domingo, 5 de outubro de 2014

POLICIÁRIO 1209


[Transcrição da secção n.º 1209 publicada 
hoje no jornal PÚBLICO]

PROBLEMA ADIADO

Podia ser o título de um novo desafio, mas não é o caso.
A realidade é que surgiram dificuldades de última hora com o problema que deveria constituir a prova n.º 9 do Campeonato Nacional, que tentámos resolver, sem sucesso.
Fica, assim, adiada a sua publicação para a próxima semana.
Digamos que os nossos “detectives” vão dispor de mais uma semana de relativo repouso, antes dos derradeiros assaltos às melhores classificações.
A todos os confrades, “detectives” e leitores, apresentamos as nossas desculpas pelo contratempo, cujas responsabilidades nos cabem por inteiro.

Não sendo assunto que estivesse programado para esta secção, por motivos óbvios, regressamos ao que foi a conferência que o Inspector Fidalgo proferiu em Março de 2012 na Universidade de Évora, desta vez orientada para as questões da aprendizagem e do ensino, em que o Policiário pode (deve) funcionar como um potente instrumento para abrir resistências.


O POLICIÁRIO EM ÉVORA 2012
(Continuação)

Em Março de 2012, no dia 29, o Inspector Fidalgo deslocou-se à Universidade de Évora para proferir uma breve palestra, a convite do Departamento de Química.
Da sua intervenção, principalmente dirigida a uma audiência constituída por estudantes universitários, mas também do secundário, uma vez que foram distribuídos os prémios do concurso “Desvenda o crime…”, dirigido aos estudantes do secundário, destaque para algumas considerações, que vamos aqui relembrar, aproveitando esta pausa forçada…

A QUÍMICA DO CRIME…

A APRENDIZAGEM

Uma das facetas mais importantes do Policiário é aquela que se relaciona com o ensino e a aprendizagem.
Não é tanto para vocês, que já estão no curso que pretendem (mais ou menos, em alguns casos, porque às vezes não se entra no curso escolhido), mas a nível do secundário ou mais baixo ainda, há matérias que manifestamente não atraem as simpatias, sendo um martírio para quem dá essas aulas, como será um martírio para quem tem de as receber.
Aí, o Policiário pode ser a gazua que abra as portas fechadas, mercê da apresentação da matéria sob a forma de enigmas para decifrar, metendo “buchas” aqui e ali, questões a exigirem decifração apenas ou maioritariamente com a ajuda das “células cinzentas”. É na utilização destas que se deve apostar.

Deixem-me contar uma história verdadeira que se passou nos anos 80 do século passado, numa escola problemática da zona de Lisboa, num subúrbio onde se cruzavam alunos de “n” nacionalidades, raças, etnias.
Eram alunos entre os 14 e os 16 anos e o conselho directivo da escola resolveu criar actividades extracurriculares, que decorriam nas tardes em que os alunos não tinham aulas. Fui convidado para ministrar algumas horas e fiquei com uma sala de 20 e tal alunos, completamente desinteressados, em que todos falavam, gritavam uns com os outros e só dois ou três permaneciam calados porque estavam a dormir…
Bom, as primeiras aulas foram surrealistas, porque não me calei nem um bocadinho, embora soubesse que ninguém me ouvia, mas os jovens iam aparecendo.
Quando o tempo ajudou, levei aquela malta para o exterior da sala e começámos a procurar indícios, pequenas coisas interessantes, observando o terreno, apanhando objectos com os cuidados próprios para não haver contaminação. Umas lupas serviram para aumentar o interesse; umas impressões digitais levantadas de vidros, com ajuda de fita-cola; umas pegadas de que fizemos moldes, para guardar e mais tarde comparar para sabermos a quem pertenciam; calculámos alturas a partir do tamanho de pegadas, vimos e comparámos objectos no microscópio etc., etc. ...

Curiosamente, passadas algumas semanas já não eram 20 e tal os alunos, mas mais de 40, a quererem experimentar…
Distribui, então, pequenos textos com problemas policiários muito simples e as respostas foram excelentes. Quando as férias da Páscoa se aproximaram, dei livros policiais a todos e muitos leram-nos e discutimos os crimes e alguns até tinham ideias diferentes sobre o fim da história, outros mostravam-se zangados por serem “enganados” pelo autor…
Durante aquelas horas, a atenção dos alunos era excelente, traziam representações de crimes e a sala assistia e tentava decifrá-los e no fim era grande a discussão, em que muitas vezes o autor não saia lá muito bem…

Os resultados escolares subiram bastante, porque passou a ser “quase” condição necessária para frequentar o Policiário que houvesse boas notas nas disciplinas curriculares e os alunos pediam ajuda nos estudos.
Os próprios professores das cadeiras ficaram espantados com a alteração produzida.

Não retiro, naturalmente, qualquer ilação científica, porque não foi uma experiência estudada, estruturada, foi um bocado ao sabor da corrente, mas que se registaram grandes avanços naqueles jovens, isso foi inegável.

Claro que as resistências foram muitas, houve queixas por estarmos a “incentivar a violência e o crime” nas “criancinhas” e ainda antes do final do ano, a pretexto de mais uma alteração curricular qualquer, foram suspensas aquelas aulas.

Alguns desses jovens, hoje bem trintões, decifram enigmas na secção de Policiário que aos domingos oriento no PÚBLICO vai para 20 anos, que se completam no próximo dia 1 de Julho.

Em suma, o Policiário é uma actividade lúdica aberta a todos, que nos permite fabricar os nossos crimes, os nossos desafios, dar vida (e morte também!) aos personagens que queremos, nas situações pretendidas. Mas também nos permite decifrar os enigmas propostos, aplicando a leitura, a interpretação, a análise dos textos, etc.
E como usamos, na feitura e decifração, todos os instrumentos reais de uma investigação, bem podemos dizer que somos detectives a sério, agimos como eles e ainda acrescentamos o domínio da escrita, que nós necessitamos e eles nem por isso. (continua)


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