terça-feira, 5 de maio de 2009

OPINIÃO

PRODUÇÕES, PRODUTORES E DECIFRADORES

Verificámos através de alguns dos comentários produzidos no blogue que há algum rigor excessivo quando falamos de produções e produtores.
Alguns confrades ficaram apreensivos com os danos que podem ser produzidos nos autores dos problemas, ao ponto de poderem abandonar essa sua faceta.
Entendemos que devemos dizer alguma coisa sobre o assunto e para isso aqui estamos, desde já apelando para uma ampla discussão deste e outros assuntos.

Ponto Prévio 1

O trabalho dos produtores será sempre respeitado na secção e no blogue, não devendo haver susceptibilidades feridas por qualquer crítica, mesmo que seja entendida como injusta.
Quando nos pronunciamos sobre a excelência de qualquer produção de natureza intelectual, há sempre diversas interpretações e leituras possíveis e temos que estar devidamente preparados para ouvirmos tudo aquilo que não gostaríamos de ouvir.
A franqueza nos comentários é sempre um factor positivo e assim deve ser entendido por todos.

Ponto Prévio 2

Ao contrário de muitas vozes, queremos reforçar que qualquer participante do nosso passatempo pode e deve pronunciar-se sobre TODOS os assuntos que nos digam respeito e por isso não aceitamos que alguém ataque ou contra-ataque na base de o seu opositor não ser produtor e por isso não ter direito a melhor opinião.
Para exercermos o direito à crítica não é necessário que sejamos capazes de fazer melhor. Se criticamos um político porque faz mal o seu trabalho, não precisamos de já ter estado na posição dele para avaliarmos o seu desempenho.
Da mesma forma, como utente de um problema policiário, que vamos tentar solucionar, não precisamos de saber fazer melhor para apontarmos os erros e falhas que nesse problema encontramos, na nossa óptica.
Portanto, as conclusões a que pretendemos chegar serão sempre um somatório de diferentes críticas e visões, vindas de produtores, solucionistas, simples leitores desinteressados da competição e não apenas de produtores actuais ou antigos.

Uma vez assentes estes pressupostos, entremos no assunto propriamente dito:

O PRODUTOR

É um elo principal do nosso passatempo. Sem produtores capazes de nos desafiarem em cada momento, nunca poderemos ter competição aliciante.
Todos os leitores podem ser produtores, bastando para isso que tenham um domínio capaz da língua portuguesa algum gosto pelo mundo policial e capacidade para contarem uma história que eles mesmos vão interromper no momento em que entenderem que estão fornecidos os elementos para que os outros confrades a terminem.
O produtor é “rei e senhor” da sua história, pode orientá-la para onde quiser e “fabricar” mundos e cenários - que podem ser irreais - desde que todos esses dados sejam transmitidos aos decifradores.
O que é obrigatório é que haja uma coerência de discurso, que todos os dados se articulem devidamente e estejam inequivocamente colocados no enunciado, ainda que de forma dissimulada.
Será sempre tarefa dos decifradores recriarem o ambiente em que se desenvolve a acção e agirem em conformidade.
Em resumo, a importância do produtor é tal que podemos considerá-lo o verdadeiro “dono” do problema, com todas as implicações que esse conceito pode ter, também de propriedade.
Se um autor nos propuser um mundo ao contrário, em que a força da gravidade é inversa, em que a cabeça está nos pés, o dever do decifrador é aceitar esses elementos como concretos e não os poderá questionar à luz dos conhecimentos adquiridos no exterior desse mundo que lhe é proposto.
O que cabe ao produtor é explicar no concreto que mundo nos está a apresentar, em que as regras e leis da física, por exemplo, não se aplicam no todo ou na parte. Fazendo passar a acção dentro de uma nave espacial, por exemplo. Ou em que as cores não são as que conhecemos, o céu pode ser amarelo, a relva vermelha, o mar cor-de-rosa, etc.., não podendo o decifrador basear a sua solução na contradição da coloração. Se o autor assim construiu o seu mundo, assim é esse mundo.

Mas atenção: Falamos do problema, do mundo que aí é desenvolvido e não da resolução do problema, porque essa já não tem proprietário, não tem dono, não tem rei nem senhor, mas sim tantos quantos os respondentes!
Este conceito é, para nós, a base essencial do processo de criação de enigmas policiários, como iremos ver no capítulo seguinte.


