo. Smaluco ficou tão impressionado, que desligou
de imediato o gravador, ficando em silêncio enquanto os olhos marejavam.
Quando, a meio da tarde, relatou à sua amada Natália este
acontecimento, que terminou com um telefonema para a Judiciária, onde um
ex-colega e amigo se encarregou de todos os procedimentos que terminaram com a
declaração de óbito por suicídio e a libertação do corpo para funeral, ouviu da
boca desta um chorrilho de críticas que terminaram com uma frase arrasadora:
“Nunca mais tens emenda, meu amor. Se não estivesse aqui presa, ia já contigo
resolver aquilo que não ficou bem tratado”.
Em que se baseia Natália Vaz para proceder deste modo, caríssimos
leitores?
E pronto.
Resta aos nossos “detectives” fazerem as leituras que entenderem
necessárias e remeterem as suas propostas de solução, impreterivelmente até ao
próximo dia 31 de Março, para o que poderão usar um dos seguintes meios:
- Pelos Correios: Luís Pessoa, Estrada Militar, 23, 2125-109 MARINHAIS;
- Por entrega em mão ao coordenador da secção, onde quer que o
encontrem.
Boas deduções!
Sem comentários:
Enviar um comentário