sábado, 22 de janeiro de 2011

JARTURICES - SECÇÃO DE M. CONSTANTINO

Como referimos, a natureza dos ficheiros enviados pelo confrade JARTUR não são compatíveis com os usados no blogue, razão pela qual é exigido um longo e moroso trabalho de harmonização, que muitas vezes, com os poucos recursos de que dispomos, também de tempo, não nos permite apresentarmos um trabalho com a qualidade do que o JARTUR apresenta.
Do facto, pedimos desculpa, mas não queremos privar os confrades de mais esta informação.
De qualquer forma, os ficheiros completos poderão ser solicitados ao confrade Jartur, ou ao blogue, que teremos todo o prazer em os enviar por e-mail.

ARQUIVO HISTÓRICO DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA

É O LEITOR UM BOM DETECTIVE?
Secção policial orientada por: M. CONSTANTINO

Março de 1948 / Dezembro de 1949

Compilação de: Jartur Mamede

Em Junho de 1947, com um formato A5, apareceu no mercado a revista ALTURA, sub titulada “A IMPRENSA MUNDIAL EM POUCAS PÁGINAS”.

Era publicada pelas Edições Altura, do Porto, e esse primeiro exemplar trazia a referência: 1.º Volume – n.º 1.

Tinha periodicidade mensal, e ao longo das suas cerca de 60 páginas, como no cabeçalho se assumia, versava diversos artigos e assuntos culturais, científicos e técnicos, instrutivos e curiosos, não faltando as páginas de cinema, humor, passatempos e exercícios mentais.

# 1 - No seu número 10, em Março de 1948, o âmbito dos exercícios raciocinativos foi ampliado e enriquecido, já que surgiu, no alto duma página, o seguinte título, discreto, em letra pequenina:

É o leitor um bom detective?

E logo a baixo, sem preâmbulos, em letra mais destacada…

O SUICÍDIO É INEVITÁVEL!
PROBLEMA POLICIAL



Após o texto do problema policial e o habitual questionário, indicava-se que ali havia colaboração de CONSTANTINO – Almeirim, e que a solução se encontraria em outra página da revista.



Nos dois números seguintes, consecutivamente, publicaram-se os problemas:

# 2 Abril; n.º 11 – O COLAR DESAPARECIDO



# 3 Maio; n.º 12 - O CAVALO ASSASSINO

Em ambos os casos, as soluções, em posição invertida, acompanhavam os problemas, sem outras quaisquer observações.

A secção não foi publicada no mês de Junho, ou seja, no n.º 13 da revista.



# 4 Em Julho, porém, no n.º 14, a secção ressurgiu com novas roupagens. Apresentava um cabeçalho com o título “Concurso do PROBLEMA POLICIAL”, e, ao lado, uma caricatura que nos parece ter sido inspirada no busto do orientador da secção: M. CONSTANTINO.

Apareceu, também, um texto de abertura, neste caso informando que ali se iniciava “o tão solicitado concurso, que constará de SEIS problemas, dos quais o último será publicado no número de Dezembro”. E com simplicidade, em meia dúzia de frases, expunham-se as normas do concurso, para produção e decifração, e a respectiva lista de prémios.

Divulgava-se a seguir o problema policial “A MALA DESAPARECIDA”, que se estenderia por uma segunda página. Pela primeira vez, a secção excedia o espaço de uma página.



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# 5 Em Agosto, (ALTURA n.º 15), repetia-se quase na íntegra, o texto inicial, informativo, da secção anterior. E desta vez em três páginas, além do problema “O CASO CURRY”, divulgava-se a solução do problema anterior, A MALA DESAPARECIDA, bem como o rol dos acertantes, onde apareciam alguns nomes nossos conhecidos, como sejam o M. B. Constantino, e o saudoso SETE DE ESPADAS.



# 6 No mês de Setembro, (ALTURA n.º 16), uma pequena nota de entrada sobre o “Concurso do PROBLEMA POLICIAL, chamava a atenção para o 3.º problema do certame, “TRÊS ARMAS DISPARARAM…”, da autoria do concorrente SETE DE ESPADAS.



# 7 Em Outubro, (ALTURA n.º 17), apenas encontrámos a informação de que por motivos de força maior, não se publicava a secção com o 4º problema do concurso, e a solução do anterior.



# 8 Mas em Novembro, (ALTURA n.º 18), apareceu na página 51, sem qualquer observação ou título, o 4.º problema. Vamos nós titulá-lo «A MORTE DE EMMA GILMAN», que a curta narrativa, apenas uma dúzia de linhas, nos sugere. Logo abaixo, a designação dos “Concorrentes classificados na solução de «Três armas dispararam…»

Completava a página, extra secção, um anúncio publicitário sobre o romance policial “ALIBI” QUASE PERFEITO, da «Série policial» de EDIÇÕES ALTURA.

A página 52, estava totalmente ocupada com a solução que o SETE DE ESPADAS redigira para o seu problema «TRÊS ARMAS DISPARARAM…», que incluía um esquema por ele desenhado.



# 9 No n.º 19 de ALTURA, em Dezembro, NATAL DE 1948, já sem necessidade do intróito que aparecera nos números anteriores, publicou-se o 5.º problema, “O ESTRANHO CASO DE FRITZ YULE”, por Jim Mc Roy, que ocupou por inteiro as três páginas da secção. Isso motivou um pedido de desculpas, por não se poder publicar a solução do problema n.º 4 e as respectivas classificações.



# 10 O ano de 1949, iniciado com a ALTURA n.º 20, referente a Janeiro, começou com a publicação, sem quaisquer notas e sem título, do Problema Policial n.º 6, que começava assim: Numa tarde de verão,… A propósito, é isso que lhe vamos dar por título: «NUMA TARDE DE VERÃO». Nas duas páginas seguintes, divulgavam-se as soluções dos 4.º e 5.º problemas, e as soluções respectivas.



# 11 No n.º 21 da revista ALTURA, com data de Fevereiro/Março – 1949, sob o cabeçalho:



Concurso do Problema Policial, havia o seguinte texto elucidativo:

Ora bem leitores amigos. Terminou o nosso primeiro Concurso e vamos já dar início ao segundo. Até agora, fosteis vós os argutos detectives que, na peugada de Sherlock Holmes, vão ganhando fama e glória… Mas talvez desejeis agora pôr à prova as vossas qualidades de imaginação e argúcia tentando outra modalidade.

Vamos inverter os papéis? É bem simples: em cada número de ALTURA publicaremos a solução de um problema policial; fica à vossa argúcia e imaginação o construir o próprio problema, de modo que a solução esteja certa. Os dados dos «vossos» problemas devem ser descritos da forma mais clara possível. Embora não querendo arrogar-nos o exclusivo da originalidade, atrevemo-nos a apontar os problemas que expusemos nos últimos números, e que vos podem servir de exemplo.

À tarefa, pois, grandes detectives, que isto pode ser o começo de uma bela carreira de escritores policiais. Mas não se esqueçam que o segredo do êxito está em dizer muito com poucas palavras…

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Este segundo Concurso constará de SEIS problemas. Em cada número se publicará o problema que melhor “encaixar” a solução publicada no número anterior, problema que será o primeiro classificado – com 10 pontos. Os restantes problemas que forem classificados, sê-lo-ão conforme o seu mérito, pela escala de valores de 1 a 9.



Fechava a página, que era a 63, a solução do problema n.º 6 do 1.º CONCURSO.

Voltada a folha, na página 64, numa “caixa” rectangular, apresentava-se a solução mote, proposta para a elaboração dum enigma para o CONCURSO DO PROBLEMA POLICIAL, conforme as instruções fornecidas.

Essa solução e as que se lhe seguiram, serão adiante divulgadas, na sequência de todos os problemas e soluções que no final deste caderno transcreveremos.



# 12 A secção do n.º 22, de Abril de 1949, tinha a primeira página preenchida pelas notas informativas sobre o novo Concurso, repetindo, mais ou menos, as instruções do número anterior. E, na página seguinte, era o FIM DO PRIMEIRO CONCURSO. Trazia a classificação dos concorrentes no 6.º e último problema, e a listagem da Classificação Geral.

Vinha, a seguir, a SEGUNDA SOLUÇÃO, proposta para a elaboração dum novo problema para o certame em curso.



# 13 Em Maio, a ALTURA n.º 23 publicava mais uma «SEGUNDA SOLUÇÃO», que não era a SEGUNDA, mas sim a TERCEIRA SOLUÇÃO, como mais tarde veríamos ser corrigido.

Também se dava, nessa secção, notícia dos prémios disponíveis para os classificados deste Torneio.



# 14 No mês seguinte, Junho, o n.º 24, numa curta nota, chamava a atenção para os números 22 e 23, onde se publicaram as condições do novo Concurso.

E com simplicidade, propunha-se uma «TERCEIRA SOLUÇÃO», que afinal não era a TERCEIRA, era a QUARTA SOLUÇÃO, como no mês seguinte viria a ser esclarecido.



# 15 Em Julho de 1949, editava-se a revista ALTURA n.º 25, e a secção abria com o esclarecimento de que, por lapso, se havia indicado erradamente, a ordem das soluções ultimamente publicadas, e que passariam a designar-se, como nós já corrigimos, mas vamos repetir, textualmente:

Fevereiro/Março . . . . . PRIMEIRA SOLUÇÃO

Abril . . . . . . . . SEGUNDA SOLUÇÃO

Maio . . . . . . . . TERCEIRA SOLUÇÃO

Junho . . . . . . . . QUARTA SOLUÇÃO



Abaixo, inseria-se uma QUINTA SOLUÇÃO, proposta para a criação de um novo problema.



Nada mais se publicava… E desta forma, talvez inesperada para quem não acompanhasse mês a mês o sumário da revista, a secção acabou… tal como começara. Sem anúncio prévio.

Mas a revista, também não teve melhor sorte.

Terminou a sua publicação, com o número 28, em Outubro de 1949.



Assim, aqui damos por terminado o historial da secção, mas vamos concluir o processo, com a transcrição de todos os problemas publicados, e as soluções que tiverem sido divulgadas.

JARTUR







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Compilação de: “Jartur”

João Artur Mamede

Março de 1948 / Dezembro de 1949





SEGUNDA PARTE - PROBLEMAS E SOLUÇÕES









P R O B L E M A S D E I N I C I A Ç Ã O

REV. Nº DATA PROB. TÍTULO AUTOR

10 Março.1948 O SUICÍDIO É INEVITÁVEL M. CONSTANTINO

11 Abril.1948 O COLAR DESAPARECIDO Adaptação de original estrangeiro

12 Maio.1948 O CAVALO ASSASSINO Adaptação de original estrangeiro







CONCURSO DO PROBLEMA POLICIAL

REV. Nº DATA PROB. TÍTULO AUTOR

14 Julho.1948 1 A MALA DESAPARECIDA M. CONSTANTINO

15 Agosto.1948 2 O CASO CURRY Adaptação de original estrangeiro

16 Setembro.1948 3 TRÊS ARMAS DISPARARAM SETE DE ESPADAS

18 Novembro. 1948 4 “A MORTE DE EMMA GILMAM” Adaptação de original estrangeiro

19 Dezembro. 1948 5 O ESTRANHO CASO DE FRITZ YULE Jim Mc Roy

20 Janeiro. 1949 6 “NUMA TARDE DE VERÃO…” Adaptação de original estrangeiro





SEGUNDO CONCURSO DO PROBLEMA POLICIAL

REV. Nº DATA PROB. TÍTULO AUTOR

21 Fev/Março.1949 1 PRIMEIRA SOLUÇÃO PROPOSTA M. CONSTANTINO

22 Abril.1949 2 SEGUNDA SOLUÇÃO PROPOSTA M. CONSTANTINO

23 Maio.1949 3 TERCEIRA SOLUÇÃO PROPOSTA M. CONSTANTINO

24 Junho. 1949 4 QUARTA SOLUÇÃO PROPOSTA M. CONSTANTINO

25 Julho. 1949 5 QUINTA SOLUÇÃO PROPOSTA M. CONSTANTINO













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PROBLEMAS DE INICIAÇÃO

O SUICÍDIO É INEVITÁVEL!

Problema policial original de: CONSTANTINO



Publicado em:

É o leitor um bom detective?

ALTURA n.º 10 – Março.1948





No silêncio do quarto, o inspector Cláudio acendeu o «Camel» preso no canto dos lábios, baixou-se para examinar o rosto do morto, e voltando-se para os dois homens que o olhavam impassíveis, inquiriu:

- Ninguém tocou em nada?

- Nada, responderam imediatamente.

- Conte-nos então, Mick, o que se passou – volveu, dirigindo-se ao mais alto dos homens. Era este também o mais velho; tinha grisalhos os cabelos, a fronte alta, os olhos dum azul quase pardo. Duros e manhosos.

O visado respondeu:

- Voltava duma viagem de negócios; nada mais natural que quisesse visitar o meu sócio, foi nessa qualidade que aqui vim. Quando entrava, Leonard contou-me o sucedido e nem mesmo entrei, voltei atrás e encontrámo-lo a você à porta. Sim, cheguei aqui às 13 horas; são como sabe 3 e 20 – terminou olhando o relógio.

O inspector puxou do isqueiro para acender o cigarro que se apagara e olhava ora para Mick, ora para o morto. Este último devia ser mais novo que aquele. Está tombado, de bruços sobre o cano do gás com a cara quase encostada ao mesmo. A morte naquelas condições, não demorara muito; as janelas calafetadas, o quarto pequeníssimo, o cano com pelo menos 3cm de diâmetro.

Leonard também apresentava o seu álibi: saíra cedo para levantar uns dinheiros, almoçou fora e entrou em casa quase às 13 horas. Nem teve tempo de Fazer qualquer coisa. Foi direito ao quarto e, verificando a morte do amigo com quem vivia em comum, saíu correndo, e quase bateu com Mick que chegava naquele momento.

Para o inspector Cláudio, era mais que certo estar o caso resolvido, e assim, chamados os polícias da Scotland, o cadáver foi fotografado em todos os sentidos. Contudo, ao removerem-no tiveram uma grande surpresa: debaixo do corpo estava um papel com as letras fatídicas – o suicídio é inevitável.

Souberam mais tarde que fora inegavelmente escrito pelo morto, mas caso curioso, não tinha impressões digitais.

No entanto, todos eram unânimes em afirmar que houvera…



1 ) – Crime ou suicídio? Porquê?

2 ) – Deve prender-se alguém? Porquê?











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Solução de: O SUICÍDIO É INEVITÁVEL!

(Que abaixo se publicava)



1 ) – Crime. A afirmação dos dois homens de não terem tocado em nada é falsa, visto que acendendo o inspector Cláudio um cigarro, próximo do cano do gás com o pequeníssimo quarto calafetado, natural era que o gás explodisse; não aconteceu isso, porém, porque a torneira estava fechada, como logicamente se deduz.

2 ) – Prenderam Leonard, pois que havendo crime havia assassino e neste caso só poderia ter sido Leonard, pois que Mick nem chegou a entrar no quarto.

Dúvida sobre o papel deixado? Sim. Mas quando se tem a intenção de matar aproveitam-se todos os meios capazes de dar aparência de suicídio.





PROBLEMAS DE INICIAÇÃO

O COLAR DESAPARECIDO

Problema policial adaptado do estrangeiro



Publicado em:

É o leitor um bom detective?

ALTURA n.º 11 – Abril.1948





O colar tinha sido roubado.

Todas as precauções adoptadas não tinham evitado que desaparecesse a famosa jóia, o Colar dos Três Rubins, considerada única e avaliada em cinco mil contos.

Um verdadeiro exército de polícias tinha cercado a famosa propriedade onde a jóia era exibida naquela noite, durante uma festa em honra da futura dona da casa, que ia casar brevemente com o proprietário.

A vigilância tinha sido severíssima, a ponto de se ter criado uma zona em volta do quarto onde estava guardada a jóia, zona pela qual só podiam passar as poucas pessoas que conheciam a senha e contra-senha dadas pela polícia. Mas apesar disto o colar desapareceu.

O inspector-chefe interrogou os agentes encarregados de vigiar a zona, mas não obteve qualquer elemento esclarecedor.

Por exemplo: o polícia que guardava o corredor do lado Este fez saber que meia hora antes a lâmpada que iluminava o dito corredor se havia fundido. Mal fez este descobrimento, dirigiu-se à porta de comunicação com o resto da casa para verificar o que acontecera e, ao regressar ao seu posto, encontrou alguém cujo rosto não conseguiu ver em virtude da completa escuridão, mas que deixou passar por lhe ter dado a contra-senha.

Por sua vez, o guarda que vigiava a porta de serviço comunicou que, justamente naquela meia hora que o colar devia ser guardado, tinha surpreendido o mordomo a sair furtivamente pela referida porta, o que estava, durante aquele tempo, rigorosamente proibido.

Por último, o agente que rondava o lado Oeste, indicou que, na hora em questão, tinha visto o sobrinho do proprietário saltar pela varanda.



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Todas estas investigações foram feitas em sigilo absoluto, de acordo com o dono da casa, o único a quem a polícia pôs ao facto do roubo, mas sem lhe indicar qualquer pormenor. Este ordenou taxativamente que fossem interrogados os dois suspeitos, isoladamente, na sua presença. Proibiu, contudo, que se alarmassem os restantes convidados, fosse a que pretexto fosse.

As primeiras averiguações fizeram saber ao inspector que a lâmpada do corredor havia sido propositadamente fundida. Interrogado o mordomo sobre a sua saída, justificou-a dizendo que saíra por ter absoluta necessidade de se avistar com um amigo que partia naquela noite para o estrangeiro.

- Ainda que isso não iliba o mordomo – disse o dono da casa – lembro-lhe, inspector, que ele não pode ser directamente o culpado, uma vez que para chegar perto do colar tinha que conhecer a senha e a contra-senha, e ele não as conhecia.