A PRODUÇÃO

Tratando-se da obra de criação de um produtor, é ela a base do nosso passatempo.
Não tem, obrigatoriamente, regras definidas nem conceitos rígidos. Um conto de índole policial, em que a narrativa é interrompida pelo seu autor para abrir o espaço necessário à interpretação e análise dos elementos fornecidos, com vista à resolução do enigma, eis, no essencial, um problema policial.
O autor, como referimos, é dono e senhor da narrativa, coloca as personagens onde melhor servem os seus interesses, cria o ambiente onde se desenrola a acção, inventa, se assim quiser, situações.
Mas está refém da obrigatoriedade de fornecer esses dados essenciais aos decifradores.

Ao invés, se as acções se passam no nosso “mundo real”, o autor está dispensado do dever de descrição aprofundada e completa do ambiente onde se desenrola a acção.
Queremos dizer com isto que se o produtor refere que a cena se passa em Lisboa, em lugar público e conhecido, no Outono, não precisa de caracterizar a cidade ou referir os sinais outonais, porque é tarefa dos decifradores buscarem essa informação.
Mas se a acção se passa numa cidade algures no mundo, ou em local particular e não reconhecido pelo senso comum, aí o produtor tem que fornecer a descrição pormenorizada que possa conduzir o decifrador até ao ponto que o produtor pretende que ele atinja.
Daí que digamos que um caso policial não tem que ser real, não tem que ser verificável à luz dos nossos conhecimentos anteriores, mas também pode ser assim. Essa escolha não é dos decifradores, mas sim dos produtores.



O DECIFRADOR

É o elo primordial da problemística policiária. É ele o verdadeiro detective que vai decifrar os casos e lutar contra os criminosos. É para ele que se produzem os desafios, em última análise.
Tal como na vida real, da sua capacidade vai depender o sucesso da luta contra o crime. Vai estar perante cenas que os produtores lhe vão colocar e vai sair-se delas em conformidade com as suas reais capacidades.
É ele o rei e senhor da decifração, é ele o dono da solução.
Nesta fase, o produtor já não tem intervenção. A sua tarefa terminou no momento em que colocou o desafio, em que descreveu capazmente a situação e resta-lhe sair de cena.
Se a produção está bem elaborada, se apenas permite uma solução válida, o grande teste vai ser resistir às inúmeras abordagens a que todos os decifradores a vão sujeitar.
O trabalho solitário do produtor vai ser agora testado até ao limite por centenas ou milhares de decifradores.
Aqui começa, cremos, uma das maiores polémicas do policiário, como vamos ver a seguir.



PRODUTOR / PRODUÇÃO

É voz corrente que uma boa produção é aquela que assenta num bom desafio e numa boa solução.
Há produtores crucificados por a sua solução ser pobre face ao desafio produzido.
Pois bem, na nossa opinião, essas críticas carecem de sentido.
Como já deixámos dito, a tarefa do produtor termina com a feitura do problema, com a proposição do enigma à consideração dos seus potenciais decifradores.
Queremos com isto dizer que um bom produtor e um bom problema apenas o são na medida em que estimulem e consigam pôr todos os seus potenciais leitores em busca das respostas.
A solução do produtor não vai concorrer com as dos decifradores pois isso seria a passagem de um atestado de incompetência a estes.
Mas uma “fraca” solução do produtor não poderá nunca colocar em causa a qualidade da produção, nem merecer a sua penalização por parte dos leitores.
Cada um tem a sua função.
Numa investigação, a proposição de uma teoria é um facto relevante, que vai ter que ser provada por equipas de investigadores. Se estas, trabalhando em separado chegam sempre à mesma conclusão, é sinal evidente que a proposição está certa e deu azo a que, por diversas vias e seguindo metodologias diversas, o resultado fosse SEMPRE o mesmo.
Se um problema resiste a TODAS as investidas dos decifradores que seguindo caminhos e mais caminhos chegam sempre ao mesmo local, então estamos perante um EXCELENTE problema, mesmo que o seu autor o tivesse decifrado de forma primária ou mesmo INCORRECTA!

Imaginemos um excelente problema, bem escrito, bem desenhado, solucionado pelo seu autor. Ao ser proposto, origina dezenas de soluções excelentes, todas no mesmo sentido e chegando ao mesmo resultado, mas diferente daquele a que o autor chegou!
Primeira reacção: O problema é MAU!
A nossa reacção: O problema é EXCELENTE!

