Publicamos hoje mais um desafio, de autoria de Onaírda, um dos nossos bons produtores, em boa hora regressado à produção.
CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL
PROVA N.º 5 – PARTE I
GATO FARRUSCO MORRE AO LUSCO-FUSCO – Original de ONAÍRDA
Na povoação, sem ruas interiores, praticamente reduzida ao perfil do longo da estrada, encostada a Lisboa, junto a um contentor de lixo, no lusco-fusco de um Domingo de Outubro, aparece morto no interior de um saco o gato “farrusco”. O felídeo ainda estava quente. A morte ocorreu cerca de meia hora antes, aí pelas 20h00. Levou uma paulada na espinha. Certeira e a propósito.
Samuel era dono do farrusco. No dia seguinte pelas 9h00, Eva, sua empregada doméstica, entra ao serviço, abre a porta da casa e vê o corpo do patrão no chão. Corpo e cadeira afastados da secretária cerca de um metro, no salão principal da sua moradia. Estava morto, bem morto. Levou fortes pauladas na cabeça. A autópsia determina que a morte ocorreu na véspera entre as 20h30 e as 21h30.
Eva pôs-se à disposição de Garçôa, o “Teórico” da PJ. Eva viu um vulto pôr um saco fora do contentor de lixo e isto chamou sua atenção. O vulto seguiu para norte. Eva abriu o saco e viu o gato morto. Os habitantes da terra conheciam o felídeo. Vadiava em todo a lado, entrava nas casas desde que estivesse uma porta ou janela aberta. Odiavam o farrusco. Fazia estragos onde entrava. Pediam que o gato tivesse um fim triste muito rápido. Eva sabe do sentimento geral e vai dar a noticia aos clientes do único café, ao lado da casa de Samuel. O café, de Diogo, estava cheio de freguesia àquela hora. Eram 20h30. Geral foi a alegria e todos quiserem confirmar a morte do gato. O café ficou vazio, as pessoas regressaram perto das 21h30. Eva pensou que Samuel saberia da morte no dia seguinte. Se estivesse vivo, claro, dizemos nós, o que não aconteceu
Garçôa tinha a noção dos acontecimentos. Ainda não sabia o culpado ou culpados e nem os motivos. Depois de descodificadas as perícias, saber-se-ia mais. Tinha de avançar. Serviu-se de Eva. Costume habitual. Eva citou nomes. Caíram na mente do “teórico”.
Diogo, dono do único café da povoação; Pedro, comerciante de moveis; Farias, negócios de lenhas para aquecimento e Jacques Bonet, trabalhava em madeiras. Garçôa achou que Eva tinha ânimo a mais, meteu-a nesta lista.
Relatório preliminar do “Teórico”:
Não temos suspeitos. Vamos indagar a relação havida entre a vítima (humana) e os citados:
Pedro: 40 anos, divorciado. Vendia móveis em feiras. Natural da Estremadura. Montijo (sul do Rio Tejo). Fervoroso fiel de São Pedro, patrono dos pescadores da cidade. Fervia em pouca água. Veio para a povoação aos 15 anos. Vivia em casa arrendada a Samuel, com bom mobiliário e caros cortinados. Pagava renda tida por exorbitante. Deixou-a de pagar há um ano. Tinha fornecido o recheio da moradia de Samuel, este nem metade do valor lhe tinha pago. Alegou moveis deficientes, as cadeiras eram excelentes, assentavam perfeitamente no chão, o resto uma porcaria. Tinha metido uma acção de despejo em Tribunal. Odiavam-se mutuamente. Pedro já tinha ameaçado de morte o seu senhorio e não se importou que o ouvissem. Era desconfiado. Ausente, usava deixar uma janela entreaberta para pensarem que ele estava em casa. Ao lado de sua casa, a sul, ficava a casa de Farias, com o contentor de lixo aqui colocado no meio, e a norte o café. No fim da povoação, a norte, ficava a casa de Samuel
Pedro declara: esteve nesse dia na Feira de Azeitão. Às 17 horas levantou a tenda e regressou uma hora depois. Passou pelo Montijo para depositar um donativo na Igreja Matriz, junto da imagem de São Pedro, veio pela Ponte Vasco da Gama, petiscou na área de serviço, fez um percurso de 50/60 kms, chegou a casa pelas 20h00. Disse que foi depois para o café. Confirmaram que chegou pelas 20h30. Garçôa, quando o interrogou na sua casa, notou que um cortinado estava rasgado e caído no chão, arrancado à força da parede.
Diogo, arrendatário do café de Samuel. Casado, sem mulher. Aparece na povoação 10 anos atrás. Esteve emigrado em França. Jactante, gaba-se de ter montado em Anglet, perto de Bayonne, uma “usine” de pastilhas elásticas. Muitos anos trabalhou e vendeu bem. Quis inovar o produto, não contou que as pastilhas, apesar de serem agradáveis, enrijavam na boca, muito aderentes quando lançadas para o chão. Ficavam em bolas e difíceis de se soltar onde colassem. Único remédio foi fechar a fábrica e regressar a Portugal. Trouxe com ele grandes quantidades das pastilhas “rijas”, o que o obrigava a mascá-las todo o santo dia para acabar com elas. Só não mascava enquanto dormia. Enjoou-se da mulher e deixou-a por lá. Cumpria pontualmente o pagamento da renda ao Samuel, mas este tinha uma conta calada no café, não a querendo saldar, porque, dizia que o Diogo o andava a roubar há muitos anos. E dizia isto a toda a gente, o que desesperava Diogo, que tinha um feitio violento.