- Isto é verdade – concordou o polícia – mas não o livra da suspeita.

O sobrinho do dono da casa, depois de muito apertado, confessou com relutância que saltara pela varanda após ter-se avistado pela última vez com aquela que ia ser sua tia, e por quem há muito estava apaixonado. Ela tinha-lhe concedido uma entrevista.

- Isso é falso! – disse o tio.

- Então é ele, certamente, o ladrão – apontou o inspector. – Vamos, confesse. Vimo-lo no corredor, a sair do quarto onde estava guardado o colar. Passou porque sabia a senha e contra-senha…

- Alto aí! – interrompeu o dono da casa. – O facto de o rapaz mentir, não é razão para lhe chamarem ladrão. Não acredites, não te puderam ver. O corredor estava às escuras, pois a lâmpada foi fundida por alguém propositadamente…



Quem era o ladrão? O mordomo ou o sobrinho do proprietário?





Solução de: O COLAR DESAPARECIDO

(Que abaixo se publicava em posição invertida)





Nem o mordomo nem o sobrinho do proprietário eram culpados. O culpado, a julgar pelas suas próprias palavras, era o dono da casa. Efectivamente, o inspector informara-o do roubo, mas sem lhe indicar qualquer pormenor.

Quer dizer, que o proprietário não estava informado de que o desconhecido ladrão havia dado a senha e contra-senha ao agente de serviço no corredor, nem de que a lâmpada se havia fundido e, muito menos, de que a haviam fundido propositadamente.

Por tudo isto, além de dar provas de conhecer factos de que ninguém o tinha informado, o dono da casa dava por assente que o ladrão era forçosamente o que passara pelo corredor escuro, quando muito bem podia ter sido que o gatuno fugisse por qualquer outro sítio.

Portanto, acumulou contra si todos os elementos que provavam a sua culpa.









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PROBLEMAS DE INICIAÇÃO

O CAVALO ASSASSINO

Problema policial adaptado do estrangeiro

Publicado em:

É o leitor um bom detective?

ALTURA n.º 12 – Maio.1948



Durante largo tempo, o inspector esteve a contemplar o cadáver de Larsen, o famoso jogador de pólo. Estava estendido de costas no chão, com os braços abertos. Junto da sua mão esquerda via-se um charuto a meio fumar. O seu rosto estava terrivelmente desfigurado, mostrando claramente a marca de uma ferradura, mais acentuada na fronte, onde a parte curva daquela havia deixado profundo sinal. Os pómulos e um dos olhos estavam quase desfeitos por efeito do violento coice.

- É estranho que o senhor Larsen estivesse vestido de cerimónia – comentou o polícia.

- Nãi vejo porquê – replicou o juiz. – Houve uma festa no Clube de Pólo e, antes de recolher a casa, Larsen veio ver o seu cavalo.

- Não compreendo como foi possível dar-se o acidente - disse o tratador. O bicho era muito manso, sobretudo com o dono. Nunca o vi tão enfurecido. Tudo se passou num relâmpago. O senhor Larsen entrou aqui, chegou-se ao cavalo como de costume, para o acariciar, e o animal encabritou-se repentinamente, dando-lhe o terrível coice que o matou.

- Entrou alguém na cavalariça, além do senhor Larsen? – perguntou o inspector.

- Passaram alguns amigos que vinham com ele, mas não entraram – respondeu o tratador.

- Não veio a senhora de Larsen? – quis saber o polícia.

- Não, senhor.

O inspector abaixou-se e apanhou do chão uma ponta de cigarro. Era de tabaco amarelo e apresentava marcas de carmim na extremidade.

- Basta! – disse o inspector ao juiz. – Já sei quem é o assassino de Larsen.



Quem assassinou Larsen?

Como soube o inspector que se tratava de um crime e não de um acidente?



Solução de: O CAVALO ASSASSINO

(Que abaixo se publicava em posição invertida)



Larsen foi assassinado por uma pancada dada por um maço ao qual se havia pregado uma ferradura. O assassino não pensou que o cavalo, ao dar um coice, deixa marcada a ferradura com a parte curva para baixo. Uma vez que a ferradura estava toda marcada na face do cadáver, e a ser verdadeira a afirmação do tratador, a parte curva da mesma devia estar marcada no queixo ou na boca, nunca na fronte.

O assassino era o tratador, já que afirmou ter Larsen apanhado um coice, e isto, como fica demonstrado, era impossível.

A marca de carmim procedia dos lábios do assassinado que – como depois se soube – havia beijado a esposa antes de se dirigir à cavalariça.



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CONCURSO DO PROBLEMA POLICIAL

A MALA DESAPARECIDA

Problema policial original de: CONSTANTINO

Publicado em:

É o leitor um bom detective?

ALTURA n.º 14 – Julho.1948



Três homens esperavam no hall do Metropolitan de Nova York, Gable, o mais gordo deles, olhava frequentemente para o relógio, enquanto que o mais alto, Moore, fumava nervosamente cigarro após cigarro. Unicamente o terceiro, Holmes, homem pequeno e débil, mostrava completa tranquilidade.

Finalmente o gordo, apontando para alguém que descia dum táxi em frente à porta do grande hotel, gritou:

- Aí está Gordon!

O chamado Gordon, que chegava com uma mala na mão, depois de pagar o táxi, encaminhou-se para os três homens que com tanta impaciência o tinham aguardado.

- Realizei a venda – anunciou com ar triunfante. – Aqui na mala trago os 500 mil dólares.

- Agora – propôs Holmes – toca a depositar o dinheiro no banco quanto antes.

- Infelizmente já não temos tempo – exclamou Gable, mostrando o relógio – é meia hora e o Banco fecha à uma.

- Pois é uma grande maçada ter de conservar tanto dinheiro connosco até segunda-feira! – Observou Moore.

- Realmente não é muito agradável – reconheceu Gable, ao mesmo tempo que se metia no elevador com os companheiros – mas não há outro remédio.

Chegados ao andar onde Gordon tinha reservado os seus aposentos, este despediu-se de Moore, e Gable enfiou o braço no de Holmes e ambos se afastaram pelo corredor.

Um pouco mais tarde, quando desciam no mesmo elevador, Moore perguntou a Gable:

- Porque adiantaste o relógio até às 12.30, se ainda não era meio dia e Gordon tinha tempo de sobra para chegar ao Banco?

Gable franziu o sobrolho, olhou para o moço do elevador e respondeu:

- Melhor seria que não quisesses saber tanto…



* * * * *



Naquela mesma noite, quando um paquete ia entregar uma carta a Morgan, encontrou aberta a porta dos seus aposentos. Entrou e viu o hóspede estendido no meio do salão e sem vida.

Chamada a polícia, depressa ficou estabelecido que se tratava de um caso de assassinato; também se verificou que a mala havia desaparecido.

Interrogados os três amigos do morto, soube-se que os 500 mil dólares que a mala continha provinham da venda de uma propriedade que pertencera aos quatro. Também não foi difícil a polícia descobrir que os quatro amigos não se davam bem.







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Praticada uma busca nos seus aposentos, foi encontrada, no de Gable, a carteira do assassinado. Apesar dos protestos do gorducho, que afirmava não ter estado com Gordon depois da chegada deste ao hotel, foi preso. A suspeita da Polícia, quanto a este, era reforçada pelas declarações do moço do elevador que relatou a conversa que tinha ouvido entre Moore e o preso.

Porém, apesar de tudo, a mala não apareceu. A Polícia estava convencida de que se achava ainda no hotel, pois sabia que nenhum dos três amigos de Gordon havia saído do hotel depois de praticado o crime.

Passaram três dias sem que s e registasse qualquer novidade. Na noite do terceiro dia, o polícia de serviço no hotel, surpreendeu uma sombra fugitiva que saía dos aposentos de Gordon; intimou o intruso a parar e, não sendo obedecido, disparou, ferindo o desconhecido que logo verificou tratar-se de Holmes. Revistado o ferido, encontraram-se-lhe no bolso as chaves de Gordon que, pelo visto tinha ido buscar. Levaram-no para o hospital e lá ficou sob prisão.

Passaram mais três dias, e como Gable, um dos detidos, acusasse Moore de ter, em tempos, pretendido levar Holmes a matar Gordon, acusação que foi confirmada pelo ferido, Moore foi, também, detido como suspeito.

Por um feliz acaso, e quando menos se esperava, poucos minutos após a prisão de Moore, foi encontrada a mala. Achou-se, metida num depósito de água, no sótão do hotel. Tinha duas etiquetas coladas, uma das quais mostrava escrito o nome de Gordon. Havia sido arrombada e estava vazia.

Logo que o inspector encarregado do caso examinou a mala, afirmou peremptoriamente que já sabia quem havia assassinado Gordon.



Quem era o criminoso, e em que se baseava o inspector para afirmar que o tinha descoberto?



Solução do problema

A MALA DESAPARECIDA

Apresentada pelo autor: CONSTANTINO

Publicada em:

É o leitor um bom detective?

