domingo, 24 de maio de 2009

POESIADECLÁUDIA



SETE SAIAS DE MARFIM

Mulheres alumiam-se saltando as válvulas dos quartos
Nos lagos
Cornucópias roxas demorando-se na espuma
Desarrumam-se os olhos
Para comprar as escarpas verdes do vento
Cadeiras adormecendo
Artesões pintando esplanadas de espuma
Elas corriam pelas ruas
Com os jornais metidos na voz
E o cetim dos ombros derramando-se pelas estátuas
Eram breves
Pálidas
Afastando as luas
Para colherem o bronze das nuvens
Tinham a barriga escavada pelas ondas
E os dedos recortados
Sobre uma inocência de veludo
Retocavam as queimaduras dos relógios
Penteavam as ramagens de porcelana
Segurando lamparinas
Caminhavam
Desprendendo lágrimas de verdete
Sobre traves compridas
Com sete saias de marfim respirando a brisa
As casas envelheciam
E elas reconstruíam-se nos charcos de esferovite
Pulsando a beleza acrílica das canoas

Cláudia Borges
in malmequeres os lábios molhados


EMBARCO AMANHÃ NO GUINDASTE DE UVAS

Escadotes de mentol perfumando a língua
Doem-me os átomos viajando em cubos de âmbar
Escorrem melancias telecomandadas
Molho os dedos na trovoada
Antes que os príncipes trabalhem nas pestanas
Metáforas cortando aquários incompletos
E os fetos bailando sobre hospitais suspensos
Solto holofotes na confusão de papoilas
Chávenas abraçando limões
E quadros desfeitos sobre o potássio dos ananases
Rádios de pimenta
Dobrando sapatos de orvalho
Enquanto os tectos mortos
Consertam raízes

Reinvento pontes costuradas
Malas desfeitas
E confunde-se o vagão azul
Com a rouquidão curva dos violoncelos
Encharco assobios
Pois eu quero beijar o malabarismo dos peixes
E atirar-me sobre escorregas de amêndoa
Embarco amanhã no guindaste de uvas

Cláudia Borges

in Malmequeres os lábios molhados

XVI

sou dos telhados de musgo
onde os gatos espreitam os sóis
as ilhas desenham batom nos vértices
e sereias emergem com os lábios de ferrugem
esse roxo silêncio
desprendendo as bandoletes
enquanto eu danço
sobre os corpos verdes
já não tenho as pernas cosidas aos girassóis
e plano sobre palácios de fibra
até me esbater na tela cromática
pinta-me
com arbustos desfiando-me os cabelos
e a textura de duas bocas secas
apertando-me as saias de marfim
estou deitada na cintura dos pesadelos
vertendo conchas no semblante
reata-me a carne
pois tenho um pedaço de mar aberto
a soluçar-me no pescoço

in Borges, Cláudia (2007), malmequeres os lábios molhados


10 comentários:

luis pessoa disse...

Daniel Falcão disse...
Partilho a surpresa do Luís Pessoa, ao tomar conhecimento que uma jovem com tamanho percurso literário (só 17 anos!?...), não tenha recebido a merecida atenção por parte das entidades locais envolvidas no convívio.

Estou certo que, tivesse a Tertúlia Policiária da Liberdade conhecimento do que esta jovem já representa para a cultura literária de Cabanas de Viriato, algumas palavras de incentivo e agradecimento lhe seriam dirigidas.

Eu próprio me penitencio de, querendo registar fotograficamente vários momentos do convívio, ter desperdiçado a oportunidade e não ter dedicado mais atenção a esta jovem.

Parabéns e obrigado Cláudia Borges. O futuro pertence-te.

Daniel Falcão

24 de Maio de 2009 12:55


Anónimo disse...
Estou espantado!
Não percebo muito de poesia mas não sabia que em Cabanas de Viriato há uma moça com um curriculo cultural destes! Vi no jornal na reportagem do confrade Nove que não passou ignorada no convívio apesar dos locais a ignorarem. Muito bem TPL. Obrigado Luís Pessoa por nos mostrar essa pérola

Deco

24 de Maio de 2009 13:31


Anónimo disse...
Que curriculum espantoso o desta jovem. Espero que a TPL convide a Cláudia para um sarau poético com policiário pelo meio, em Cabanas ou em Lisboa.

Martelada

24 de Maio de 2009 14:08

luis pessoa disse...

Repetimos, acima, os comentários que foram deixados em outra mensagem, sobre o mesmo tema: CLÁUDIA BORGES.

Anónimo disse...

"estou deitada na cintura dos pesadelos
vertendo conchas no semblante
reata-me a carne
pois tenho um pedaço de mar aberto
a soluçar-me no pescoço"

Aos 17 anos há uma profundidade fora do vulgar nestas e outras palavras.
Esta moça rspira poesia e mostra domínio da palavra.
O mais difícil vai ser encontrar os seus livros à venda. Uma grande surpresa em Cabanas.
Atrevo-me a dizer que queremos mais sobre esta jovem. Ela que nos venha dizer coisas e escrever-nos coisas.
Para o Luís Pessoa o meu obrigado por esta "descoberta" e para as forças ditas vivas de Cabanas, não lhes ficava nada mal um pouco de humildade e dar a esta menina todo o apoio que pudessem para a sua projecção, que era também de Cabanas e da Beira, ou não?
Segue em frente Cláudia, qe sempre há-de haver pessoas como as do policiário com mentes abertas e espíritos livres para dar as asas a todos os jovens criadores.

Mimi (Beja)

Anónimo disse...

Eu conheci esta jovem no encontro da manhã, trazida pela Paula...
Tímida ... guarda a sua força para uma poesia que brota, às vezes sofrida!!! Belíssimas imagens, metáforas que se sente sairem de dentro como chegam ao papel, de quem , longe dos grandes centros, só tem a rede global para se dar a aconhecer melhor.
Força, poeta. O isolamento não vence o génio!!!
Vou lê-la muito mais vezes, agora que lhe apanhei as coordenadas!
Zé-Viseu

Anónimo disse...

As palavras do Zé-Viseu dizem tudo. Ele foi professor de português durante anos e integrou o juri do concurso de contos. Se ele o diz, quem pode negar? Força Cláudia! Agora tens um mundo de admiradores aqui no policiário e o Luís Pessoa não vai deixar de publicar notícias e apresentar-te até na tua terra onde parece que nunca te viram.
Deixa lá. Um poeta não precisa do reconhecimento dos que têm poder, mas sim daqueles a quem a poesia faz muita falta.

Didier

Anónimo disse...

Luís Pessoa afirmou hoje no Público, a propósito e na sequência do V Convívio da TPL, que a poeta Cláudia Borges, de Cabanas de Viriato, "curiosamente, foi quase ignorada por quem a devia reconhecer".
Mas não disse quem é que a devia reconhecer e quase a ignorou, assim como não apresentou razões para sustentar a acusação que proferiu.
Falta alguma coisa importante.
Luís Pessoa, por favor, explique-se.
Nove

luis pessoa disse...

Penso que o texto diz tudo e não precisa de mais explicações, como de resto todos os comentários indicam.
O último parágrafo e sobretudo as derradeiras palavras "...levando a todo o lado o nome da sua terra e região", então, diz tudo sobre o que se (não) passou.
O comportamento da TPL foi exemplar e a reportagem do NOVE dá bem conta disso.

Anónimo disse...

Caro Luís Pessoa, acho que não se explicou.
Não disse quem é que a devia reconhecer Cláudia Borges e quase a ignorou, assim como não apresentou razões para sustentar a acusação que proferiu.
Continua a faltar qualquer coisa importante naquilo que ficou escrito no jornal.
Nove

Anónimo disse...

Meu caro Daniel:
Eu penso que foi uma surpresa total o aparecimento da Cláudia no convívio. Ninguém contaria...
Com um programa tão cheio como o que tivemos, não sei se seria o local exacto.
Isto leva-nos a uma questão - poderão/deverão os convívios que se realizem em determinados locais serem enquadrados por uma pequena mostra das potencialidades culturais, do artesanato desses locais? Uma apresentação dos seus embaixadores?
Não será a Cláudia mais conhecida fora da sua terra do que lá? Às vezes, acontece...
Não tenho elementos para ir mais longe nem quero polemizar. Não sei, realmente, como as coisas se passaram.
Quero, porém, agradecer a belíssima ajuda das autoridades locais neste convívio. Ele só foi possível por esse excepcional apoio. E não citar isto seria uma ingratidão a quem nos recebeu de braços abertos e criou as condições para que ele se realizasse...
Divulguemos a poesia , forte, da Cláudia. Mas não esqueçamos que a casa de Aristides está a cair. É uma vergonha (devia ser!) para quem a deixa estar assim. E os principais culpados até nem serão (tanto quanto julgo saber) as autoridades municipais. Não se pode mexer onde não deixam mexer!
É preciso que esta mensagem seja difundida e a corrente engrosse!
É urgente fazer qualquer coisa, ontem!!! Aquilo está a cair a qualquer momento!!!
Oxalá voltemos a Cabanas, para o ano, ver as obras na casa de Aristides, ouvir a poesia de Cláudia e ver obras de outros jovens criadores, ver as peças de artesanato da região e o teatro que por lá se faz!
Sempre que um homem sonha...
Zé-Viseu

Anónimo disse...

Desde já agradeço a atenciosidade do posts e dos comentários. E em particular, agradeço ao Sr. Luís Pessoa pela publicação de alguns dos meus poemas e do meu currículo.
Foi um grande prazer estar no vosso convívio...

um grande beijo

Cláudia Borges