Diogo declara: esteve no café todo o dia, nunca se ausentou até à hora do fecho, lá para a meia-noite, mais tarde do que o habitual, dada a alegria que havia nos fregueses pela morte do farrusco. Fez bom negócio.
Farias, solteiro. Natural da Estremadura. Montijo (sul do Rio Tejo). Negociava em lenhas para aquecimento. Não gostava de Samuel. Este emprestou-lhe dinheiro. Perdeu o dito e o amigo. Tinha boa moradia recheada de bons móveis e cortinados, adquiridos e pagos integralmente ao Pedro.
Farias declara: esteve nesse fim-de-semana perto do Montijo para comprar árvores e saiu de lá pelas 18h30. Só chegou a casa depois das 22h00. Curiosamente (para Garçôa, claro) disse que passou pela Igreja de São Pedro para deixar um donativo na imagem do santo. O “Teórico” soube que Farias gostava de imitar Pedro nos seus comportamentos
Garçôa perguntou-lhe se tinha vindo pela Ponte Vasco da Gama e se tinha ido petiscar na área de serviço, tal como tinha feito o Pedro. Ele disse que sim, mas na área de serviço, só meteu gasolina. Ironicamente perguntou se o carro dele era algum modelo de 1930 e que andava só a 20 Kms/hora. Farias disse que não, pois tinha um Mercedes Classe C 200 Kompressor de 2006. Garçôa assobiou desconfiado.
Jacques Bonet.40 anos. Solteiro. Torneiro de madeiras. A sua casa era no extremo sul da povoação ao lado da do Farias. Entre estas havia enorme pilha de troncos desbastados de árvores que eram o negócio do Farias. Amiúde o Bonet aviava-se de lenha para a lareira sem o dono saber. Pedro imitava-o. Tinha a alcunha do “Francês”, vá lá saber-se porquê. Viajou e chegou à povoação por volta das 23h00, mas ninguém o viu chegar. Tinha ido em viagem turística de uma semana a Bayonne.
Jaques Bonet declara: não engraçava com Samuel, detestava-o. Esta viagem era desejada à muito, praticamente desde criança. O regresso foi normal, veio num voo regular, aborrecido por ver tanta água. Entre o sair pelas 10 horas de Bayonne e os 8 quilómetros até à aerogare, entregar o carro alugado, fazer o check-in, tempo de voo, chegada a Lisboa e ida para a povoação durou 10 horas na totalidade. Garçôa começou a fazer contas: os voos regulares de Bayonne para Lisboa têm escala em Paris ou Geneve demorando 1h10 ambas as ligações. Juntava-se mais 3h10 de Paris ou Geneve para Lisboa, mais 30 minutos para recolher a bagagem, mais uma hora de diferença horária, e ida para casa, no máximo seriam umas seis horas de viagem. Algo não estava bem. Garçôa voltou a assobiar desconfiado.
Eva tem actualmente uma relação secreta com Diogo, e não quer que saibam. Trabalha para Samuel e receia ser despedida. Este sabia do facto. Não se importa, porque Eva é uma boa empregada e eximia nas limpezas. Eva foi casada com Pedro, mas divorciou-se dele em litígio. Teve uma relação fugaz com o “francês”, a qual terminou. Este prometia-lhe uma viagem a França e não cumpria a promessa. Farias cedia-lhe lenha gratuitamente. Nesse Domingo do crime, esperou que Diogo fechasse o café e passou a noite com ele.
Houve cuidado em não mexer em nada para não prejudicar as perícias. Depois do corpo retirado, fecharam a sala. Quando depois Garçôa entrou na dita, reparou que o chão estava impecável quanto a limpeza. Não abriu a luz para não tocar no interruptor e deixou a porta aberta para haver visibilidade. Tudo em ordem na secretária, papel ou objecto algum caíram para o chão. Abriu uma janela da frente da sala e produziu-se uma forte corrente de ar. Assustou-se devido a pancadas sonoras por detrás de si. A cadeira onde se sentava Samuel balançava de um lado para o outro ritmadamente
Quando o caso acabou Garçôa diria que bastou ter-se enganado numa letra no relatório para ter o trabalho mais complicado.
COLUNA DO “C”
Depois das leituras necessárias, com a precaução própria que um autor como o confrade Onaírda tem que despertar em todos os “detectives”, há que enviar as propostas de solução, impreterivelmente até ao próximo dia 31 de Maio, para o que poderão usar um dos seguintes meios:
- Pelos Correios para PÚBLICO-Policiário, Rua Viriato, 13, 1069-315 LISBOA;
- Por e-mail para policiario@publico.pt;
- Por entrega em mão na redacção do PÚBLICO de Lisboa;
- Por entrega em mão ao orientador da secção, onde quer que o encontrem.
Boas deduções!
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