ALTURA n.º 15 – Agosto.1948



É evidente que só os três companheiros de Gordon sabiam que este guardava o dinheiro nos seus aposentos. Portanto, as suspeitas da Polícia limitavam-se a Gable, Holmes e Moore. O achado da carteira e das chaves em poder dos dois primeiros fez inclinar as primeiras suspeitas para estes companheiros do morto, mais para Holmes do que para Gable, pois sentia-se que o sucedido com este último era uma torpe manobra para o comprometer. Por outro lado, a conversa do elevador pôs a Polícia de sobreaviso contra Moore, pois tinha todo o aspecto de ter sido provocada intencionalmente por este para comprometer Gable. A suspeita contra Moore mais se avolumou quando se soube que já havia pretendido liquidar Gordon. Portanto, embora as suspeitas contra os

Outros não se desvanecessem, inclinaram-se pesadamente para Moore,cujos antecedentes muito o comprometiam. O achado da mala no depósito veio esclarecer as últimas dúvidas, concentrando definitivamente todas as suspeitas contra Moore, o verdadeiro culpado. Efectivamente, foram as etiquetas coladas na mala que o denunciaram. Se esta tivesse estado três dias na água, certo que o papel teria descolado; como estava colado, era evidente que a mala tinha sido metida recentemente no depósito de água.

Gable estava preso havia seis dias; havia três que Holmes estava hospitalizado. Só Moore, portanto, poderia ter lançado a mala na água, como fica demonstrado.





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CONCURSO DO PROBLEMA POLICIAL

O CASO CURRY

Problema policial adaptado do estrangeiro

Publicado em:

É o leitor um bom detective?

ALTURA n.º 15 – Agosto.1948



Eram cinco horas da tarde quando o inspector Drowns recebeu o telefonema. Tratava-se de ir a casa dum tal Curry que, ao parecer, se havia suicidado. O telefonema provinha do agente de serviço na área do sucesso, que, tendo encontrado indícios suspeitos, se apressava a informar disso o seu superior.

O inspector Drowns seguiu imediatamente para a casa indicada. Veio abrir--lhe a porta um criado velho, muito aflito e choroso.

- É da polícia?

O inspector declinou a sua identidade e entrou.

- Então que sucedeu? – perguntou ele ao criado.

- Foi o meu pobre amo que se matou. Os senhores estão lá em cima. Faz favor de subir.

- Quem são os senhores de que fala? – perguntou o polícia.

- São dois velhos amigos do patrão, que o vieram visitar ontem e que aqui passou a noite. Eram muito amigos, ao que parece, mas um deles, o senhor Ralph Mallinson, teve com ele uma grande discussão esta manhã.

- Não sabe porquê? - tornou a perguntar o inspector.

O homem ia responder quando apareceu ao alto da escada um rapaz novo, de aspecto agradável, que se dirigiu ao inspector:

- Queira subir, inspector, mas não me parece que tenha muito que fazer aqui. Infelizmente o meu padrinho suicidou-se, e tudo é caro como água. Parece que sofria dum mal incurável.

- Quem é este sujeito? - perguntou Drowns ao criado, demorando propositadamente a tirar o casaco.

- É o senhor Joe, filho do senhor Mallinson e afilhado do meu patrão. Parece que o meu amo queria modificar o testamento que tinha feito a seu favor, por ele ter casado contra sua vontade.

O inspector subiu vagarosamente a escada e dirigiu-se para o quarto onde estava o morto. O quarto ficava ao fundo de um corredor, com portas de um lado e do outro, e para lá chegar era necessário atravessar um pequeno hall.

No hall, sentado numa cadeira de braços e profundamente abatido, estava Ralph Mallinson. À chegada do polícia, levantou-se.

- Meu pobre Harry, pobre amigo! Sabia que o mal era incurável e não quis esperar pelo desfecho.

O inspector abriu a porta do quarto, onde o aguardava o agente e entrou fechando-a atrás de si.

Depois de ouvir um sucinto relato da boca do seu subordinado, Drowns pôs-se a examinar o cadáver. Estava sentado numa cadeira, ao pé da secretária, a cabeça pendente sobre o peito. Na região temporal direita, mostrava um pequeno orifício de onde saía um laivo de sangue, já coagulado, que se estendia na direcção do ouvido. A mão direita, que repousava sobre o braço da cadeira, segurava uma pistola calibre 6,35, com silenciador.







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O inspector deu uma volta pela sala e notou que tudo estava em perfeita ordem. Deu algumas breves instruções ao agente e saiu para o hall.

Drowns reuniu os Mallinson, pai e filho, e o criado, e fez algumas perguntas.

- Uma formalidade, apenas – informou delicadamente.

Soube que às quatro e meia, quando o criado ia levar o chá ao amo encontrou-o morto e na posição em que actualmente estava. Sem avisar os Mallinson, saiu para a rua e chamou o guarda que entrou imediatamente e não permitiu que ninguém entrasse no quarto. Também soube que Mallinson fora chamado por Curry para lhe dar conhecimento de algumas disposições testamentárias que se propunha fazer e que afectavam o filho; este acompanhou o pai, mas o padrinho negou-se a recebê-lo, permitindo, contudo, que ficasse na casa até ao dia seguinte.

- Já cá tinham estado anteriormente? – perguntou o inspector, dirigindo-se aos Mallinson.

- Eu, sim, por várias vezes – informou o pai, - mas meu filho era a primeira vez que vinha a casa do padrinho; sempre que precisava dele ou o padrinho o mandava chamar, era no escritório deste que se encontravam.

- Porque veio desta vez?

- Compreende, senhor inspector… era necessário deitar água na fervura. Além disto, Curry estava muito doente e o rapaz tinha obrigação de cá vir.

- Bem, meus senhores, não os maço mais. Podem retirar o cadáver da cadeira e deitá-lo no leito; posso ajudá-los enquanto estou aqui.

Dirigiram-se todos para o quarto, excepto o criado, que foi mandado pelo inspector esperar no hall.

O quarto estava completamente às escuras, quando o inspector abriu a porta dar passagem aos Mallison.

- Então Myke essa luz? Porque fechou as janelas?

Myke, o agente, não respondeu, mas ouviram-no ressonar.

Drowns procurou o interruptor na parede, à esquerda da porta mas Joe Mallinson estendeu prontamente o braço para a direita abrindo a luz.

Myke, que estava acocorado a um canto a dormir beatificamente, acordou estremunhado e apressou-se a abrir as janelas.

- Desculpe, inspector, mas tenho andado tão fatigado que resolvi aproveitar enquanto esperava.

Drowns limitou-se a um encolher de ombros.

Depois de levarem o corpo de Curry para o leito, saíram todos para o hall e o inspector deu uma voz de prisão.





Pergunta-se:~



A QUEM PRENDEU O INSPECTOR, E PORQUE RAZÃO O FEZ?



















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Solução do problema

O CASO CURRY

Do original estrangeiro.



Publicado em:

É o leitor um bom detective?

ALTURA n.º 16 – Setembro.1948





Quando o inspector Drowns se dirigiu para casa de Curry, já sabia o essencial para não ter dúvidas de que se tratava de um crime, pois havia sido devidamente informado telefonicamente pelo seu subordinado. Restava-lhe confirmar a indicação de Myke e descobrir o culpado ou culpados. É lógico supor que através da mesma informação também sabia quem eram as pessoas que estavam na casa. Logo, as perguntas feitas ao criado foram mera apalpadela psicológica…

É também lógico pensar que teria comparado o à vontade pouco normal de Joe Mallinson, com a atitude natural do criado. Também não lhe devia ter escapado a insistência dos Mallinson sobre o tema do suicídio como consequência do mal incurável, a cujo mal o criado não se havia referido. Portanto é fácil concluir que Drowns entrou no quarto onde estava o corpo de Curry, com forte4s suspeitas contra os Mallinson. Examinado o cadáver, verificou que este se apresentava de cabeça pendente sobre o peito e que um laivo de sangue se estendia para cima, na direcção do ouvido, quando, nesta posição da cabeça, o sangue se devia estender para baixo, na direcção do olho direito. Isto verificado, não precisou de atender a outros pormenores para ter a certeza de que Curry fora colocado ali depois de morto. Obtida a certeza do crime, o inspector dispôs-se a apanhar o criminoso. Sabe-se que o único que se dizia nunca ter estado no quarto de Curry era Joe Mallinson. Ora, a verdade é que tinha estado e demoradamente (o tempo suficiente para liquidar o padrinho, simular o suicídio e fazer desaparecer os indícios comprometedores – excepto, evidentemente, aquele que o comprometeu), caso contrário não tinha tão prontamente estendido o braço para o comutador da luz, caindo na armadilha do inspector, armadilha, aliás, quase infantil, mas que, como quase sempre sucede com os grandes criminosos, daquelas em que mais depressa caem, preocupados como estão em se defender das grandes… Esta prova, aliada à atitude de anormal à vontade, à categórica afirmativa de suicídio feita por Joe (que não tinha visto o padrinho) e às razões de interesse apontadas no problema, levaram Drowns a concluir que embora Ralph Mallinson fosse possível conivente ou encobridor (o seu aspecto abatido é de considerar) era o filho o assassino. Foi a este, portanto, a quem prendeu.





















