[Transcrição da secção n.º 1213 publicada
hoje no jornal PÚBLICO]
QUEM MATOU A MAMÃ D. FLORIPES?
Encerramos a nossa época de
competição com um desafio do nosso grande “mestre” da produção policiária e
querido Amigo M. CONSTANTINO, que nos traz um problema do quotidiano, escrito
com o entusiasmo que ele tão bem vai renovando, ano após ano.
Ainda aguardando a homenagem que
o nosso Mundo Policiário lhe deve pelo imenso que tem feito por ele, aqui
deixamos uma primeira e singela pedra.
CAMPEONATO NACIONAL E
TAÇA DE PORTUGAL - 2014
PROVA N.º 10
(ÚLTIMA) - PARTE I
“O ASSASSINATO DE
MAMÃ D. FLORIPES” – Original de M. CONSTANTINO
Coube a R.R. (Rui Rapidinho),
Inspector da Judiciária, em Lisboa, a investigação do assassinato no “Edifício
Azul”, um prédio construído de raiz nos finais de 1970, como centro comercial,
o vulgar “shopping” de hoje, que não resultou e foi posteriormente adaptado a
apartamentos de habitação dimensionados, com meia dúzia de lojas no r/ch, sem
acesso ao interior. Deslocou-se ao largo dos Milagres, situação do edifício; a
mesma zona pouco movimentada de outrora, as mesmas árvores – o cenário da sua
infância. Parou atrás do carro patrulha, identificou-se e entrou: à esquerda o
cubículo do porteiro, à direita, ao fundo, uma janela-porta de vidro, gradeada,
espalhava luz. Foi levado para a primeira habitação, em frente e à porta da
qual esperavam duas mulheres e o polícia que a vedara com uma fita. Passou por
debaixo enquanto registava a hora (15.40), para ter uma surpresa: a assassinada
era a mamã D. Floripes, sua conhecida. Fora estrangulada com um lenço, talvez o
caído no ombro. O cofre na parede, que se adivinhava oculto sob um quadro
surrealista, estava aberto, sem qualquer jóia ou dinheiro. Uma velha carteira,
sem uma única moeda, fora atirada para o chão. Assassinato e roubo – pensou. “A
vítima que apresentava cerca de sessenta anos bem cuidados, recordou-lhe a
esbelta viúva endinheirada. Conheceu um caixeiro-viajante, viúvo com um filho
menor, que aceitou como se fosse seu. Este, Rod (Rodrigo Rodrigues) começou por
lhe chamar D. Floripes, depois mamã D. Floripes; não era bom aluno, trazia
sempre dinheiro e aproximou-se dele, R.R., porque lhe fazia os trabalhos de
casa. Lembra que aguardava no largo enquanto o condiscípulo usava a sua técnica
secreta para entrar no edifício e em casa assaltar o frigorífico e os pastéis
de nata. Anos depois a senhora descobriu que o namorado tinha outra amante no
Porto. Despachou-o em grande e Rod acompanhou o vingativo pai. O rapaz, ainda
assim, quando precisava de dinheiro, conseguia chegar a Lisboa e levar algum da
bondosa senhora. Cresceu sem interesse pelos estudos e trabalho, fascinado pela
noite”. Sem mexer no corpo, sempre de luvas e sapatos protegidos, observou a
fechadura da porta arrombada, cerrada com duas voltas de trinco e procurou uma
chave, encontrando três exemplares na caixa do correio, que preparou para
análise laboratorial. Entretanto chegou o parceiro de equipa com o legista e os
homens do laboratório que fotografavam tudo, procuravam impressões digitais e
indícios, examinando e discutindo. O telefone soou. R.R. hesitou e acabou por
atender: - É da casa da D. Floripes? Pode passar-lhe o auscultador?
- De momento a senhora não pode
atender. Quer deixar recado?
- Sim, diga à mamã que chegarei à
noite. Tive uma avaria no carro e estou em Santarém, na zona industrial.
Desligou sem se identificar,
contudo reconheceu a voz. Arrependeu-se de ocultar a morte da mamã, memorizou
telefonar à polícia de Santarém para encontrar a oficina e dar a notícia.
Depois de anotar o número de telefone, optou por ouvir as mulheres que
aguardavam à porta.
