segunda-feira, 4 de abril de 2011

POLICIÁRIO 1028

Publicamos hoje a primeira parte da prova n.º 4 do Campeonato Nacional, de autoria de um dos confrades que melhor encarna a dupla função de produtor e decifrador, sempre com excelência: O Inspector Boavida.

Este regresso do personagem Smaluco aos conturbados tempos do PREC (processo revolucionário em curso), exige dos “detectives” a máxima atenção, para evitar surpresas desagradáveis.

CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL

PROVA N.º 4 – PARTE I

SMALUCO E O PERIGOSO BOMBISTA, Original de Inspector Boavida

Natália está de volta à prisão e Smaluco de regresso ao desconsolo de um quotidiano triste, cinzento, amargo. Vai recomeçar o fadário de idas e vindas entre Lisboa e Tires, para um reencontro diário sem alento, sem chama. Os quinze dias de licença precária de Natália souberam a pouco, mas foram mais saborosos do que os muitos anos em que os dois andaram mutuamente perdidos. Agora, com as grades do cárcere a separá-los, resta pouco mais do que recordar estes curtos dias de liberdade e as loucas aventuras dos primeiros anos em que viveram a paixão que os une desde que os seus olhares se cruzaram pela primeira vez, nos idos de 1974, em pleno PREC.
Os tempos conturbados, mas gloriosos e eufóricos, que se seguiram à Revolução dos Cravos, foram os que deixaram mais marcas memoráveis nas vidas dos dois amantes. A amargura, o desânimo e a apatia que se vivia em todo o país, fruto de mais de quatro décadas desbaratadas pelo Estado Novo, haviam dado lugar ao sonho de um futuro mais justo, mais solidário, mais humanista. Eles andavam duplamente inebriados, pelo amor e pela revolução. Era raro o dia em que não se juntavam ao povo, para festejar nas ruas o fim da guerra ou para gritar em defesa dos militares de Abril sempre que surgiam notícias de ameaças internas ou externas à Liberdade reconquistada.
Em Julho de 1974, poucos dias depois dos cravos inundarem de novo as ruas de quase todo o país, em mais uma manifestação de apoio ao MFA, chegaram à Judiciária notícias de que um perigoso bombista italiano perito em disfarces e falsificações se preparava para perpetrar um atentado terrorista em Lisboa. Segundo as autoridades responsáveis pelo controle e segurança das nossas fronteiras, haviam entrado em Portugal cinco dezenas de cidadãos estrangeiros, que urgia colocar sob vigilância. Todos os agentes disponíveis foram convocados para aquela missão. Até Smaluco, que normalmente se ocupava apenas de pequenos delitos, foi chamado a intervir.
Disfarçado de turista brasileiro em lua-de-mel, Smaluco hospedou-se numa luxuosa unidade hoteleira da capital onde haviam sido sinalizados três dos suspeitos: um judeu, um francês e um espanhol. A gravidade do caso exigia celeridade, descrição e perspicácia. Manhã cedo, já ele circulava pelos espaços comuns do hotel, abraçado à sua jovem namorada Natália, que se dispôs a acompanhá-lo. O judeu Aki Abdul madrugara. Acabara de tomar o pequeno-almoço e preparava-se para colocar a leitura em dia. Sentou-se num confortável sofá, no lobby, colocou um jornal sobre a mesinha de apoio, retirou do bolso do casaco os óculos de lentes grossas e aros finos e ignorou Smaluco.
De pé, apoiado nas costas do sofá, Smaluco não desistiu da tentativa de abordagem. O homem continuou a leitura. Natália, que se aproximara do sofá, de frente para ele, deixou escapar um «Ah!» quando, ao seguir com o seu olhar, da direita para a esquerda, o movimento rápido do dedo que acompanhava as linhas do jornal, reparou na sujidade escondida por debaixo do verniz que cobria as unhas do homem. Num gesto abrupto, Aki Abdul tirou os óculos, olhou em frente e “rosnou” num inglês impecável: «Quer alguma coisa?». A resposta surgiu-lhe nas costas, pela voz de Smaluco: «Desculpe, não queremos incomodar». «Mas já incomodaram!» – sentenciou o homem.
A situação foi desanuviada pelo ar quase angélico de Natália, que se apresentou como actriz e manifestou interesse em recolher informações sobre os principais acontecimentos culturais da terra de Aki, designadamente o que se relaciona com as artes de palco: «Soubemos que é natural de Tel Aviv e, como vamos para lá nos próximos dias, ousámos abordá-lo». O judeu retorquiu: «Lamento desiludi-la. A minha cidade possui um grande significado histórico e religioso, mas é desprovida de interesses culturais relevantes». E mergulhou de novo na leitura dos caracteres hebraicos. «Oh, que pena!» – disse Natália, afastando-se com uma gargalhada.
