As chamadas 20 Regras do Romance
Policial, de autoria do escritor policial e crítico literário SS Van Dine, não
passam, na sua essência, da descrição de situações que o autor entende serem
obrigatórias num romance policial e de outras que ele entende serem proibidas,
ou pelo menos a evitar a todo o custo.
Na moderna literatura policial, em que a
qualidade literária e a proximidade com a realidade procuram marcar pontos,
dificilmente encontraríamos espelhadas muitas destas regras. No entanto,
olhando para a obra dos clássicos do Policial, difícil será não as
encontrarmos.
Para os confrades que estejam a planear
abalançar-se na espinhosa tarefa de escreverem um romance policial,
prosseguimos a revelação das regras de SS Van Dine, fazendo votos para que esta
re(publicação) venha a servir para alguma coisa…
AS 20 REGRAS DO ROMANCE POLICIAL – PARTE
II
10. O
culpado deve ser uma pessoa que desempenha um papel mais ou menos importante na
história, isto é, alguém que o leitor conheça e que o interesse. Encarregar do
crime, no último capítulo, uma personagem que acaba de meter no enredo, ou que
teve neste um papel insignificante, seria, da parte do autor, confessar a sua
incapacidade para competir com o leitor.
11. O autor
não deve escolher o criminoso no pessoal doméstico, tais como criados, lacaios,
cozinheiros, ou outros. É uma questão de princípio, porque a solução seria
muito mais fácil e daria ao leitor a impressão de ter perdido o seu tempo. O
culpado deve ser alguém que «valha a pena», alguém de quem se não possa
facilmente suspeitar, porque se se trata de um crime sórdido de criados, seria
ridículo embalsamá-lo num livro.
12. Num
romance policial só deve haver um culpado, sejam os crimes quantos forem. Pode,
evidentemente, ter um cúmplice, mais ou menos anódino, mas a responsabilidade
dos delitos deve pesar inteiramente sobre um único par de ombros: toda a
imaginação do leitor deve poder concentrar-se numa só alma negra.
13. As
sociedades secretas, as máfias, as camarilhas, etc., não tem lugar no romance
policial propriamente dito. O autor que se sirva delas, cai no romance de
aventuras, ou de espionagem. Um crime de morte perpetrado por um membro de uma
dessas organizações, pelo facto de ser de qualquer maneira de culpabilidade
tomada em comum, perderia todo o valor em que assenta o romance policial. O
assassino do romance policial deve ter também as suas possibilidades de êxito,
mas seria exagero fazê-lo pertencer a uma sociedade secreta, com grande
capital, relações poderosas, etc. Um criminoso a valer não quereria ter
vantagens tão grandes no jogo das escondidas com a polícia.
15. O enigma
deve ser aparente em todo o romance, na condição, está claro, de que o leitor
seja bastante perspicaz para dar com ele. Quero eu dizer com isto, que se o
leitor tornasse a ler o livro, depois de ter conhecimento da explicação do
crime, verificaria que de certa maneira a solução saltava à vista desde o
princípio, que todos os indícios convergiam para a identidade do culpado e que,
se tivesse sido tão arguto como o polícia, teria descoberto o segredo, sem ter
que ler até ao último capítulo.
16. No romance
policial não deve haver grandes passagens descritivas, nem análises subtis, ou
preparações de «atmosfera». Seria matéria que só serviria para estorvar, quando
o que se pretende é expor claramente um crime e procurar o culpado. Atrasam a
acção e distraem a atenção, afastando o leitor do objectivo, que consiste em
pôr um problema, analisá-lo e encontrar uma solução satisfatória. Há,
evidentemente, descrições que não se podem eliminar e os traços característicos
são indispensáveis, embora sumariamente, para dar verosimilhança à narrativa.
Sou de opinião que, quando um autor conseguiu dar a impressão do real e captar
o interesse e a simpatia do leitor, tanto para as personagens, como para o
problema, já fez suficientes concessões à técnica puramente literária. Mais,
não seria legítimo, nem compatível com o problema criminal. O romance policial
é de um género muito definido e o leitor não procura nele, nem falbalás
literários, nem virtuosismos de estilo, nem análises profundas, mas estímulo
mental e actividade intelectual, como quando vai a um desafio de futebol, ou se
entrega a um exercício de palavras cruzadas. Uma conferência sobre as belezas
da natureza, feita em público num estádio, não aumentaria o interesse pelos
jogadores, assim como longas dissertações sobre a etimologia e a ortografia,
misturadas com um problema de palavras, só serviriam para irritar quem
estivesse preocupado unicamente com a solução.
(CONTINUA)
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