HOMENAGEM A “PROCURADOR INCÓGNITO”
Enquanto aguardamos
o fim do prazo para solução dos problemas da prova n.º 10, que vão decidir tudo
sobre esta época, vamos prestar homenagem a um confrade que já nos deixou:
Procurador Incógnito.
Conhecemo-nos em
2005, no verão, em plena Praia do Pedrógão, local em que também costumava ir
buscar as energias para mais um ano de trabalho.
Longas foram as
conversas naquele mês de Agosto, quase sempre com o Policiário em pano de
fundo, como é óbvio.
Prometeu um
problema, que já andava preparar e o desafio surgiu, sendo publicado em 13 de
Novembro desse mesmo ano e que hoje republicamos.
As voltas que o
mundo dá levaram-no até Faro, onde passou os últimos anos.
MENTIRAS
Autor:
Procurador Incógnito
Já não via o pai
há muitos anos e este nunca demonstrara grande interesse no que se passava por
aqueles lados. Invariavelmente, vinha a argumentação do pai: “Não me importava
muito porque sabia que estavas em boas mãos com a tua mãe…” Não acreditava, mas
o que é que podia fazer? Crescera sem pai e sem o desejo muito evidente de o
vir a ter por perto. Podia dizer, mesmo, que lhe era indiferente. Só que,
depois de tantos anos, eis que ele aparecia na sua vida e, sinceramente, não
sabia como lidar com a situação. Ignorá-lo? Hostilizá-lo?
A mãe lançara o
aviso para que não acreditasse em tudo o que ele dissesse, porque mentia com
uma facilidade impressionante e com a convicção própria de quem estava seguro
do que dizia…
“Não chega olhá-lo nos olhos porque
até assim é capaz de mentir e jurar…”
“Sabes, filho, a vida nem sempre é
como a queremos viver… Há momentos em que temos de tomar decisões e abrir mão
de muitas convicções… Também eu gostava de ter estado contigo e acompanhar o
teu crescimento, mas tive de ir para a América do Sul, por onde andei anos a
fio, em expedições, mas sempre contigo nos meus pensamentos…
“Lembro-me de estar numa véspera de
Natal, algures pelo Chile a contemplar a Lua e, ao ver nela a tua inicial,
recordar os momentos que passei contigo, eras tu ainda um bebé… Dias depois, em
plena passagem de ano, naquela bola enorme, luminosa, revia a tua cara
bolachuda, redonda e sorridente… É mesmo isso, nunca te esqueci, só não tinha
muito tempo nem oportunidade para te escrever, entendes? Andei por sítios nunca
visitados por brancos, bem no centro da Amazónia, visitei tribos desconhecidas
até então e recordo em particular uma aldeia praticamente inacessível, em que
comi com o chefe da tribo, falei-lhe de muitas das coisas que eles nunca viram
e ouvi da sua boca muitas histórias sobre a sua vida, família e tribo…
Experiência única, ser o primeiro ser exterior a falar com eles, já imaginaste?
E outra vez em que me despedi da vida porque me perdi e andei dias e dias
sozinho por montes e vales nos Andes, sem encontrar vivalma, caminhando de
noite para me poder proteger do sol e me orientar pela estrela polar, uma
estrela que me parecia ter seis pontas e que logo me recordava o teu nome, que
era a minha única referência e me serviu para encontrar uma aldeia mais a norte
e ali encontrar assistência e apoio… Também nessa altura me lembrei de ti e
foste a razão da força que me tirou de lá… Ainda estive à porta de uma estação
de correios, na Bolívia, no dia de um dos teus aniversários, decidido a
enviar-te uma mensagem, um telegrama, que telefone era coisa que por lá não
havia, mas não pude mandar-te nada porque estava fechada por ser feriado… É o
que dá nascer no dia da implantação da República. Eu bem tinha dito à tua mãe
que era melhor registar-te a 4 ou a 6, mas ela disse que se nasceste a 5 de
Outubro, era a 5 de Outubro que eras registado… Ainda havemos de partir à
aventura para aquele mundo espectacular, vais ver…”
Francamente,
ficara com a certeza de que a mãe o alertara para o perigo das suas mentiras
apenas por despeito, mas agora mudara de opinião e achava que o pai era, de
facto, um grande mentiroso, ainda que trapalhão…
SOLUÇÃO
Refere que andou dias e dias sozinho pelas montanhas
dos Andes, como se isso fosse assim tão fácil, com temperaturas baixíssimas,
sobretudo de noite, temporais e as dificuldades de acesso, jamais lhe
permitiriam andar como diz e muito menos sem um guia especializado e
competente.
Os Andes ficam na América do Sul, abaixo da linha do
Equador. Por isso, nunca ele poderia orientar-se pela Estrela Polar que indica
o norte e apenas é visível no hemisfério norte.
Na passagem do ano, refere que a Lua era uma grande
bola, pelo que estava em fase de lua cheia e fazia-lhe recordar a cara
bolachuda do filho, pelo que por alturas do Natal estaria a crescer, logo, em
fase de quarto crescente, o que ele associa ao nome do filho. Tudo estaria bem
se ele não falasse da Estrela de David, a estrela de seis pontas, revelando que
o miúdo se chamava David; a Lua não lhe podia recordar o nome do filho, porque
no hemisfério sul a Lua não é “mentirosa”: em quarto crescente aparece mesmo como
um “C”.
Andou por florestas nunca visitadas por brancos na
Amazónia, onde conheceu tribos que nunca viram ninguém exterior a eles. Mas a
verdade é que lhes contou e ouviu histórias. Em que língua, ninguém sabe e ele
não diz. Nunca poderia ter essa familiaridade e entender-se assim tão fácil e
amigavelmente.
Diz que bem tentou telefonar ao filho no dia dos anos,
mas teve azar porque não havia telefone na estação dos correios – como se isso
fosse possível, e ainda por cima por ser dia 5 de Outubro, feriado em Portugal
por se comemorar a implantação da República. Só que a história passava-se na
Bolívia e não em Portugal e lá não se comemora nada nessa data.
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