quinta-feira, 11 de outubro de 2012

JARTURICE OU... JARTURADA - V



TORNEIO DE PREPARAÇÃO
1.ª Problema
NO SILÊNCIO DA NOITE!...
Problema policial rimado
Original de: JARTUR MAMEDE (Porto)
 Publicado na secção POLICIÁRIO em: 11.Outubro.1992



Sem um ai, sem um suspiro,
um corpo caiu no chão!...
E ouviu-se soar um tiro,
no meio da escuridão. 

Ouviu-se o motor dum carro,
e as rodas sobre o asfalto,
deixando marcas de barro,
quando o carro deu um salto.                                                                                                                                                                                             

Ninguém viu, ninguém ouviu,
ninguém soube contar nada…
Polícia logo surgiu,                                           
e deu com a morta gelada.                                

Tinha sido estrangulada,    
e estava semidespida...                                    
com a blusa rasgada,
e a cuequinha descida.                                                                               

Mas não fora violada,
por quem lhe tirara a vida.                                                                          
Nem a carteira roubada,                                     
pois estava no chão caída.                                 

Nem sequer uma pègada, 
nem pistola, nem canhão...                                
Só uma bala encontrada,                                   
e o seu cartucho, no chão.                                 

A Polícia inspeccionou                                        
tudo em volta, com cuidado, 
julgando que quem matou,
pudesse ter-se ocultado.                                    

Na carteira da finada,
tudo fazia sentido.                                 
Estava bem documentada
e tinha o nome do marido. 


Logo aquele procurado,
estava a ver televisão,
bem vestido e acordado,
à espera da Conceição...

Que saíra há meia hora,
para ir à casa da mãe.
- Foi-se embora, porta fora,
sem dizer nada a ninguém.

Ao saber que o corpo fora
numa ruela encontrado,
deu um berro: - Essa agora!...
E ficou aparvalhado.

Refez-se, abrindo a janela,
e disse, já de pistola:
- Se foi o amante dela,
eu dou-lhe um tiro na tola.

O inspector perguntou,
raciocinou, concluíu,
e depois adiantou:
- Se foi ele, já fugiu!...

E ao sair, junto à garagem,
ouviu estalidos e um miado.
E um gato da vadiagem,
sobre o "capot" deitado.

E ao ditar o relatório,
o inspector exclamou:
- Elementar! É notório,
eu já sei quem a matou!

Relê, leitor, estes versos
e escreve a solução,
analisando os diversos,
pormenores de acusação!...




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NOTA:
Como vem sendo hábito fazer, quando reproduzo um problema
dou um salto ao FUTURO, para ir buscar a respectiva solução que,
neste caso (estamos em 11 de Outubro de 1992) só será publicada,
no “Policiário” de 8 de Novembro próximo futuro.     Jartur

NO SILÊNCIO DA NOITE...                                                                                                     


Solução apresentada por: José Augusto Rodrigues da Silva 

Publicada em: 08.Novembro.1992

Elementar meu caro Watson! – diria Sherlock Holmes. Na verdade, é perfeitamente evidente que o autor do crime foi o próprio marido da vátima.
Fundamentos:
1. Se “a Polícia logo surgiu/ e deu com a morta gelada”, incontroverso é que a morte se verificara já há várias horas, pois de contrário não seria essa a temperatura que o corpo apresentaria.
2. “Nem sequer uma pegada/nem pistola nem canhão.” (…) “A Polícia inspeccionou tudo em volta com cuidado.” O conhecimento de tais factos, aliados à conclusão obtida em 1, dão-nos a certeza de que o crime não foi não foi ali cometido e que a vítima ali foi abandonada pelo seu algoz muito tempo após a perpetração do acto criminoso..
3. De resto, é o que nos pretende dizer o verso “sem um ai, sem um suspiro/ um corpo caiu no chão/ e ouviu-se soar um tiro/ no meio da escuridão”. De facto, a ordem sequencial está trocada: primeiro a queda do corpo, depois o tiro. E a causa da morte até fora o estrangulamento… Logo, o tiro foi apenas e só para dar o alarme, para que o corpo fosse rapidamente encontrado.
4. Para além do mais, existiria necessariamente pegadas da vítima e do assassino, no local, se o crime ali tivesse sido cometido, porquanto o carro, ao arrancar, deixou sobre o asfalto marcas de barro e a Polícia, ao inspeccionar tudo em volta com cuidado, não encontrou sequer uma pegada. Nem sequer da vítima… como iria ali ter, sem pegadas?
Portanto, crime ali não cometido, e o corpo apenas ali “despejado” do carro, pelo assassino, e um tiro por este disparado pelas razões já expostas.   
5. “Estava semi despida/ com a blusa rasgada/ e a cuequinha descida, mas não fora violada/ por quem lhe tirara a vida”. Logo, o móbil do crime não fora o que se pretendia evidenciar – obviamente para despistar quanto ao seu autor.
6. Porque “nem a carteira roubada/ pois estava no chão caída/ e na carteira da finada/ tudo fazia sentido”, também o móbil do roubo não podia ser admissível.
7. Mas tinha o nome do marido logo ali à vista. Curioso. Porquê? Nem sequer é natural… Claro que pela razão do tiro: para conduzir a Polícia de imediato até junto dele e encontrá-lo em casa, com este pretendido álibi.
8. “Bem vestido e acordado.” Bem vestido, à noite, em casa, a ver televisão? Não seria mais natural, nessas condições, a utilização de uma indumentária mais ligeira, quiçá até um pijama ou roupão?
9. De qualquer modo, mesmo que tais indícios bem reveladores da sua culpabilidade não existissem, o marido da vítima logo se encarregou de “assinar” a sua confissão de culpa, ao declarar que a mulher saíra há meia hora. E que, apenas poucos minutos antes, ela aparecesse já gelada...
          10. E se, como disse, ela se foi embora, porta fora, porta fora, sem dizer nada a ninguém, como saberia ele que a mulher saíra para ir a casa da mãe? Com todos estes factos, a culpabilidade já não deixava margem para dúvidas. Mas há mais…
          11. O inspector, ao sair, junto à garagem, “ouviu estalidos e um miado, e um gato da vadiagem, viu sobre o “capot” deitado”. Claro, que os estalidos provinham do motor do carro, resultantes do seu gradual arrefecimento, factor demonstrativo da sua recente utilização e chegada.
          12. E não é que o tal gato vadio contribuiu também para incriminar o criminoso? Logo o bicho se havia de ir deitar sobre o “capot” do carro, desfrutando do calor que ele ainda transmitia, chamando para o facto a atenção do inspector…
            E é tudo. Cumprimentos.          
  José Augusto Rodrigues da Silva (2000 - Santarém)

NOTA:
Não resistimos a publicar esta solução por se tratar de um excelente exercício de dedução e capacidade de síntese. Esperamos que seja um bom exemplo, a seguir por todos!
                                                           Luís Pessoa


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