(Problema 54)
TORNEIO DE PREPARAÇÃO
2.ª Problema
O AGENTE ÁLIBI
Original
de: DR. ACÉFALO (V. N. GAIA)
Publicado na
secção POLICIÁRIO em: 18.Outubro.1992
Era
um dia chuvoso. Apesar de serem frequentes as abertas, a atmosfera densa e
sufocante deixava quem nela estivesse envolvido deprimido ou num estado de
semiletargia. Claro que isto não deixava indiferente o agente Álibi que,
independentemente das circunstâncias, se encontrava sempre numa espécie de hibernação,
que só o aparecimento de um “caso” interrompia.
Porém, naquele dia, Álibi parecia
decidido a não se deixar afundar naquela cadeira. Abriu a gaveta a que
normalmente os colegas chamavam “do entulho” e extraiu de um emaranhado de
recortes de problemas de xadrez um baralho de cartas.
Já ia a paciência avançada, quando
ouviu os passos de Duplicado, dirigindo-se ao gabinete. Atabalhoadamente,
juntou as cartas e meteu-as na gaveta. Duplicado entrou no gabinete:
- Bem, Álibi… Esqueceu-se deste ás de
espadas… Arrume melhor o baralho que meteu para aí e vamos em serviço.
Chegaram ao escritório do dr. Mendes,
um abastado notário que fora encontrado morto no seu compartimento com uma faca
nas costas. Ao entrarem pela porta principal, o impacto não podia ser mais
agradável, uma longa e extensa sala em L, em cujas paredes brancas ressaltavam
as cores e formas difusas das serigrafias que nos faziam ser assaltados por
reminiscências do nosso imaginário infantil. Três janelas amplas faziam-nos
afastar a ideia de um escritório de notário soturno e austero.
Enquanto Álibi, aparentemente alheio a
tudo o que se passava, passeava os olhos por umas vitrinas onde estavam
expostos documentos assinados pelo bisavô da vítima (o único elemento que ali
expressava o carácter institucional da firma), Duplicato era guiado pelo chefe
do pessoal e pela secretária do doutor até ao escritório do pessoal,
através de uma porta cujo vidro translúcido permitia que alguma luz da sala de
espera iluminasse um escritório sem qualquer janela.
O
escritório do pessoal e a sala de espera em L perfaziam um rectângulo. O
escritório do pessoal, por sua vez, possuía uma porta que comunicava com o
escritório privativo do dr. Mendes. Quanto ao resto do edifício, havia um pátio
ao qual apenas era possível chegar por meio de uma porta da sala de espera e
outra do escritório privativo.
Ao
entrarem na sala do pessoal, o barulho monocórdico e desgastante das máquinas
de escrever cessou imediatamente. O chefe do pessoal avançou resolutamente para
uma secretária onde se encontrava um homem extremamente apavorado.
-
Ainda não compreendo o que aconteceu… É de dar em doido com tudo isto… Como
ainda trabalho aqui há pouco tempo, tenho de ir frequentemente a outras
secretárias para conseguir esclarecimentos e quando estava a ouvir o senhor
Daniel, vi de repente… Garanto que vi, através da porta, um homem de fato e
chapéu esfaquear o doutor.
Duplicato
olhou para a porta e verificou que possuía espelhos que não permitiam olhar
para dentro.
-
Sabe, o senhor doutor era um pouco malicioso – continuou o chefe de pessoal –
mandou pôr esses vidros porque tinha o prazer de fazer crer às pessoas que
estavam permanentemente vigiadas.
Entraram
no escritório do doutor Mendes. Era um lugar triste, sem uma janela e cujas
paredes eram forradas de poeirentos e volumosos livros. Na verdade, daquele
escritório era possível ver o pessoal a trabalhar.
-
Bem, podemos atingir a sala de espera pelo pátio, não é verdade? – Era a
primeira vez que Álibi abria a boca. Até ali tinha deambulado como uma alma
penada, indiferente ao mundo exterior.
-
Sim. – Respondeu amavelmente a secretária, que abriu a porta do pátio, deixando
o escritório ser invadido por uma magnífica luminosidade, deixando ver partículas
de pó redemoinhando no ar.
Ao
chegarem à sala de espera, a secretária fê-los sentar na escrivaninha situada
logo à direita da porta do pátio e onde recebia os clientes.