O francês Jean-Pierre parecia bem mais agradável. Jovem, atraente, vestido de forma bastante informal, de jeans, sapatos desportivos e t’shirt azul com a Torre de Piza no peito, estava encostado ao umbral de uma janela a admirar a paisagem. Natália dirigiu-se-lhe com um «Ói! Tudo bem?», num português adocicado pelo sotaque e pela delicadeza colocada na voz. O francês não resistiu. Num estranho linguajar, um misto de italiano e castelhano com cambiantes de catalão, o rapaz replicou, sorrindo: «Tudo bem, sim. Estou aqui olhando quem passa… Posso ajudar?». Smaluco interveio: «Pode sim. Vamos amanhã para Paris. Pode dar-nos algumas sugestões de locais a visitar?».
Provocante, Natália aproximou-se mais de Jean-Pierre e sussurrou: «Sabemos onde nasceu. O pessoal da recepção é linguarudo. Só temos três dias para visitar Paris. Ajude-nos». Natália quase se enroscou no pescoço do francês. Ele estava deslumbrado e, ao mesmo tempo, perplexo com o atrevimento. Um nervosismo estranho tomou conta da sua voz, mas lá foi dizendo: «Bom. Paris… tem… muitos encantos. A Torre Eiffel… o Arco do Triunfo… o Museu do Louvre». Natália estava cada vez mais perto do rapaz, respirando quase junto ao seu pescoço. Antes que a situação tomasse proporções incontroláveis, Smaluco puxou-a por um braço e arrastou-a até à recepção.
Na cabine telefónica, o espanhol Pepe Diaz não parava de fazer chamadas. Umas em francês, outras em alemão e outras ainda em inglês. Era óbvio que ele esperava por alguém, porque durante os seus telefonemas, feitos sempre num tom de voz elevado, ia olhando para a porta do hotel. De súbito, surgiu da rua um homem, vestindo um casaco de meia estação de golas levantadas, que trazia um grande embrulho. Pepe desligou a chamada, correu para ele e dirigiu-se-lhe num italiano perfeito: «Dê cá isso. Amanhã quero uma explicação sobre este atraso». Smaluco estava impressionado com o talento do homem para línguas. Ele era aquilo a que se pode chamar um poliglota!
Natália o que mais apreciava no espanhol era o tom da sua pele. Um bronzeado invejável, que fazia sobressair o castanho claro dos seus grandes olhos. Um encanto de homem! Segundo as informações recolhidas, ele era natural de Barcelona e, tal como os outros suspeitos, deslocara-se pela primeira vez ao nosso país. Natália, a um sinal de Smaluco, fingiu tropeçar e atirou-se literalmente para cima do espanhol, fazendo com que ele deixasse cair o embrulho, que Smaluco se apressou a apanhar do chão. Pelo tacto, dir-se-ia que continha algo sólido, pesado, mas emborrachado. Irritado, o espanhol arrancou o embrulho da mão de Smaluco e correu em direcção ao quarto.
Natália e Smaluco sorriram, abraçaram-se, trocaram um beijo terno e apaixonado e foram também eles para aos seus aposentos, dando por concluída a sua missão neste caso. Para eles, não havia sinais de que qualquer dos três suspeitos pudesse ser o temível bombista procurado pela Judiciária. Mas estavam enganados. Nessa tarde, o COPCON surpreendeu um dos três homens com uma quantidade apreciável de explosivos junto ao Palácio de Belém. Durante o interrogatório confessou tudo. Era ele o tal perigoso bombista! Mas qual? – perguntou Smaluco, que, passados tantos anos, ainda hoje precisa que lhe avivem a memória. Ora, façam o favor…


COLUNA DO “C”


PRAZO ATÉ 30 DE ABRIL

Depois de todos os confrades se debruçarem sobre a presente produção do confrade “portuense” Inspector Boavida, um dos nossos melhores e mais prolixos produtores, lendo-a e interpretando-a com o máximo cuidado, deverão efectuar o passo seguinte, enviando a proposta de solução, impreterivelmente até ao próximo dia 30 de Abril, usando um dos seguintes meios:



- Pelos Correios para PÚBLICO-Policiário, Rua Viriato, 13, 1069-315 LISBOA;

- Por e-mail para policiario@publico.pt;

- Por entrega em mão na redacção do PÚBLICO de Lisboa;

- Por entrega em mão ao orientador da secção, onde quer que o encontrem.

Boas deduções!

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