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CONCURSO DO PROBLEMA POLICIAL

TRÊS ARMAS DISPARARAM…

Problema policial original de: SETE DE ESPADAS



Publicado em:

ALTURA – n.º 16

Setembro de 1948



Dois vultos recostavam-se no alpendre da característica «TAVERNA NEGRA», agora fortemente iluminado. Ela, esplêndida de beleza e juventude, cabelos louros soltos ao vento, sorria maliciosamente. Ele, de porte correcto, olhava-a num misto de carinho e admiração.

Diziam as más línguas, que Divonne, a linda esposa do Embaixador da Sinésia, mantinha um romance de amor com o jovem escritor Phillip Carr – cujos romances eram disputados por multidões.

Para lá do alpendre, na fita negra da estrada, fortemente batida pelo vento e pelos aguaceiros daquela extemporânea trovoada dos fins de Agosto, esperava-os o potente e bem delineado «torpedo» do escritor.

* * * * *

Minutos antes, lançado como um bólide pela estrada que sai de Bordeaux e passa junto à «TAVERNA NEGRA», indiferente à intempérie, seguia um potente carro negro e nele, de sobrecenho carregado, maxilas cerradas e mãos enclavinhadas no volante, o conhecido e distinto capitão-tenente Gilbert Rouhen, a quem o país devia o estranho invento do «submarino aquático-terrestre…». E Gilbert, pensava naquele estranho telefonema… E diziam também as más línguas, que Gilbert, odiava, com um ódio de morte, o romancista Phillip Carr… As altas esferas, por sua vez, temiam o evidente contacto que existia entre Rouhen e essa sereia estonteante e perturbadora, que era a esposa do Embaixador estrangeiro…

* * * * *

Quando a noite já há muito tinha caído e com ela a enervante tempestade de Verão, um carro escuro seguia a pouca velocidade, pelo desvio da estrada que a poucas centenas de metros cruza com a estrada de Bordeaux, para além da «TAVERNA NEGRA»… Ao volante desse carro, preocupado com estranhos pensamentos, o Embaixador de uma potência estrangeira – que é, às vezes, um espião autorizado…

* * * * *

A poucos quilómetros da «TAVERNA NEGRA» e a caminho de Bordeaux, numa curva caprichosa da estrada, Phillip nota com assombro que à sua frente está parado um carro, ligeiramente atravessado na estrada, a meio da curva, e com os farolins apagados. Solícito, Phillip pára o seu carro, sai e avança pela estrada para prestar auxílio…

De repente, numa sucessão estranha e terrível, os relâmpagos aliam-se a fortes trovões; os raios descem para a terra em zigue-zagues estonteantes, como se tudo aquilo estivesse possuído de terrível magia e fosse uma horripilante visão do inferno…



AHPPP – É O LEITOR UM BOM DETECTIVE? /H - 15



Depois silêncio… um silêncio que fazia calafrios, no intervalo duma tempestade de verão – presságio de morte, cortado violentamente pelo escape aberto dum carro que se afasta a toda a velocidade, a caminho de Bordeaux, farolins apagados…

Na fita negra da estrada – agora iluminada pelos faróis de dois carros… - estendido de bruços, o corpo do romancista Phillip Carr…

* * * * *

À volta deste complicado caso, todos os «repórteres do crime» especularam aos seus jornais, com títulos a toda a largura das páginas.

Um dizia: «Uma bala perdida no interior dum carro?», referindo-se ao carro de Phillip, que no lado direito do pára-brisas tinha um furo de bala, a 38cm da porta, cujo vidro estava descido. Por mais que se procurasse no interior do carro, não foram encontrados vestígios de penetração ou impacto.

Um outro, em três edições sucessivas, dizia: «Três armas, cujas linhas de fogo interceptavam o mesmo alvo…»; «Fogo cruzado… numa curva!»; «Três conhecidas personagens, fazem fogo «sincronizado» com a tempestade…!» Transcrevia as declarações de todos eles, onde cada um afirmava que disparara a sua arma, nada mais acrescentando quanto à direcção do tiro.

Um terceiro, talvez humorista, dizia: «Um carro com dois orifícios feitos por balas… mas só uma aparece». Este repórter, seguindo a pista do carro fugitivo, veio a fornecer valiosos elementos para o processo, porquanto, foi ele que descobriu o carro de Rouhen e verificou um furo de bala no vidro da porta do lado esquerdo, junto ao volante e no banco de trás, a penetração de uma bala, junto ao suporte do braço do lado esquerdo, a qual se foi alojar do lado oposto, junto à extremidade do outro suporte.

O quarto, fazia a seguinte pergunta: «De onde partiu o tiro que vitimou Phillip Carr?» Depois espraiava-se em comentários acompanhados por um grande «croquis» de curva, com três carros, o corpo do romancista e as possíveis trajectórias das balas – uma das quais também tinha atravessado o pára-brisas do carro do Embaixador – assegurando com toda a convicção que sabia, como e para quem tinham atirado cada um dos suspeitos – deixando antever nas entrelinhas, a posição da arma assassina.

* * * * *

Do relatório de um perito, constava o seguinte:

- A vítima foi atingida por duas balas, uma das quais provocou morte imediata, atravessando-lhe o cérebro e a outra raspou transversalmente o braço esquerdo, passando entre este e o corpo a 5cm acima do cotovelo, fazendo dois furos no casaco e um esgaçamento no tecido da camisa.

* * * * *

Por mim, resta-me dizer-lhes meus caros Colegas, que o nosso conhecido «detective particular» Alexis Smith, de passagem por França, escrevia numa das suas cartas: - «Com os dados que te envio – eu juro que os transcrevi todos – poderás fazer uma solução absolutamente correcta e responderes com segurança às seguintes perguntas» - que eu também transcrevo na íntegra:



1.ª – RECONSTITUE A CENA DO CRIME.

2.ª – INDICA-ME A TRAJECTÓRIA DAS BALAS E QUAL O OBJECTIVO DE

CADA UM DOS QUE DISPAROU.

3.ª - FINALMENTE, INDICA-ME O CRIMINOSO.

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Solução do problema

TRÊS ARMAS DISPARARAM…

Apresentada pelo autor: SETE DE ESPADAS (Agualva)



Publicado em:

ALTURA – n.º 18

Setembro de 1948



Sendo fraco desenhador, só vos posso oferecer o seguinte esquema, que no entanto tem o essencial.

Sabendo que todas as armas dispararam e que todos os carros mostram vestígios de balas, vamos em primeiro lugar, dispô-los, tal como se deveriam encontrar, no momento do crime

Assim, respondemos à vossa pergunta.

Posto isto, tracemos as trajectórias.

- Já estão!

- E agora, expliquemos a intenção de «cada

um dos possíveis criminosos».

1.º - Rouhen – recebeu um telefonema

anónimo dizendo-lhe que a «sua dama» saía

da «Taverna Negra», com Phillip, a caminho de Bordeaux. Louco de ciúmes – desprezando

os bons avisos que já por mais de uma vez lhe tinham enviado, mostrando as intenções daquela «bela espia» - ruma para a «Taverna Negra», e arma a cena da curva – sabendo de antemão que Phillip, sempre solícito, sairia do seu lugar para prestar auxílio. O momento fora bem escolhido para se desfazer dele... Com a espera, o fresco da noite e a trovoada,

influíram no seu espírito. A vontade amoleceu e um outro sentimento tomou vulto… e ele ficou, sim, mas com um objectivo bem diferente… De facto não havia dúvida. Agora, friamente, reconheceu o interesse de Divonne, acerca dos seus planos – como eram, como não eram, como tinham decorrido as experiências, e por brincadeira se eles estavam no cofre do seu escritório… Como fora louco em acreditar que era amor, aquele sentimento…



E quando o tiro partiu, destinava-se à loira do Embaixador…

2.º - O Embaixador; - por sua vez, sabendo do encontro da sua mulher com o romancista, resolveu segui-los, para «saber certas coisas…» Quase ao chegar à curva, o carro da frente parou. Ele, que trazia os faróis apagados, aproximou-se… e sem o esperar, deparou-se-lhe uma oportunidade única. Um tiro, e depois ver-se-ia…

- Errou o coração, passando centímetros à esquerda, a raspar no braço e enfiando a bala no banco de trás do carro de Rouhen – a inclinação da perfuração e do impacto, só pode ter sido a bala da sua arma.

- Julgou ouvir mais tiros e resolveu-se a acender os faróis do seu carro… Phillip estava estendido de bruços, mas o carro da frente fugia – estava salva a honra…









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3.º - Divonne: - Vamos cá perceber a mentalidade das mulheres! – Já desesperada com aquele flirt – e que tudo arriscava e nada ganhava – resolve ficar com o tempo livre para se dedicar a Rouhen e aos seus planos… Por outro lado começava a ter medo do escritor, que tinha descoberto «muitas coisas» com o seu espírito observador…

Debruça-se na porta, cujo vidro desceu e, friamente, ao ruído da tempestade, dispara sobre ele, matando-o à traição. Provocando esta morte, salva-se… Porque foi também nesse momento que Rouhen disparou a sua arma, cuja bala penetrou pelo pára-brisas a 38 cm da porta e saiu pelo espaço onde devia estar o vidro que foi baixado – e a raspar a loura cabeleira de Divonne…

Quanto aos outros furos no pára-brisas dos carros de Rouhen e do embaixador, está provado que estes não se afligiam com isso – o essencial, era disparar no momento oportuno…



SETE DE ESPADAS







CONCURSO DO PROBLEMA POLICIAL

4.º PROBLEMA (sem título)

Problema policial adaptado de original estrangeiro.



Publicado em:

É o leitor um bom detective?

ALTURA n.º 18 – Novembro.1948





O corpo de Emma Gilman jazia estendido junto ao fogão da cozinha. O quarto estava cheio de gás, que saía das torneiras do fogão totalmente abertas; portas e janelas estavam hermeticamente fechadas e todas as frinchas calafetadas com jornais.

A vida irregular de Emma, na grande cidade onde se deu o lamentável sucesso, deu lugar a conjecturas várias sobre os motivos que a teriam levado a pôr termo à existência. Todos eram unânimes em que tinha praticado praticado um acto de desespero. Todos? Não. A Polícia tinha as suas dúvidas. Um pequeno pormenor que não vem ao caso despertou a sua atenção; por isto, recorreu ao médico legista, para saber se teria que sancionar a opinião geral ou se, pelo contrário, teria que procurar um criminoso. Um elemento a informou, sem dúvida possível: o sangue da vítima, devidamente analisado, revelou conter 2% de monóxido de carbono.

Diga-nos. Prezado leitor, de que se trata:

CRIME ou SUICÍDIO? PORQUÊ?



















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Solução do

4.º PROBLEMA (sem título)

Do original estrangeiro. Publicado em:

É o leitor um bom detective?

ALTURA n.º 20 – Janeiro.1949



Trata-se de um crime.

Antes de recorrer ao médico legista, descobriu a Polícia qualquer coisa que a informou sobre o caso, levando-a a colocar em 2.ª hipótese a opinião geral de se tratar dum suicídio. De resto, a própria vida irregular da morta dava azo a conjecturas várias, das quais se não podia excluir a hipótese de um crime – passional, por exemplo – todas mais ou menos aceitáveis. Neste aspecto, o problema presta-se a várias deduções. Assim, o primeiro elemento de suspeita tanto pode ser a descoberta da calafetagem de fora para dentro, na porta ou janela, por onde poderia ter saído o possível criminoso, como a descoberta de qualquer indício de agressão no corpo da vítima: a posição forçada do cadáver, como qualquer elemento imprudentemente deixado na habitação pelo possível criminoso. Para o nosso caso, porém, só interessa o elemento principal, aquele que nos leva à «certeza» de ter havido crime. E este elemento está no resultado da análise feita ao sangue da vítima: se a morte tivesse sido causada pelo óxido de carbono, não seria de 2% a percentagem de monóxido de carbono.





CONCURSO DO PROBLEMA POLICIAL

5.º PROBLEMA

O ESTRANHO CASO DE FRITZ YULE

Original de: Jim Mc Roy



Publicado em:

É o leitor um bom detective?

ALTURA n.º 19 – Dezembro.1948



Este é o meu último caso e por certo não o menos interessante. Estávamos próximos do Natal e eu preparava tudo para a festa dos garotos. Lá em casa ia um reboliço de caixas abertas, de rosas de papel e nuvens de algodão que haviam de se transformar durante umas horas em neve recém caída no pinheiro da sala. Enquanto os miúdos batiam palmas a cada novo floco que tombava, eu ia esfarrapando o algodão e pedindo ao bom Deus que ninguém se lembrasse de bater à porta deste pobre inspector em descanso.

Lá fora estava uma noite escura de Dezembro, uma dessas noites em que se não vê um palmo à frente do nariz e o ar, carregado de humidade, respira nevoeiro em todos os cantos. O tempo estava estranho desde há dias: húmido até à madrugada e seco a partir de certa hora, em que o nevoeiro subia e se dissipava, deixando ainda que as estrelas sozinhas, acusassem lá em cima a solidão da lua nova.

Deram as dez horas no relógio do «hall». E daí a pouco a sala estava livre da miudagem que, sem sono, resmungando. Acabara por se submeter ao horário regulamentar. Não me demorei em segui-la, porque me tinha de levantar muito cedo.





AHPPP – É O LEITOR UM BOM DETECTIVE? /H - 19



Quando às cinco da manhã o despertador me acordou, ainda era noite e fazia frio. Diabo de vida a minha! Lá fora, a noite abafava a rua em sombras; mas o céu, limpo, prometia um verdadeiro dia de Natal.

As trinta milhas do caminho de Pittsville foram comidas rapidamente, porque o nevoeiro já levantara e a estrada seca oferecia-se às rodas.

Às nove e meia estava de regresso. Mal sabia o que me esperava. No meu gabinete, duas pessoas aguardavam com impaciência a minha chegada: Brassley – o imprescindível organizador das festas da nossa cidade – e a velha Thompson, porteira de um prédio quase fronteiro ao meu.

O caso era simples e conta-se em duas palavras: Fritz Yule – um escritor falhado que havia sido tudo, desde batoteiro a bailarino e de ginasta de circo a chantagista – tinha-se suicidado com uma punhalada. E a situação era duplamente embaraçosa:

1.º - Porque era dia de Natal, e numa cidade pequena uma morte violenta estraga todas as festas;

2.º - Porque a vítima era o principal animador do espectáculo dessa tarde. Todos estavam desolados; e compreende-se que Brassley não fosse o mais conformado.

Dei uma corrida ao local; já se tinha espalhado a notícia, e alguns curiosos espreitavam a casa, desde a rua, pretendendo adivinhar o que os polícias não lhes deixavam ver.

A escada dava entrada para um «hall» que comunicava à esquerda com o quarto de dormir e à direita com a cozinha. Esta dava para o quarto de banho e para a varanda, ligada à escada de serviço por uma porta.

Quando a porteira subiu o pequeno-almoço – eram oito e meia – encontrou fechada a porta de entrada, o que não era costume. Intrigada e com receio de que Fritze estivasse doente – ele sofria de uma doença nervosa que lhe provocava grandes insónias, contra as quais todas as noites ingeria um forte narcótico – chama-o várias vezes, mas sem resultado. A seu pedido, o polícia de giro arrombou a porta.

À primeira vista, na casa nada havia de anormal. A porta estava fechada e tinha a chave por dentro. No quarto de banho e no «hall», nada de anormal. Idem na cozinha, cuja porta dando para a varanda estava fechada por dentro; mas dos fechos, ferrugentos, só o de baixo estava corrido. Quando entraram no quarto de dormir, recuaram horrorizados. Na cama, ensopado em sangue, Fritze jazia morto.

Estava deitado de costas, no lado direito da cama, de olhos abertos, e tinha ainda a mão direita apertando o cabo do punhal, que estava cravado longamente no peito, depois de o ter atravessado várias vezes. Os lençóis manchados de sangue fresco; a roupa seca; pequenas manchas na esquerda; um livro na cabeceira; um copo com um pouco de água; e o despertador marcado para as oito horas.

O quarto era espaçoso e baixo, com menos de 3 metros de altura: a cama

ao fundo, tinha em frente um pequeno fogão inglês, diante do qual uma cadeira mostrava o assento ligeiramente enlameado. À direita, uma janela baixa, que o polícia encontrara aberta e que já tinha fechado; dava para a varanda; nesta, a porta que comunicava com a escada de serviço estava fechada no trinque, como de costume. À esquerda, uma secretária com alguns livros, uma máquina de escrever e papéis velhos. Nas gavetas, algumas cartas de mulheres – Fritz era um conquistador terrível – dois ou três originais de peças de teatro, uma pistola carregada, fotografias, caixas de cigarros, um cachimbo e papéis diversos.



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Toda a decoração era simples: apenas uma estatueta em cima da secretária, um busto de Apolo a dominar o fogo e, em cima, um quadro de Cassat, separado do tecto coisa de quatro palmos. O quadro escondia um cofre íntimo, sem segredo e sem chave. Abriu-o; apenas meia dúzia de papéis, algumas fotografias de mulheres com dedicatórias mais ou menos imbecis, e cartas, bastantes cartas de todas as cores e exalando os mais variados perfumes.

Fritz era um desses homens que passavam a vida a conquistar mulheres; era um coleccionador de aventuras amorosas; e, como tal, elas só lhe interessavam enquanto tinham mistério. Odiava os ruídos; por isso gostava das mulheres enquanto não falavam… Adorava-as quanto detestava o ruído das campainhas; era tudo uma questão de sensibilidade, costumava dizer. Muitos lhe queriam mal; e nesses, havia principalmente «essas».