-
Durante a manhã esteve cá alguém? – Inquiriu Álibi.
-
Estiveram o doutor Francisco e o professor Gregório, mas como pude verificar,
deixaram o doutor vivo e de boa saúde. Desde então, incluindo as horas mortas
habituais, não vi cá ninguém.
-
Nem mesmo o senhor Alenquer?
-
Oh! O pessoal pode confirmar que estive lá toda a manhã. – Exclamou
surpreendido e ferido na sua honra o Alenquer.
Álibi
sorria… Era o primeiro caso que resolvera desde que fora “despromovido” a
agente.
-
Quem parece estar irremediavelmente comprometido(a) com o crime?
-
Justifique a sua afirmação, descrevendo como tudo se terá passado?
Solução do 2.ª Problema
O AGENTE ÁLIBI
Original
de: DR. ACÉFALO (V. N. GAIA)
Publicado
na secção POLICIÁRIO em: 22.Novembro.1992
Comentário:
Esta prova foi uma das que nasceram mal e portanto mal há-de morrer. Há coisas
assim. Na realidade, não se registou no problema a necessária concretização e
pormenorização, não tendo saído na sua versão integral, provocando duas
situações curiosas: Por um lado, estragou-se um problema que, não sendo de
enorme qualidade, poderia ser um bom exercício; por outro, originou um leque
fabuloso de soluções, dentro daquela máxima que indica que quanto melhor é o
problema piores são, de um modo geral, as soluções, e o inverso. Na realidade,
perante um problema indefinido e não concretizado, os solucionistas, de um modo
geral, lançaram-se ao que existia e fizeram soluções excelentes que só a falta
de espaço nos impede de publicar.
Como
muitos verificaram, a chave do problema relacionava-se com a porta espelhada e
com as movimentações da secretária. O que falhou foi dizer-se que “a superfície
espelhada funcionava pela variação de luminosidade” e portanto era sempre
visível o que se passava no lado mais “iluminado”. Para começar o crime, a
secretária disfarçada, com a sua conivência, abria a porta de acesso ao pátio,
por onde entrava, como se diz no texto, 2uma magnífica luminosidade…”, o que
iria inverter o lado visível e tornar possível q2ue o tal indivíduo fosse visto
a matar o notário. Não sabemos se todas as superfícies espelhadas funcionam
segundo este sistema, o que tornaria o problema correcto e inatacável, mesmo
com a versão actual, mas foi-nos dito que existem espelhos de face única. Daí
estes comentários e a justificação, também, para uma certa “benemerência” em
termos de classificações.
Prometemos
ser mais cuidadosos no futuro, pedindo desde já desculpas pelos transtornos
causados.
Luís
Pessoa
NOTA do Jartur:
O texto que se segue, é um desabafo do autor, e deverá ser, por
quem o desejar, excluído deste ficheiro.
Neste, nos anteriores e nos futuros trabalhos para o «AHPPP», ou
para quaisquer outros fins, não utilizo, não utilizei nem utilizarei na
escrita, as imposições daquilo a que chamam o “Novo Acordo Ortográfico”, porque
não lhe encontro qualquer benefício, em relação à forma de ler e escrever, que
aprendi dos professores e nos livros das escolas, e que fui aperfeiçoando e
memorizando em mais de cinquenta anos de escrita criativa para diversas publicações,
e na leitura e consulta de obras literárias e técnicas, bem como gramáticas,
dicionários, léxicos e enciclopédias.
E mais vejo reforçada a minha teoria, quando ouço e vejo, na Rádio
ou na Televisão, nos pretensos programas de ensino do Português, os “mestres”
dizerem aos «espetadores» que
é assim, mas que também se pode optar pela grafia anterior. Tanto faz assim…
como assado.
Eu fico-me pelo assado… estou «velho” para novas ementas!...
É evidente, porém, que não deixarei de cometer alguns erros e
descuidos involuntários, dos quais desde já me penitencio.
Perdoem-me, pois, os leitores discordantes. A esses, assiste-lhes o
direito de ignorar o que aprenderam antes.
E, já agora…
No entanto, na transcrição de textos actuais ou antigos, qualquer
que seja o Acordo Ortográfico em vigor na época da sua criação, respeitarei a
escrita do autor, ainda que tenha que escrever Pharmácia.
Jartur
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