Excelente porque originou um leque de boas soluções, todas a chegar ao mesmo resultado, logo, o problema é bom, está certo!
O que está mal é a solução que o autor lhe dá!
Mas esse já não é o seu trabalho! A sua missão ficou lá atrás, no momento em que conseguiu produzir um magnífico desafio cuja solução ultrapassou a sua expectativa inicial.
Esse produtor, se estivesse a concorrer apenas como solucionista seria penalizado!

Por isso dizemos, a produção aos produtores; a solução aos decifradores!
Do conjunto das duas partes, teremos desafios perfeitos!

Continuamos a pensar que um produtor é quase sempre injustiçado pelas pessoas que têm que se debruçar sobre esses desafios, sobretudo quando não conseguem atingir a totalidade da pontuação em jogo, mas gostaríamos de poder sentir que, com estas ideias, fosse possível alargar um pouco os horizontes e o modo de ver e classificar as produções e os produtores.

lp
2009.05.05

7 comentários:

Anónimo disse...

Curioso, não tinha pensado desta forma. Sempre achei que um problema e a sua resposta deviam ser avaliadas em conjunto...
Tenho de pensar melhor.

I Alegria

Anónimo disse...

Diz o Luís Pessoa:
"Excelente porque originou um leque de boas soluções, todas a chegar ao mesmo resultado, logo, o problema é bom, está certo!
O que está mal é a solução que o autor lhe dá!
Mas esse já não é o seu trabalho! A sua missão ficou lá atrás, no momento em que conseguiu produzir um magnífico desafio cuja solução ultrapassou, como é natural, de resto, a sua expectativa inicial.
Esse produtor, se estivesse a concorrer apenas como solucionista seria penalizado!"
Quer dizer que o Luís Pessoa defende que os autores devem perder pontos nos seus problemas?

Deco

Anónimo disse...

Bem visto.
Não sei se concordo completamente, vem contra o que sempre pensei.

Martelada

Anónimo disse...

Mesmo tratando-se de um conto que é interrompido, tem de ter um fim e esse tem de ser dado pelo autor, ou não?
Não entendo muito bem, fiquei um bocado confuso. Um problema é bom quando é como?

ABCroco

Anónimo disse...

Apliquei esta maneira de ver à classificação dos problemas do ano passado e cheguei à conclusão que não votava igual! Dei muitos pontos pelas soluções e menos pelos problemas. Não votava igual não.

Zé Vilela

Anónimo disse...

O trabalho apresentado pelo Luis Pessoa está excelente e em momento algum se pode atribuir-lhe a opinião de que o autor de um problema deve ser penalisado se a sua solução não for boa.
O que eu li foi o seguinte:
Se um autor estivesse concorrendo apenas como solucionista, não como autor, e apresentasse uma solução igual à que apresenta enquanto autor certameente que seria penalizado.
De há muito que está estabelecido que o autor deve ser sempre classificado com a nota máxima.
Quanto à questão posta pelo Pessoa de que um problema pode ser bom ainda que a solução seja fraca eu não lhe vou tirar a razão até porquee muitas vezes antes de conhecermos a solução nós o achamos bom. A solução é que nos faz mudar de opinião e eu, enquanto me for dado o direito de classificar uma produção vou ter sempre em conta o conjunto da obras ou seja: Enunciado, solução.
Eu sei por experiência própria que ao autor é dado muito pouco espaço para esplanar a sua solução e nestas circunstâncias está muito limitado na sua capacidade de fazer uma boa solução.

Rip Kirby

Paulo disse...

O que dever ser classificado? A produção ou o produtor?
Se o problema estiver só com uma chave possível, mas o autor tiver errado, poderá considerar-se que fez um bom problema?
Não. O autor pensou o problema mal e imaginou uma chave que não ser aplicada, apesar o de o problema vir apenas a ter uma solução. Fez afinal um bom problema por mero acaso. Ele queria fazer algo diferente. Deverá então ser bem classificado como produtor? A minha resposta é não.
Ficou um problema bem feito, mas não por o autor ter feito algo por isso. "Por acso siu bem!"
Como dever ser então classificado este autor? Classifica-se o problema e não se atribui o prémio ao autor?
Não se pode desligar o problema da solução que o autor estabelece, ou poderemos cair nesta situação que me parece um pouco absurda.