Os seus últimos amores tinham sido duas raparigas da cidade: Hellen Craig e Sílvia Frost. A primeira era uma morena franzina, de estatura baixa, meio adolescente ainda, sonhadora; quando passava, os homens seguiam-na com o olhar. Estava noiva de Frank Hinclair, o rico dono das garagens da terra. Sílvia era o contraste: loira, alta, parecia uma nórdica que tivesse caído de repente no meio da cidade; era uma mulher forte, decidida, dada aos desportos e ao amor. Havia quem associasse ao seu nome certos escândalos; mas nunca soube o que nisso haveria de verdade.

Foram estas as primeiras pessoas que ouvi. Ambas tinham estado numa festa de Natal, até bastante tarde. Já há semanas que nenhuma delas tinha visitado a vítima. Nada sabiam e tinham-se deitado no regresso da festa. Brassley e a porteira confirmaram os primeiros factos alegados.

Dizia-se que Frank se zangara com Hellen, por ciúmes; fora muito notado o vê-la entrar e sair sozinha – Frank só chegou às 2 horas e ficou até de manhã, saindo com Brassley, que o deixara em casa. Sílvia, por seu lado, também saíra tarde, como Helen, e também dizia ter ido direitinho para casa. Até aqui, o interrogatório nada adiantara. Resolvi ouvir a porteira.

A senhora Tompson tinha subido ao quarto da vítima, passava da 1 hora; levara-lhe um chá quente, pois Fritz se queixara das suas costumadas dores de cabeça. Quando a senhora Tompson saiu, Fritz já estava deitado; disse-lhe ficar melhor com o chá e que já tinha tomado o remédio para dormir. Que lhe faria bem, sempre seriam pelo menos oito horas de sono.

Se tinha a certeza de que tudo ficara fechado? Completamente; ela mesmo fechara toda a casa e correra todos os fechos. Era tudo o que sabia dizer.

Fritz tinha recebido um telefonema na tarde anterior, e depois disso saíra apenas para jantar. Voltara cedo e não fora à festa dessa noite. Ultimamente andava um pouco fugido, como que receoso de encontrar alguém. Soube que tinha um sócio – um tal Kent, já conhecido da polícia por burla e tentativa de chantagem. Era um homem alto e forte, tipo «boxer», de mãos largas e cara de negro. Interroguei-o e pareceu-me assustado. Passara a noite no hotel, dizia. O porteiro tinha-o visto entrar, embora não pudesse jurar que ele não saíra. Fritz devia-lhe dinheiro e denunciara-o à polícia; mas – dizia ele, abrindo com esforço um sorriso nas feições grosseiras – não era caso para matar um homem.

Deixei todos os interrogados no meu gabinete e informei-me do resultado da autópsia. Causa da morte: várias punhaladas, incidindo no lado esquerdo do tórax, dirigidas da esquerda para a direita, duas das quais apanharam o coração. Sinais de luta: nenhuns; morte quase instantânea.







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O caso complicava-se. Voltei ao local. Tudo na mesma, com aquele ar de abandono a que a ausência do morto dava um ligeiro alívio. O despertador tocara até à última. Uma fotografia da vítima olhava para o quarto.

Sentei-me num maple e reuni mentalmente as peças do caso. Não sei quanto tempo estive assim nem porque me levantei tão agitado. Uma dúvida tinha-se gravado no meu espírito. Podia ser que…



O mistério, pelo menos no que tinha de essencial, estava desvendado.



Pergunta-se:

1.º - O leitor acha que foi suicídio ou crime? Porquê?

2.º - E no caso de ter sido crime, quem terá sido o criminoso? Porquê?

Nota – Não bastam as soluções; é preciso justificá-las.







Solução do

5.º PROBLEMA

O ESTRANHO CASO DE FRITZ YULE

Apresentada pelo autor: Jim Mc Roy

Publicado em:

É o leitor um bom detective?

ALTURA n.º 20 – Janeiro.1949



Que queria eu saber? Tinha havido crime ou suicídio?

A hipótese de suicídio sentia longe de mim. De facto:

1.º - A vítima tinha uma pistola carregada: logo, o natural era suicidar-se com um tiro e não com um punhal, que é a arma característica do assassino.

2.º - A porta estava fechada por dentro; ora, não era natural que a vítima, tendo tomado o narcótico e estando já deitada quando a porteira saiu, se levantasse para fechar a porta à chave.

3.º - Havia uma janela aberta. Ora, essa janela podia ter sido aberta pela vítima ou por um terceiro: ter sido aberta antes das cinco horas da manhã ou depois dessa hora. Se tivesse sido aberta antes das cinco horas da manhã, o nevoeiro teria entrado no quarto deixando a roupa húmida. Ora a roupa está seca. Logo, a janela foi aberta depois daquela hora. Mas sendo assim, não podia ter sido aberta pela vítima, porque:

a ) – Fritz tomou à uma hora um narcótico que lhe provocava pelo menos oito horas de sono. Logo, dormiria até às nove horas, e a porteira encontrou-o morto às oito e meia.

b ) – Se a vítima estivesse acordada antes das oito horas, o natural é que não deixasse o despertador esgotar a corda, pois o ruído das campainhas molestava-a muito. Deixou, porque não acordou ou porque já estava morta. Quer numa hipótese quer noutra, não podia abrir a janela. Logo: foi um terceiro quem abriu a janela. E a presença de um terceiro no quarto da vítima conduz à forte presunção de crime.













AHPPP – É O LEITOR UM BOM DETECTIVE? /H - 22





4.º - Além disso, a morte foi provocada por várias punhaladas dadas da esquerda para a direita e atingindo o coração. Ora, o morto tinha a mão direita no cabo do punhal. Se fosse suicídio, as punhaladas teriam normalmente o sentido da direita para a esquerda, por serem dadas com a mão direita.



Assente em que tinha havido crime, perguntava a mim mesmo: quem foi o assassino? Havia quatro suspeitos em cena: Hellen, Síçvia, Frank e Kent. Qualquer deles teria motivos para matar. Só Frank provara que estivera desde as duas horas na festa de Brassley. Logo, Frank não podia ser, pois o crime não poderia ter sido praticado antes das duas horas, visto que a janela foi aberta depois das cinco. Dos outros, nenhum tinha «álibi» convincente. No entanto, uma análise cuidadosa levava à conclusão de Sílvia e de Kent do rol dos culpados.



Assim:

1.º - Quem matou era um indivíduo fraco, pois vê-se que tentou sair pela porta da cozinha e não conseguiu correr um dos fechos. Ora, tanto Kent como Sílvia eram fortes e capazes de o fazer sem grande esforço. Hellen, pelo contrário, era fraca e franzina.



2.º - Quem matou era um indivíduo baixo, pois necessitava de uma cadeira para chegar ao cofre, que distava do chão dois metros. Ora, quer Sílvia quer Kent eram altos e não necessitavam de utilizar a cadeira. Dos suspeitos, só Hellen a teria de utilizar.

Tal como os factos se apresentaram, tudo depunha contra Hellen, como autora do homicídio. E como teria sido praticado? De regresso da festa, Hellen, conhecedora da casa e dos costumes de Fritz, teria entrado calmamente pela porta, que encontrou aberta como habitualmente, mas que, para maior segurança, fechou em seguida. Fritz dormia pesadamente sob o efeito do narcótico. Hellen pôde assim procurar à vontade as cartas que a comprometiam e com as quais Fritz tentara fazer chantagem. Para abrir o cofre teria subido a uma cadeira e procurado o que lhe interessava. Para que não houvesse possibilidade de chantagem, para garantir o seu casamento com Frank e para satisfazer os seus desejos de vingança, Hellen resolvera liquidar o seu antigo amante. Dormindo profundamente, a vítima não podia opor resistência. E, de facto, não opôs, pois sucumbiu rapidamente às punhaladas de Hellen; apenas estrebuchou, revolvendo os lençóis e ficando virado sobre a esquerda. Daí as manchas de sangue no lado esquerdo da cama. Hellen conseguiu trazê-lo para a posição primitiva e compor então a cena do suicídio. Procurou saída pela porta da cozinha, mas não pôde abri-la; lembrou-se de sair pela janela, que deixou, por isso, aberta. Saiu pela escada de serviço, cuja porta estava apenas no trinque.



Eis como arquitectei a prática deste crime, que uma posterior confissão da acusada veio a confirmar. Foi o caso mais rápido da minha carreira, e nem por isso o menos extraordinário.















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CONCURSO DO PROBLEMA POLICIAL

PROBLEMA POLICIAL N.º 6 (sem título)

Problema policial adaptado de original estrangeiro.

Publicado em:

É o leitor um bom detective?

ALTURA n.º 20 – Janeiro.1949





Numa tarde de Verão, Clarence apareceu morto no seu quarto. Este era um dos dois pequenos compartimentos que formavam o lado esquerdo do 1.º andar do prédio. Para eles, subia-se por uma escada que servia os vários andares e que dava acesso à casa de Clarence, por uma porta abrindo para dentro. Esse dentro era um pequeno «hall» sem janelas, abrindo por um arco para o quarto de dormir. Este quarto tinha apenas uma janela deitando para o pátio do senhor William cuja saída se fazia unicamente pela casa deste. A porta tinha sido arrombada e mantinha corrida a lingueta da fechadura. As chaves estavam caídas dentro do «hall», a menos de um palmo da porta arrombada. A janela, de guilhotina, estava fechada.

