quarta-feira, 9 de março de 2016

II TORNEIO NACIONAL - CLUBE LITERATURA POLICIAL - PROBLEMA 5

  
                                  
                                                                                                         
II TORNEIO NACIONAL DE PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA

Problema n.º 5                                
IMPOSTOR, OU TALVEZ NÃO                       Publicado na revista “FLAMA” # 525 
Original de: «MÁRVEL, 
o Misterioso Mascarado»                                         em 28 de Março de 1958


Nota preliminar:
Quando, como orientador da Secção “O Gosto do Mistério”, mandei de Aveiro para a redacção da revista o problema que hoje divulgo, anunciei-o com a seguinte prosa: 

ATENÇÃO «SHERLOCKS»
Publicamos hoje o 5.º problema do Torneio Nacional, uma produção do nosso colega Márvel, vencedor do Torneio Enigma e autor de muitos e bons problemas publicados nesta secção.
… E agora, senhores componentes da Equipa Mistério, vamos jogar aos detectives.




Seguia-se o problema, com essa gravura sugestiva, mas apenas decorativa, sem relação com o caso que dará muito que falar.

        


Em todos os gestos, Carlos Alexandre denotava a preocupação que o consumia. O olhar carrancudo que dirigia a um sobrescrito branco, certamente a causa de todos os seus aborrecimentos, era a prova evidente de que algo fora do vulgar estava a acontecer. Por fim, já impaciente, inquiri, movido pela curiosidade:
         - Mas que te aconteceu?
         Como resposta, Carlos dirigiu-se à secretária e, com gestos que denotavam a sua excitação, tomou o sobrescrito que, em seguida, me entregou, dizendo lacònicamente:
         - Lê.
         O rectângulo de papel branco nada tinha de especial, com excepção do seu conteúdo, verdadeiramente estranho:
         - «Para lhe dar a conhecer a última vontade do seu falecido pai, peço-lhe que me receba hoje, pelas 5 e 30. José Cabral.
         - Esquisito - comentei.
         - Mais do que isso. Muito estranho – redarguiu o meu interlocutor. E continuou:
         - Certamente desejas uma explicação e vou dar-ta. José Cabral era o secretário de meu pai que muito o estimava, no que era correspondido plenamente. Mas como, quando conheci esse homem, era muito pequeno, temo que me apareça um impostor, disposto a extorquir-me dinheiro. Deve estar a chegar.

                                                                                                                                                   

         Como em cumprimento das suas palavras, o mordomo anunciou o causador de todas as preocupações do meu amigo. Era um homem dos seus 40 anos, baixo e rechonchudo, cujo aspecto vulgar era o que mais sobressaía na sua figura. Adiantou-se timidamente, como sem saber que fazer. Notando isso, Carlos afirmou:
         - Chamo-me Carlos Alexandre Mendonça, e creio estar a falar com o Sr. Cabral, o antigo secretário de meu pai. Queira sentar-se e explicar o motivo da sua visita.
         Então o homenzinho entregou a Carlos um envelope lacrado, afirmando:
         - Eis a última vontade de seu pai.
         Carlos pegou no bilhete que o outro lhe estendia, e começou a percorrer com os olhos o conteúdo da página.
         Quando o bilhete passou para as minhas mãos li, cheio de curiosidade:



                                       «Meu filho
                                       Sinto que quando chegares já não terei vida para me despedir de ti. Por isso, o notário tem em seu poder uma carta, na qual te abençoo e peço que cumpras as minhas últimas vontades. Uma delas, a pedido do próprio beneficiado, não menciono no meu testamento, mas dou-ta a conhecer nestas minhas derradeiras palavras:
Como sabes, José Cabral, o meu secretário (que escreve estas linhas a que no fim firmarei meu nome) foi para mim mais do que um amigo. A dedicação e solicitude com que sempre velou pela minha comodidade e bem-estar tornaram-me suportáveis os meus últimos momentos de sofrimento. Agora que sinto a morte aproximar-se, quis recompensá-lo, legando-lhe uma certa quantia no meu testamento, o que ele recusou. Às minhas instâncias apenas consentiu que eu passasse este documento, e nele te peço, Alexandre meu filho, que se algum dia José Cabral se vir em dificuldades financeiras lhe entregues a importância de… que então o recompensará pelos seus grandes favores e amizade.
Adeus, querido filho. Parto deste mundo certo de que cumprirás os meus últimos desejos. Este é o último adeus de teu pai, que te abençoa
                                António Mendonça



                                                                                                                                                  


         Dobrei lentamente o papel e devolvi-o a Alexandre, que, fitando o nosso interlocutor parecia pedir uma explicação.
        
Compreendendo isso, Cabral, numa voz que parecia sincera começou:
         - Durante o tempo em que estive ao serviço do Sr. António Mendonça, consegui amealhar um pequeno pecúlio, que a grande generosidade do meu ex-patrão ia aumentando cada vez mais. Quando morreu, quis deixar-me um legado que eu recusei, visto que me considerava suficientemente recompensado e que com o dinheiro que juntara esperava montar um pequeno negócio que me auferiria para viver desafogadamente.
        
- Então porque vem reclamar os seus direitos? – interrompi eu.
         O homem baixou a cabeça envergonhado, e explicou:
         - Então eu não pensava constituir família. Mas houve quem me fizesse mudar de ideias, de modo que fui obrigado a lançar olhos para horizontes mais largos, com o fim de fazer face ao aumento de despesa que a mudança de estado provocou. Os negócios de início correram-me bem, consegui mesmo uma pequena fortuna que, dando ouvidos a maus conselhos, investi em acções na Alemanha e no Brasil. Se conseguisse obter êxito nessa especulação, tornar-me-ia senhor de sólida fortuna. Mas eis que estalou a guerra e eu em menos de dois anos perdi tudo o que amealhara com tanto sacrifício. Fiquei de tal maneira arruinado que nem sequer me resta agora dinheiro para fazer o meu filho tirar um simples curso comercial. Além disso a minha mulher, quando nasceu o nosso filho, contraiu uma doença que, para ser combatida, necessita de muito repouso e remédios caros, coisas que eu não posso oferecer à minha mulher de maneira alguma. É inútil continuar. Espero que compreendam agora o motivo da minha visita.
        
Quase insensivelmente, assentimos com a cabeça e não pudemos deixar de nos sentir comovidos com a infelicidade do homenzinho. Porém, estaríamos lidando com um refinado vigarista, um comediante sem escrúpulos? Não me parecia, mas no entanto…
         Entretanto Carlos, temendo tomar uma decisão precipitada, exclamou, virando-se para Cabral:
         - Queira passar amanhã por aqui, à mesma hora. Terei então a minha decisão tomada.
         Quando o homem se levantou e se despediu de nós notava-se perfeitamente nos seus gestos um certo alívio que nem Carlos deixou de notar.
         Quando o indivíduo saiu, virou-se para mim e inquiriu, ansioso:
         - Então?
         - Bem, eu acho que se lhe deres o dinheiro terás caído no conto do vigário…



         Concorda?
         Justifique a sua resposta 

                                                                              Jarturice II TNPP – 005
                                                                            Divulgada em 08.Março.2016

Sem comentários: