[Transcrição da secção n.º 1209 publicada
hoje no jornal PÚBLICO]
PROBLEMA ADIADO
Podia ser o título de um novo desafio, mas não é o caso.
A realidade é que surgiram dificuldades de última hora com o problema
que deveria constituir a prova n.º 9 do Campeonato Nacional, que tentámos
resolver, sem sucesso.
Fica, assim, adiada a sua publicação para a próxima semana.
Digamos que os nossos “detectives” vão dispor de mais uma semana de
relativo repouso, antes dos derradeiros assaltos às melhores classificações.
A todos os confrades, “detectives” e leitores, apresentamos as nossas
desculpas pelo contratempo, cujas responsabilidades nos cabem por inteiro.
Não sendo assunto que estivesse programado para esta secção, por
motivos óbvios, regressamos ao que foi a conferência que o Inspector Fidalgo
proferiu em Março de 2012 na Universidade de Évora, desta vez orientada para as
questões da aprendizagem e do ensino, em que o Policiário pode (deve) funcionar
como um potente instrumento para abrir resistências.
O POLICIÁRIO EM ÉVORA 2012
(Continuação)
Em
Março de 2012, no dia 29, o Inspector Fidalgo deslocou-se à Universidade de
Évora para proferir uma breve palestra, a convite do Departamento de Química.
Da
sua intervenção, principalmente dirigida a uma audiência constituída por
estudantes universitários, mas também do secundário, uma vez que foram
distribuídos os prémios do concurso “Desvenda o crime…”, dirigido aos
estudantes do secundário, destaque para algumas considerações, que vamos aqui
relembrar, aproveitando esta pausa forçada…
A QUÍMICA DO CRIME…
A APRENDIZAGEM
Uma
das facetas mais importantes do Policiário é aquela que se relaciona com o
ensino e a aprendizagem.
Não
é tanto para vocês, que já estão no curso que pretendem (mais ou menos, em
alguns casos, porque às vezes não se entra no curso escolhido), mas a nível do
secundário ou mais baixo ainda, há matérias que manifestamente não atraem as
simpatias, sendo um martírio para quem dá essas aulas, como será um martírio
para quem tem de as receber.
Aí,
o Policiário pode ser a gazua que abra as portas fechadas, mercê da
apresentação da matéria sob a forma de enigmas para decifrar, metendo “buchas”
aqui e ali, questões a exigirem decifração apenas ou maioritariamente com a
ajuda das “células cinzentas”. É na utilização destas que se deve apostar.
Deixem-me
contar uma história verdadeira que se passou nos anos 80 do século passado,
numa escola problemática da zona de Lisboa, num subúrbio onde se cruzavam
alunos de “n” nacionalidades, raças, etnias.
Eram
alunos entre os 14 e os 16 anos e o conselho directivo da escola resolveu criar
actividades extracurriculares, que decorriam nas tardes em que os alunos não
tinham aulas. Fui convidado para ministrar algumas horas e fiquei com uma sala
de 20 e tal alunos, completamente desinteressados, em que todos falavam,
gritavam uns com os outros e só dois ou três permaneciam calados porque estavam
a dormir…
Bom,
as primeiras aulas foram surrealistas, porque não me calei nem um bocadinho,
embora soubesse que ninguém me ouvia, mas os jovens iam aparecendo.
Quando
o tempo ajudou, levei aquela malta para o exterior da sala e começámos a
procurar indícios, pequenas coisas interessantes, observando o terreno,
apanhando objectos com os cuidados próprios para não haver contaminação. Umas
lupas serviram para aumentar o interesse; umas impressões digitais levantadas
de vidros, com ajuda de fita-cola; umas pegadas de que fizemos moldes, para
guardar e mais tarde comparar para sabermos a quem pertenciam; calculámos
alturas a partir do tamanho de pegadas, vimos e comparámos objectos no
microscópio etc., etc. ...
Curiosamente,
passadas algumas semanas já não eram 20 e tal os alunos, mas mais de 40, a
quererem experimentar…
Distribui,
então, pequenos textos com problemas policiários muito simples e as respostas
foram excelentes. Quando as férias da Páscoa se aproximaram, dei livros
policiais a todos e muitos leram-nos e discutimos os crimes e alguns até tinham
ideias diferentes sobre o fim da história, outros mostravam-se zangados por
serem “enganados” pelo autor…
Durante
aquelas horas, a atenção dos alunos era excelente, traziam representações de
crimes e a sala assistia e tentava decifrá-los e no fim era grande a discussão,
em que muitas vezes o autor não saia lá muito bem…
Os
resultados escolares subiram bastante, porque passou a ser “quase” condição
necessária para frequentar o Policiário que houvesse boas notas nas disciplinas
curriculares e os alunos pediam ajuda nos estudos.
Os
próprios professores das cadeiras ficaram espantados com a alteração produzida.
Não
retiro, naturalmente, qualquer ilação científica, porque não foi uma
experiência estudada, estruturada, foi um bocado ao sabor da corrente, mas que
se registaram grandes avanços naqueles jovens, isso foi inegável.
Claro
que as resistências foram muitas, houve queixas por estarmos a “incentivar a
violência e o crime” nas “criancinhas” e ainda antes do final do ano, a
pretexto de mais uma alteração curricular qualquer, foram suspensas aquelas
aulas.
Alguns
desses jovens, hoje bem trintões, decifram enigmas na secção de Policiário que
aos domingos oriento no PÚBLICO vai para 20 anos, que se completam no próximo
dia 1 de Julho.
Em
suma, o Policiário é uma actividade lúdica aberta a todos, que nos permite
fabricar os nossos crimes, os nossos desafios, dar vida (e morte também!) aos
personagens que queremos, nas situações pretendidas. Mas também nos permite
decifrar os enigmas propostos, aplicando a leitura, a interpretação, a análise
dos textos, etc.
E
como usamos, na feitura e decifração, todos os instrumentos reais de uma investigação,
bem podemos dizer que somos detectives a sério, agimos como eles e ainda
acrescentamos o domínio da escrita, que nós necessitamos e eles nem por isso.
(continua)
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