VIRTUALIDADES DO POLICIÁRIO
O
Policiário coloca cada participante perante as várias situações possíveis, ou
seja, como vítima, como testemunha, como suspeito, como criminoso e como
detective. Portanto, o criador do enigma tem que juntar todos os
intervenientes, colocar cada qual no seu lugar, estudar e planear a cena onde
se desenvolve a acção, deixar os indícios que conduzam à decifração, apontando
a um único culpado e ilibando os restantes.
Quer
isto dizer que um produtor de enigmas policiários tem que dominar toda a acção,
porque não lhe é apresentado um caso, ele tem é que fabricar esse caso.
Ao
decifrador cabe interpretar os elementos que lhe são fornecidos e chegar a um
resultado credível.
O
policiarista confronta-se, a todo o momento, com a lógica das ilações que vai
retirando dos factos que lhe são apresentados, desenvolvendo, portanto, uma
cadeia lógica de raciocínio, que vai poder aplicar na sua vida.
Não
é por acaso que as pessoas mais capazes de ler, interpretar, encadear
logicamente os dados fornecidos, retirando as ilações necessárias, ficam muito
mais apetrechados para a sua vida profissional e pessoal, conseguindo dar
respostas mais rápidas e certeiras às questões que surjam.
Mas
há também uma vertente de prevenção. Um policiarista entende melhor as
situações, ao ficar perante elas, porque aprendeu a lidar diariamente com elas,
na ficção. Assim é muito melhor observador, detecta e aponta pormenores
fundamentais para a posterior captura de um criminoso, sabe o que é essencial
que anote na sua memória visual, auditiva e sensorial. É uma testemunha
agradável para qualquer investigador.
BRICADEIRAS QUE FAZEM PENSAR…
Há
histórias engraçadas, muito falaciosas, sobre testemunhas e ilusões, como por
exemplo a de um crime que é cometido e há duas testemunhas que juram que viram
o criminoso. Quando chega o momento da identificação, os dois apontam um certo
indivíduo, sem reservas. Já em pleno julgamento, ambos são taxativos na
identificação, mas então aparece um irmão gémeo do suspeito, igualzinho! As
testemunhas hesitam, não conseguem apontar qual deles viram no local do crime…
Problema
insolúvel? Nem por isso, o juiz ordena a reclusão de ambos e retoma o
julgamento duas semanas depois. Nessa audiência, um dos manos aparece gordo e
anafado, rosado, respirando saúde, enquanto o outro está enfezado, magríssimo…
O juiz não tem dúvidas, manda libertar o gorducho…
A
conclusão, para esse juiz foi simples: “o que não mata, engorda!”
UMA AJUDA (POSSÍVEL) NO ENSINO!
Mas
uma das facetas mais importantes é aquela que se relaciona com o ensino e a
aprendizagem.
A
nível do secundário ou mais baixo ainda, há matérias que manifestamente não
atraem as simpatias, sendo um martírio para quem dá essas aulas, como será um
martírio para quem tem de as receber.
Aí,
o Policiário pode ser a gazua que abra as portas fechadas, mercê da
apresentação da matéria sob a forma de enigmas para decifrar, metendo “buchas”
aqui e ali, questões a exigirem decifração apenas ou maioritariamente com a
ajuda das “células cinzentas”. É na utilização destas que se deve apostar.
Uma
história verdadeira que se passou nos anos 80 do século passado, em escola
problemática da zona de Lisboa, num dos subúrbios onde se cruzavam alunos de
“n” nacionalidades, raças, etnias.
Eram
alunos entre os 14 e os 16 anos e o conselho directivo da escola resolveu criar
actividades extracurriculares, que decorriam nas tardes em que os alunos não
tinham aulas. Feito o convite para ministrarmos algumas horas ficámos com uma
sala de 20 e tal alunos, completamente desinteressados, em que todos gritavam
uns com os outros e só dois ou três permaneciam calados porque dormiam…
As
primeiras aulas foram surrealistas, porque nos limitámos a falar, falar sempre,
embora ninguém nos ouvisse, mas os jovens iam aparecendo.
Quando
o clima ajudou, conduzimos aquela malta para o exterior e começámos a procurar
indícios, pequenas coisas interessantes, observando o terreno, apanhando
objectos com os cuidados próprios para não haver contaminação. Umas lupas serviram
para aumentar o interesse. Umas impressões digitais levantadas de vidros, com
ajuda de fita-cola; umas pegadas de que fizemos moldes, para guardar e mais
tarde comparar para sabermos a quem pertenciam; calculámos alturas a partir do
tamanho de pegadas, vimos e comparámos objectos no microscópio etc., etc. ...
Curiosamente,
passadas algumas semanas já não eram 20 e tal os alunos, mas mais de 40, a
quererem experimentar…
Passámos
a pequenos textos com problemas policiários muito simples e as respostas foram
excelentes. Quando as férias da Páscoa se aproximaram, demos livros policiais a
todos e muitos leram-nos e discutimos os crimes e alguns até tinham ideias
diferentes sobre o fim da história, outros mostravam-se zangados por serem
“enganados” pelo autor…
Durante
aquelas horas, a atenção dos alunos era excelente, traziam representações de
crimes e a sala assistia e tentava decifrá-los e no fim era grande a discussão,
em que muitas vezes o autor não saia lá muito bem…
Os
resultados escolares subiram bastante, porque passou a ser “quase” condição
necessária para frequentar o Policiário que houvesse boas notas nas disciplinas
curriculares e os alunos pediam ajuda nos estudos.
Os
próprios professores das cadeiras ficaram espantados com a alteração produzida.
MÁS INFLUÊNCIAS NAS CRIANÇAS?
Não
retiramos, naturalmente, qualquer ilação científica, porque não foi uma
experiência estudada, estruturada, foi um bocado ao sabor da corrente, mas que
se registaram grandes avanços naqueles jovens, isso foi inegável.
Claro
que as resistências foram muitas, houve queixas por estarmos a “incentivar a
violência e o crime” nas “criancinhas” e ainda antes do final do ano, a
pretexto de mais uma alteração curricular qualquer, tudo acabou.
Alguns
desses jovens, hoje bem trintões, decifram enigmas nesta nossa secção e não
consta que tenham enveredado pelo crime ou façam xixi na cama…
1 comentário:
Subscrevo integralmente!
Um abraço
Zé
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