Desvendamos
hoje a solução do problema que constituiu a parte II da prova n.º 7 das nossas
competições desta época, enigma de autoria de Zé da Vila, um dos pseudónimos
usados pelo confrade que é unanimemente considerado o Mestre da produção de
problemas policiários: M. Constantino, de Almeirim.
A
ele dedicamos, esta semana, o nosso espaço, numa altura em que o próprio M.
Constantino anuncia a retirada da produção de enigmas e em que se ergue um coro
de protestos de todos os confrades que se habituaram a ver nos seus escritos,
desafios de enorme qualidade e rigor.
Não queremos deixar de unir a nossa voz ao
apelo para que o Mestre da Produção Policiária, não leve por diante os seus
intentos, deixando de nos honrar com os seus problemas, sempre renovados,
sempre intelectualmente desafiantes.
CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL
SOLUÇÃO
DA PROVA N.º 7 – PARTE II
O
ENIGMA DA MORTE DO CONSTRUTOR – de ZÉ DA VILA
Se
colocou a cruzinha na segunda alínea (Tratou-se de suicídio) fez um bom
trabalho de pesquisa e dedução. Acertou!
Resposta
correcta: 2- Tratou-se de suicídio.
Na
verdade, está fora de questão a hipótese de acidente, visto que seria muito
estúpido apontar, involuntariamente, à cabeça uma arma carregada. E, no caso da
arma ter caído disparando acidentalmente ao bater no chão, dado que a vítima
estava em pé, nunca o projectil a atingiria na cabeça. Quando muito, as pernas
ou o dorso. Igualmente, temos de excluir a morte por assassínio cometido por
uma das mulheres, por falta de apoio à tese, na narrativa.
O
suicídio foi pensado de modo a parecer um assassínio, com vista ao pagamento do
seguro à Clara. Na quase totalidade das apólices de seguro de vida, não cabe o
suicídio, ou fazem depender o pagamento de um período de vida mais ou menos
longo. Assim, Aguiar possuía a arma ideal que evita puxar o gatilho três vezes
– nenhum suicida o consegue fazer – porquanto aquela automática dispara em
rajada com uma única pressão no gatilho. E a cremalheira 93 R, adaptada à arma
suicida, limita a rajada a três tiros!
Aguiar
pensou em tudo: Limpou as balas quando carregou a arma (as impressões digitais
seriam gato escondido com rabo de fora); espalhou as lâminas cortando
propositadamente os dedos indicador e superior da mão direita, nos quais
enrolou grossa camada de adesivo de modo a fazer crer que os disparos foram de
outrem, uma vez que não podia disparar com a mão direita e os tiros foram disparados
no lado direito da cabeça. Pegou na arma com a mão esquerda, apontou à cabeça
do lado oposto e premiu o gatilho! O impulso no mesmo gatilho, permitiu atingir
o ouvido, o cérebro e o tecto (3 munições da rajada). As impressões digitais na
arma pretenderam passar a ideia de assassino desconhecido!
M. CONSTANTINO, O MESTRE DA PRODUÇÃO
Não
são necessárias muitas palavras para definir M Constantino, aquele que é,
unanimemente considerado o melhor produtor de enigmas policiários, em
actividade.
Conhecemo-lo
há longos anos em diversas facetas da sua vida policiária, não só como produtor
excelente, mas igualmente como ensaísta e estudioso destes assuntos, com
trabalhos importantes, felizmente muitos publicados graças à Associação
Policiária Portuguesa (que permanece em longa e teimosa letargia), mas também
como conviva, sempre presente em todos os eventos de relevância na nossa vida
policiária.
Destacamos,
entre as suas mais importantes obras, a “História da Narrativa Policiária”, a
“Antologia Portuguesa de Contos Policiais” (ambas em 2 volumes), o “Grande
Livro da Problemística Policiária”, o “Manual da Enigmística Policiária”,
“Antologia dos 150 Anos da Literatura Policial (1841 a 1991), “Os Elementos
Fundamentais na Narrativa Policiária Clássica”, etc. etc.
Atentemos
às suas palavras, onde encontramos muito daquilo que nos anima e move no
Policiário:
«O homem encontra no enigmático algo que lhe excita o
espírito e lhe motiva a curiosidade.
Posto perante um mistério, todas as faculdades se lhe
alertam e, atentas, se debruçam em torno do problema.
Sente prazer íntimo em seguir passo a passo todas as pistas
até alcançar o objectivo.
Satisfaz-se ao conseguir rodear as dificuldades, tanto
como vencer obstáculos que se apresentam intransponíveis.
E quanto mais a precisão dos factos não se permite que se
vislumbre sombra de uma estrada, maior é o apego e o desenvolvimento do
cérebro, maior é a satisfação da vitória.
Segundo Bergson, um problema que inspira atenção é uma
representação duplicada de uma emoção, sendo ao mesmo tempo a curiosidade, o
desejo e a alegria antecipada de o resolver. É o desafio posto que impele a
inteligência diante das interrogações, vivifica, ou antes vitaliza os elementos
intelectuais com os quais fará corpo até à solução.
A própria vida cifra-se em constante mistério, um enigma
constante que a humanidade procura solucionar o melhor e mais rapidamente
possível. O obscuro nunca nos desampara, desafia-nos.
De prazer espiritual que se sente em desvendar
incógnitas, desvanecimento de sobressair, simples divertimento, tudo conduz a
que os homens do povo na sua singeleza através de simples adivinhas que andam
de boca em boca, os letrados com bem urdidos trabalhos, os sábios na esfera da
humanidade, acorram ao seu cultivo e decifração.»
M. Constantino, “Manual da Enigmística Policiária”,
Edição da Associação Policiária Portuguesa, 1995