Foi Marta, a vizinha e amiga da
vítima, quem dera o alerta. Vira Flor, cerca das 9, à porta, a despedir-se do
empregado dos telefones e combinaram a usual saída às 15 horas. Flor era de
hábitos constantes. Levantava-se cedo, às 8 fazia uma refeição de cereais e
fruta. Íamos ao Largo andar duas horas, ouvia o programa “Você na TV”, fechava
a televisão e almoçava. Hoje fiquei admirada de continuar a ouvir o televisor,
mas só me assustei quando bati à porta e não obtive resposta. Insisti e acabei
por pedir auxílio à esposa do porteiro, que arrombou a porta com uma tranca.
Não mexemos em nada, saímos logo que vimos a tragédia. Sim, acho que teria
muito dinheiro em casa e jóias, o falecido foi empreiteiro das obras do
edifício e comprou a sua casa e maia dúzia de outras habitações. Não conheço
inimigos, a não ser, talvez, o Pedro do 1.º andar que namorava com ela e foi “corrido”
recentemente, acusou-o de ser um “gigôlo” e tirou-lhe a chave da casa mesmo à
minha frente. Desde então tem feito um cerco a bater-lhe à porta e a telefonar
noite e dia… ala decidiu mudar o número do telefone. A esposa do porteiro fez o
que lhe pareceu melhor, arrombar a porta, não se lembrou dos bombeiros mas
chamou a polícia logo que descobriram o corpo. O porteiro, com as mãos
entrapadas por se ter queimado no fogão, deu entrada a Pedro, vindo da noitada,
no momento em que D. Floripes estava à porta a despedir-se do operador dos
telefones e trocou breves palavras com a vizinha. Apenas saiu do seu posto (só
o deixa depois de todos os habitantes estarem em casa) para atender duas
chamadas na cabine do salão, sem que ninguém respondesse. Registou 11.10 e
11.30 horas. Não entrou ou saiu alguém estranho. Deu-lhe o número do
apartamento de Pedro e R.R., antes de subir entrou na cabine, relíquia do
passado, fixada a cerca de 15 metros da janela da vítima e da porta de Marta,
no amplo salão de exposições, com a grande porta-janela idêntica à já descrita.
Claro que Pedro, tonto de sono,
não tinha álibi e pouco adiantou.
De volta à sede da PJ, fez várias
diligências e iniciou um relatório.
No afã, acabou por não telefonar
a Rod depois que a polícia de Santarém localizou a oficina para onde foi
rebocado o automóvel desde o “Pingo Doce”, pouco antes das 13 horas. Contudo,
na manhã seguinte soube que ele falara com o porteiro e comunicara com a
Judiciária para falar com o investigador, o que foi recusado. Pelo dia adiante
foi informado pelo centro telefónico que do telefone no local do crime passaram
3 chamadas: 2 entre a telefónica e o operador, outra proveniente de um
telemóvel detectado em Santarém. “As duas chamadas para o número da cabine são
as únicas de um telemóvel sem identificação, segundo a operadora, com o n.º Y,
não detectável por ter sido destruído o cartão SIM após o último contacto”.
A autópsia foi conclusiva: “sulco
horizontal em volta do pescoço, língua entre as arcadas dentárias, lesões
internas com fractura do aparelho laríngeo, confirmaram estrangulamento; a
digestão dos alimentos parou sensivelmente 3 horas após a ingestão.”
“O laboratório encontrou
partículas de unhas no lenço; impressões digitais em geral são da vítima; no
telefone do operador telefónico; as chaves contém vestígios digitais dó da
vítima, uma, outra daquela e de Pedro, a última foi limpa.”
Rapidinho pôs de parte os
relatórios e entregou-se ao raciocínio: se não tinha dúvidas “quem”, ainda se
interrogava “como”, se bem que já tivesse uma teoria.
Desafio ao leitor: O Rapidinho
parece já saber quase tudo, mas não tudo!
Compete aos nossos “detectives”
juntar todas as pontas e elaborarem os relatórios que ele pôs de parte.
E pronto.
Resta aos confrades enviarem a
sua proposta de solução impreterivelmente até ao próximo dia 5 de Dezembro,
para o que poderão usar um dos seguintes meios:
- Pelos Correios para Luís Pessoa, Estrada Militar, 23,
2125-109 MARINHAIS;
- Por e-mail para um dos endereços:
- Por entrega em mão ao orientador da secção, onde quer que
o encontrem.
Boas deduções!
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