II TORNEIO NACIONAL DE PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA
Problema
n.º 5
IMPOSTOR, OU TALVEZ NÃO Publicado na revista “FLAMA” # 525
Original
de: «MÁRVEL,
o Misterioso Mascarado» em 28 de Março de 1958
Nota preliminar:
Quando, como orientador da Secção “O Gosto do Mistério”, mandei
de Aveiro para a redacção da revista o problema que hoje divulgo, anunciei-o
com a seguinte prosa:
ATENÇÃO «SHERLOCKS»
Publicamos hoje o 5.º problema do Torneio Nacional,
uma produção do nosso colega Márvel, vencedor do Torneio Enigma e autor de
muitos e bons problemas publicados nesta secção.
… E agora, senhores componentes da Equipa
Mistério, vamos jogar aos detectives.
Seguia-se o problema, com essa
gravura sugestiva, mas apenas decorativa, sem relação com o caso que dará muito
que falar.
Em todos os gestos, Carlos
Alexandre denotava a preocupação que o consumia. O olhar carrancudo que dirigia
a um sobrescrito branco, certamente a causa de todos os seus aborrecimentos,
era a prova evidente de que algo fora do vulgar estava a acontecer. Por fim, já
impaciente, inquiri, movido pela curiosidade:
- Mas que te aconteceu?
Como resposta, Carlos dirigiu-se à
secretária e, com gestos que denotavam a sua excitação, tomou o sobrescrito
que, em seguida, me entregou, dizendo lacònicamente:
- Lê.
O rectângulo de papel branco nada tinha
de especial, com excepção do seu conteúdo, verdadeiramente estranho:
- «Para lhe dar a conhecer a última
vontade do seu falecido pai, peço-lhe que me receba hoje, pelas 5 e 30. José
Cabral.
- Esquisito - comentei.
- Mais do que isso. Muito estranho –
redarguiu o meu interlocutor. E continuou:
- Certamente desejas uma explicação e
vou dar-ta. José Cabral era o secretário de meu pai que muito o estimava, no
que era correspondido plenamente. Mas como, quando conheci esse homem, era
muito pequeno, temo que me apareça um impostor, disposto a extorquir-me
dinheiro. Deve estar a chegar.
Como em cumprimento das suas palavras,
o mordomo anunciou o causador de todas as preocupações do meu amigo. Era um
homem dos seus 40 anos, baixo e rechonchudo, cujo aspecto vulgar era o que mais
sobressaía na sua figura. Adiantou-se timidamente, como sem saber que fazer.
Notando isso, Carlos afirmou:
- Chamo-me Carlos Alexandre Mendonça, e
creio estar a falar com o Sr. Cabral, o antigo secretário de meu pai. Queira
sentar-se e explicar o motivo da sua visita.
Então o homenzinho entregou a Carlos um
envelope lacrado, afirmando:
- Eis a última vontade de seu pai.
Carlos pegou no bilhete que o outro lhe
estendia, e começou a percorrer com os olhos o conteúdo da página.
Quando o bilhete passou para as minhas
mãos li, cheio de curiosidade:
«Meu filho
Sinto que quando chegares já não terei
vida para me despedir de ti. Por isso, o notário tem em seu poder uma carta, na
qual te abençoo e peço que cumpras as minhas últimas vontades. Uma delas, a
pedido do próprio beneficiado, não menciono no meu testamento, mas dou-ta a
conhecer nestas minhas derradeiras palavras:
Como sabes, José Cabral, o meu
secretário (que escreve estas linhas a que no fim firmarei meu nome) foi para
mim mais do que um amigo. A dedicação e solicitude com que sempre velou pela
minha comodidade e bem-estar tornaram-me suportáveis os meus últimos momentos
de sofrimento. Agora que sinto a morte aproximar-se, quis recompensá-lo,
legando-lhe uma certa quantia no meu testamento, o que ele recusou. Às minhas
instâncias apenas consentiu que eu passasse este documento, e nele te peço,
Alexandre meu filho, que se algum dia José Cabral se vir em dificuldades
financeiras lhe entregues a importância de… que então o recompensará pelos seus
grandes favores e amizade.
Adeus, querido filho. Parto deste
mundo certo de que cumprirás os meus últimos desejos. Este é o último adeus de
teu pai, que te abençoa
António Mendonça
Dobrei lentamente o papel e devolvi-o a
Alexandre, que, fitando o nosso interlocutor parecia pedir uma explicação.
Compreendendo isso, Cabral, numa
voz que parecia sincera começou:
- Durante o tempo em que estive ao
serviço do Sr. António Mendonça, consegui amealhar um pequeno pecúlio, que a
grande generosidade do meu ex-patrão ia aumentando cada vez mais. Quando
morreu, quis deixar-me um legado que eu recusei, visto que me considerava
suficientemente recompensado e que com o dinheiro que juntara esperava montar
um pequeno negócio que me auferiria para viver desafogadamente.
- Então porque vem reclamar os
seus direitos? – interrompi eu.
O homem baixou a cabeça envergonhado, e
explicou:
- Então eu não pensava constituir
família. Mas houve quem me fizesse mudar de ideias, de modo que fui obrigado a
lançar olhos para horizontes mais largos, com o fim de fazer face ao aumento de
despesa que a mudança de estado provocou. Os negócios de início correram-me
bem, consegui mesmo uma pequena fortuna que, dando ouvidos a maus conselhos,
investi em acções na Alemanha e no Brasil. Se conseguisse obter êxito nessa
especulação, tornar-me-ia senhor de sólida fortuna. Mas eis que estalou a
guerra e eu em menos de dois anos perdi tudo o que amealhara com tanto
sacrifício. Fiquei de tal maneira arruinado que nem sequer me resta agora
dinheiro para fazer o meu filho tirar um simples curso comercial. Além disso a
minha mulher, quando nasceu o nosso filho, contraiu uma doença que, para ser
combatida, necessita de muito repouso e remédios caros, coisas que eu não posso
oferecer à minha mulher de maneira alguma. É inútil continuar. Espero que
compreendam agora o motivo da minha visita.
Quase insensivelmente, assentimos
com a cabeça e não pudemos deixar de nos sentir comovidos com a infelicidade do
homenzinho. Porém, estaríamos lidando com um refinado vigarista, um comediante
sem escrúpulos? Não me parecia, mas no entanto…
Entretanto Carlos, temendo tomar uma
decisão precipitada, exclamou, virando-se para Cabral:
- Queira passar amanhã por aqui, à
mesma hora. Terei então a minha decisão tomada.
Quando o homem se levantou e se
despediu de nós notava-se perfeitamente nos seus gestos um certo alívio que nem
Carlos deixou de notar.
Quando o indivíduo saiu, virou-se para
mim e inquiriu, ansioso:
- Então?
- Bem, eu acho que se lhe deres o
dinheiro terás caído no conto do vigário…
Concorda?
Justifique a sua resposta
Jarturice II
TNPP – 005
Divulgada em
08.Março.2016
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