A polícia mantém presos dois suspeitos: William e Gregory. Sabe que ambos tinham motivos para matar Clarence, mas não há, à primeira vista, qualquer indício seguro. Poderá o leitor ajudá-la?

William afirma que ouviu barulho e entrou pela janela que estava aberta; viu o seu vizinho morto e a porta arrombada e fechada. Assustou-se, receando que o culpassem. Não mexeu em nada e saiu novamente pela janela, que fechou cautelosamente por fora para evitar suspeitas da polícia. Depois, mais calmo, achou preferível apresentar-se voluntariamente e contar o sucedido; foi ele quem avisou a polícia.

Gregory foi preso por ter sido reconhecido a descer a escada do quarto da vítima. Afirma que não entrou no quarto, porque ao chegar lá viu a porta arrombada e ouviu passos dentro do aposento. Receando qualquer coisa desagradável, afastou-se imediatamente; mas não tão rapidamente que não fosse reconhecido pelo porteiro.



Pergunta-se: dos dois suspeitos, qual foi o criminoso?

Qual das versões pode ser verdadeira? Porquê?



Solução do problema

PROBLEMA N.º 6 (Sem título)

Do original estrangeiro.

Publicado em:

ALTURA – n.º 21

Fev. Março de 1949



O criminoso foi William, pois a sua versão é inaceitável. Ninguém – não ser ele – poderia entrar pela janela, visto que esta comunica com a sua casa. Logo, se fosse Gregory o criminoso, ele teria de utilizar a porta para entrar e sair. Ora, o arrombamento da porta foi forjado, porque se a porta abrisse nunca as chaves poderiam estar caídas no chão a menos de um palmo da porta. Quere dizer: a porta nunca poderia ter sido utilizada para sair. Logo, a versão de Gregory pode ser verdadeira; a de William tem de ser falsa, pois só ele poderia utilizar a janela e, por isso, teria de ser ele o criminoso.



AHPPP – É O LEITOR UM BOM DETECTIVE? /H - 24



SEGUNDO CONCURSO DO PROBLEMA POLICIAL





Para este concurso, fica assente o seguinte:

Em cada número de ALTURA publicaremos a solução de um problema policial, ficando à argúcia e imaginação do Concorrente a construção do próprio problema, de modo que a solução esteja certa. Os dados dos problemas enviados pelo Concorrente devem ser descritos da forma mais clara possível. Embora não querendo arrogar-nos o exclusivo da originalidade, atrevemo-nos a apontar os problemas que expusemos nos últimos números, e que podem servir de exemplo.

O Concurso constará de SEIS problemas. Os problemas que melhor se «encaixarem» nas soluções publicadas, serão tornados públicos.







PRIMEIRA SOLUÇÃO PROPOSTA

(Título do problema à escolha do concorrente)

Sugestão de M. Constantino.

Publicado em:

ALTURA – n.º 21

Fev. Março de 1949



«Fora de facto Chris que matara Allam. Como se viu, as botas enlameadas de Bob não estavam sujas por ter lá estado. Também se sabia já que só no local do crime havia lama. Logo, só quem soubesse da existência de lama no ocal e da existência de um «crime» poderia ter tentado lançar as culpas para Bob.

Esse alguém, pelo que ficou dito, só poderia ser Chris.»

E agora, leitor? Ficamos à esperas do seu problema, de que já sabemos antecipadamente a solução.









SEGUNDA SOLUÇÃO PROPOSTA

(Título do problema à escolha do Concorrente)

Sugestão de M. Constantino.

Publicado em:

ALTURA – n.º 22

Abril de 1949



«A janela fechada queria levar a supor que fôra pela porta que o ladrão entrara. Sendo assim, as culpas caíam sobre o criado do banqueiro.

O inspector telefonara para o perito: os diamantes eram falsos. O truque da janela era demasiadamente batido para enganar o inspector: haviam entrado calmamente pela janela, atraindo o criado pelo barulho que haviam feito propositadamente no jardim. Aproveitaram esse momento para saírem peça porta da casa, fechando-a novamente. E assim se roubaram os «diamantes» falsos de um banqueiro falido…











AHPPP – É O LEITOR UM BOM DETECTIVE? /H - 25







TERCEIRA SOLUÇÃO PROPOSTA

(Título do problema à escolha do Concorrente)

Sugestão de M. Constantino.

Publicado em:

ALTURA – n.º 23

Maio de 1949



«O depoimento do Dr. Castle confirmava a lógica dedução do inspector Mallan.

Na verdade, uma vez provada a presença de Mabel no escritório da companhia, das 17 às 19 horas, não podia ter esta assistido à reunião e, portanto, não podia ter-se apoderado dos documentos que foram encontrados às 17 e 30. Porém, o inspector falhou num pormenor, que acusa irremediavelmente Patterson: as chaves que estavam sobre a mesa não eram as de O’Connor, mas as de Mabel, que só a última pessoa a sair poderia ter posto ali. O criminoso é, portanto, Paterson.



QUARTA SOLUÇÃO PROPOSTA

(Título do problema à escolha do Concorrente)

Sugestão de M. Constantino.

Publicado em:

ALTURA – n.º 24

Junho de 1949



«Roberts e Clarissse mentiam. Não podiam ter presenciado a cena uma vez que estavam de costas para o espelho e absorvidos na contemplação do quadro, como demonstrou a dona da casa. Por seu turno, Manuel também mentiu, visto que a figura não podia ficar tombada por assentar no globo que tinha dentro a esfera de chumbo, muito mais pesada do que aquela. De resto, Martin não poderia ter sido o autor do acidente, por duas razões: Por ser muito baixo e, mesmo em bicos de pés e braço estendido, não chegar à janela e porque não estava no terraço quando a janela se abriu violentamente, mas sim a braços com as consequências do génio irascível da tia.

O gigantesco Geofrey, nada tem com o caso, apesar da má vontade que tinha à velha Margaret; o seu proverbial mutismo poderia comprometê-lo um pouco aos olhos de outro que não fosse o nosso arguto Jones, que sabia muito bem o enorme transtorno que a morte de Margaret causaria ao pachorrento administrador…

O acidente, portanto, não foi provocado, mas involuntário, e ocasionado pela imprevidência do criado que devia ter corrido os ferrolhos quando viu que outras janelas se tinham aberto por força da ventania.

Quanto a Roberts, Clarice e Manuel, a sua intervenção no caso explica-se pelo ódio que nutriam contra Martin, que lhes desfizera o sonho, e a quem queriam prejudicar por qualquer forma.















AHPPP – É O LEITOR UM BOM DETECTIVE? /H - 26







QUINTA SOLUÇÃO PROPOSTA

(Título do problema à escolha do Concorrente)

Sugestão de M. Constantino.

Publicada em:

ALTURA – n.º 25

Julho de 1949



«O homem saiu pela porta das traseiras. Não podia ter saído por outra, visto estarem todas fechadas à chave e com esta bem encaixada nas respectivas fechaduras, do lado de fora, e ter-se verificado ser impossível abri-las do lado de dentro. O homem era o próprio detective Mathias, que quis verificar pessoalmente todas as possibilidades de fuga – e verificou com a própria experiência, partindo uma perna. Portanto, está explicada a fractura do antebraço de Simmons, e entorse no artelho do pé esquerdo de Leburgue e as múltiplas contusões que ambos apresentavam. Também está explicado o aparecimento da madeixa de cabelo da vítima junto à porta da garagem, precisamente no local onde caíram os dois assassinos: Simmons e Leburgue.







NOTA CONCLUSIVA:



Terminou assim, a secção da revista ALTURA, sem que fosse conhecido qualquer problema policial produzido a partir dos motes propostos.



Aqui se apresenta, portanto, uma oportunidade, para os criativos problemistas de agora, que se encontrem em pausa de actividade, aceitarem o repto do mestre M. CONSTANTINO, e, aproveitando as suas dicas e lamirés, construírem - estou seguro disso - interessantes enigmas para a HISTÓRIA DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA.



E já agora, como este ficheiro é um caderno vivo de possibilidades inter activas, e é também um exercício na procura da melhor forma de construir material para o ambicionado solicitamos com humildade, aos nossos camaradas, contertulianos e confrades, que nos enviem os seus comentários, as suas sugestões e críticas, de forma a melhorar e valorizar a preservação deste valioso espólio literário que um dia estará, sem restrições e condicionalismos fúteis, ao dispor dos possíveis interessados.



Saudações amigas do



JARTUR – 2011-01













REVISTA







SECÇÃO DIRIGIDA POR: M. CONSTANTINO







CADERNO HISTÓRICO DESCRITIVO

E DE PROBLEMAS PUBLICADOS





COMPILAÇÃO DE: JARTUR 2011-01

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito interessante, apesar de pouco fácil leitura. Obrigado ao Jartur e parabéns pelo aniversário
Deco