Hoje, 15 de Dezembro, sábado,
pelas 21.30 horas, será lançada a Antologia de contos, organizada por Maria de
São Pedro, a Hélia do Policiário e que vai contar com a participação de autores
como Adelina Barradas de Oliveira, Andreia Sotta, José Jorge Letria, Luís
Pessoa, Maria Alberta Menéres, Maria de São Pedro, Pepita Tristão e Tânia Bengs.
A antologia, que terá a
chancela da editora Fonte da Palavra, reunirá escritos onde a presença da
felinidade nas nossas vidas e o mistério das relações dos felinos com o Homem,
estarão sempre presentes.
O lançamento decorrerá em
Oeiras, nas instalações da Luchapa – Associação Artística e Cultural, sita no
Palácio do Egipto, Rua Dr. Neves Elyseu e terá a apresentação de Armando
Cardoso Soares.
E porque o Inspector Fidalgo
também vai contar no livro um dos seus casos, aqui fica o convite a todos os
confrades e leitores que possam e queiram comparecer.
Do conto “A HORA MALDITA” em que
o Inspector Fidalgo participa, fica um extracto:
(…) Dias depois, na
sequência da investigação, uma vaga de prisões, conduzia para trás das grades
alguns dos implicados, entre os quais o Dr. Lúcio, sem dúvida o mais mediático.
A televisão, a
rádio, a imprensa escrita nacional, mas sobretudo a regional fez eco do
desmantelamento de uma terrível rede de tráfico de novos tipos de drogas, da
prisão dos seus membros, entre os quais um médico, com muitos contornos sórdidos
e especulações suficientes para causar a perplexidade de toda a gente. Para
eles, a Polícia agiu com muita competência e as Beiras, o País e o Mundo
ficaram mais limpos e felizes…
O mais intrigante e
inesperado foi que de todos os cantos das Beiras ecoaram gritos de revolta, que,
pouco a pouco, se transformaram em luta acesa, com apelos à mobilização contra
a injustiça da prisão do “santo”, do “anjo” Dr. Lúcio. Parecia que ninguém
acreditava no seu envolvimento, ou que todos sabiam alguma coisa mais, que não
podiam ou queriam contar.
E naquele dia de
quente Maio, uma sexta-feira, dia 13, uma multidão anónima, quase silenciosa
nos seus cânticos sussurrados, calma, estranhamente ordeira, numa paz inusitada,
tomou os caminhos das serranias mais recônditas, rumo à cidade. De todos os
cantos apareceram gentes, do Douro ao Mondego, das Espanhas ao mar…
Os relatos falavam
de arruamentos enchendo-se de pessoas e das portas da penitenciária, abertas de
par em par, de lá saindo um vulto franzino, quase insignificante, embrulhado
numa túnica, garantindo alguns que vinha aconchegando nos braços um enorme e
esplendido gato preto, de pelo sedoso e brilhante, cujos olhos faiscavam, numa
luz intensa que se sobrepunha à luminosidade do dia acalorado.
Logo atrás, seguiam
alguns presidiários invulgarmente calmos, absortos na figura mirrada que os
precedia, como que fascinados.
Em cortejo,
percorreram os caminhos da Sé, por entre alas de rostos maravilhados que logo
se alinhavam atrás do “santo” após a sua passagem, perante a incredulidade dos
agentes policiais, completamente incapazes de agirem, como que enredados numa
teia poderosa que o calor abrasador e tempestuoso mais acentuava.
Os guardiães do
templo saíram alvoraçados para impedirem a entrada daquele “santo”, mas também
a sua determinação foi vergada quase de imediato por força invisível e
misteriosa, caindo de joelhos, um após outro, franqueando a pesada porta e
dando passagem ao cortejo. Que estranha força era aquela, de onde irradiava,
daquele ser franzino e discreto à vista e ao contacto, ou como garantiam alguns
que juravam tê-lo visto, daquele magnífico felino lustroso, simultaneamente
tranquilizador e selvagem, naquela sexta-feira, dia 13?
Fidalgo olhou para
Eugénio e notou-lhe uma serenidade absurda, perante os factos. O seu olhar
estava pregado no alto da torre e Fidalgo seguiu-o…
O vulto franzino de
Lúcio abriu os braços perante a multidão e Fidalgo viu-o dando largas ao felino
que logo pulou para o sino, num salto magistral e dominador, parecendo absorver
no seu olhar fulminante, todos os olhos que se fixavam na cena que ali se
desenrolava.
Com voz sumida, mas
audível, Lúcio dirigiu-se aos seus seguidores:
- Meus Amigos, ide
para vossas casas. O que estais a fazer não está certo. Não mereço a vossa
presença, não sou santo nem demónio, sou como todos vós!
E um coro de
milhares de vozes ecoou na vetusta praça granítica:
- Santo! Santo!
Santo!
Fidalgo ouviu o gato
miar, quase rugir, parecendo maior que nunca, trepou para a cúpula, dominando
toda a praça, abriu a boca, mostrando uns dentes alvos, em contraste com o pelo
escuro como breu, os olhos brilhando como diamantes polidos, assumindo uma pose
altiva e dominadora…
Lúcio continuou:
- Não, não, eu sou
como vocês! Sabem quem sou, o que fiz e porque o fiz, isso chega-me e
reconforta-me. Dizem que infringi as leis dos homens e que tenho de pagar a
minha dívida, mas sinto o consolo de não ter infringido as leis dos vossos
corações e agradeço-vos por isso. Estais aqui porque quisestes vir, ninguém vos
obrigou. E eu fiz o que fiz porque foi esse o meu desejo.
Parti, meus amigos, porque
também eu tenho que partir! Ide para casa!
- Santo! Santo!
Santo!
Os homens que o
acompanharam na caminhada e na subida ao campanário, chegaram-se mais à frente,
aproximaram-se mais dele, ajoelharam-se como que a pedir perdão de alguma coisa
e depois de receberem um aceno aprovador e umas quantas palavras que se
perderam no ar, precipitaram-no do alto da torre.
A queda desamparada
nos degraus da escadaria monumental ocorreu no preciso momento em que um raio
varreu os céus escurecidos, perante o silêncio sepulcral da multidão, que
ajoelhou num gesto único. No momento seguinte, o ribombar do trovão abanou os
ares e uma chuva diluviana abateu-se sobre aquela multidão muda e imóvel.
Em completo êxtase,
Fidalgo não conseguia desviar o olhar da torre, como se o Lúcio ainda lá
estivesse, onde o relógio marcava a hora maldita, 13 horas e 13 minutos e só
despertou do torpor em que se encontrava para seguir Eugénio quando este virou
as costas à Sé e caminhou, determinado, por entre a multidão de joelhos, para
fora da praça. (…)
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