sexta-feira, 14 de setembro de 2012

JARTURICE OU... JARTURADA - I




 Publicado na secção POLICIÁRIO em: 06.Setembro.1992

Faz hoje VINTE ANOS (estamos a recuar para 6 de Setembro de 1992) o
Jornal “PÚBLICO” apresentava uma nova página de “POLICIÁRIO”, cujo aparecimento festejamos, divulgando aqui o seu conteúdo, trazendo-o, portanto, ao conhecimento daqueles que só tomaram contacto com a secção, numa fase mais adiantada do seu já longo percurso, que desejamos infinito.
            A página, que era inteira, a quatro colunas, estava encimada pelo cabeçalho que acima inserimos, e tinha, à sua esquerda, uma coluna de Notícias, a fechar. De resto, o miolo era o texto que se segue, e um problema policiário que, para melhor destaque e guarda, reproduzimos à parte.           
Conversando…                                
O FIGURINO que hoje apresentamos é o que vai informar, no futuro, este espaço, todos os domingos. Uma secção que queremos actuante, viva, com diálogo permanente. Por isso, desde já, convidamos todos os nossos leitores e decifradores para dizerem coisas: fazerem sugestões, críticas e nos transmitirem tudo o que julguem por bem.
Sem pretendermos ser detentores do supra-sumo do policiário, quais deuses fechados no seu Olimpo, queremos, antes do mais, contar com a vossa para execução de duas ou três iniciativas, que iremos “pondo no ar”, sempre com o fito de as concretizarmos:
- Um bom torneio policiário, para exercitar as “cinzentas”, tendo em vista um Supertorneio a levar a cabo em 1993.
- A criação de uma boa quantidade de TERTÚLIAS POLICIÁRIAS, CLUBES, ou o que lhes quiserem chamar, no sentido de criar uma boa rede e, num futuro próximo, realizarmos um torneio policiário intertertúlias. Numa primeira fase, tentaremos impulsionar a formação de uma tertúlia por cada distrito. O que não impedirá que elas apareçam em vilas e até aldeias, ou, porque não, em empresas, ou profissões!...
 - Realização de convívios ou encontros policiários, em vários pontos do país, com todos os que aparecerem, promovendo-se assim um são intercâmbio e uma base para discussão e aprofundamento de conhecimentos. De início tentaremos promover quatro reuniões anuais, uma a norte, uma a centro, outra a sul e a quarta (talvez a mais importante!), realizada em local central, servirá para entrega de prémios ganhos nesta secção. Se tal for possível e em coordenação com as tertúlias que existirem, pretendemos introduzir este esquema já em 1993.
Iremos aprofundando estas ideias, até, esperamos, conseguirmos a sua efectivação. 1993, poderá ser o ANO DE TODAS AS MUDANÇAS.  
         Para já, exercitem-se com o problema que vamos publicar. É um exercício indispensável já que – podemos abrir o jogo – a partir de Outubro e até Dezembro, decorrerá um torneio de que publicaremos o regulamento num dos próximos números. Atenção, pois.
         Este problema não é muito complicado, mas encerra uma série curiosa de pensamentos que terão de se articular, para que nada fique esquecido…
Mais uma vez se alerta todos os policiaristas de que não basta “atingir” o alvo, identificando o assassino ou ladrão certo. É também indispensável que se apontem todos (TODOS) os elementos que possam conduzir ao criminoso, mesmo que o indicar um único pudesse ser suficiente. Isto é, se um pormenor é suficiente para mandar um criminoso para a prisão, isso não deve satisfazer ninguém, porque se torna necessário apontar todos os detalhes incriminadores! E só assim um investigador ficará satisfeito e realizado.
                           
Problema # 50 (Este número, refere-se ao total de problemas publicados até hoje, na secção.)
A MORTE DO HISTORIADOR
Original de: Vasco Correia Veloso (Almádena – Lagos)
Publicado na secção POLICIÁRIO em: 06.Setembro.1992

Eram 16 horas quando Mason entrou na mansão que pertencera ao dr. Matias, um proeminente historiador, morto durante a tarde. A ocorrência tinha sido comunicada pelo seu criado, que, ao regressar dumas voltas que tivera de dar, deparara com o patrão morto, no escritório situado no rés-do-chão.
Logo que entrou na sala, Mason viu o corpo caído de borco sobre a secretária, com ambos os braços a ladear a cabeça, que ostentava, na têmpora esquerda, uma ferida redonda, limpa, com um fio de sangue ainda fresco, que escorrera e empapara os papéis sobre a mesa. Soa a mão direita, estava uma pistola grande, de calibre 45, com o dedo da vítima no gatilho. O doutor Matias estava ainda sentado na cadeira, de costas para uma grande janela, aberta de par em par, com um orifício redondo marcado na portada ao lado esquerdo do corpo.
Ao inspeccionar a roupa da vítima, Mason descobriu, num bolso interior do casaco, um relógio de ouro, com tampa protectora do mostrador, muito trabalhada. Após abrir, verificou que o relógio estava parado nas 14h00, sem vidro e absolutamente limpo.
Mason guardou o relógio e chamou o criado para o interrogar:
- Em que período esteve fora?
- Desde o meio-dia e até às três, três e meia, quando cheguei e…
Mason interrompeu-o:
- Sim, está bem. Tinha conhecimento da existência de uma arma nesta casa?
- Sim senhor. O senhor doutor guardava-a sempre numa gaveta da secretária. Tinha medo dos ladrões…
- Pois… Mexeu em alguma coisa?
- Não… A não ser o facto do relógio do senhor doutor se ter partido quando se suicidou.
- Quando se suicidou? – perguntou Mason.
- Sim, sabe, ele andava um pouco abatido e, além disso, tem ainda a pistola que usou na mão…
- A propósito, o doutor Matias era canhoto?
- Não senhor.
Mason, porém, sabia já o que se passara e, ao receber os relatórios da autópsia e do laboratório, disse para consigo:
- Tenho a prova que precisava…

Pronto. É o que propomos a todos os nossos leitores. Uma leitura atenta, com olhos de ver, e depois que respondam às duas questões:
- Foi suicídio ou crime?
- Justifique a sua opção, não esquecendo de pormenorizar o mais que for possível.
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Pela sua extensão, apresentamos a solução à parte, fazendo-a acompanhar do comentário do orientador da secção, pois “considero” que, essas dicas são sempre elucidativas e didácticas, para quem se esteja a iniciar neste agradável desporto de evolução literária. E, se me permitem a sugestão, esqueçam durante alguns dias a solução que envio, e elaborem vocês uma, como exercício, para depois reflectirem se a vossa ficou melhor.
Espero que sim… e parabéns!                                                                        Jartur


  Publicada na secção POLICIÁRIO em: 04.Outubro.1992


Solução do problema
A MORTE DO HISTORIADOR
Apresentada por: JARTUR (Porto)

COMENTÁRIO
Parece-me que a solução apresentada, da autoria de um “veterano” nestas andanças, o JARTUR, traduz bem o que deve ser uma boa análise de um desafio que nos seja posto. Ao fim e ao cabo, num problema que o autor construiu um tanto ou quanto descuidadamente, ao correr da pena, há pontas que vão ficando soltas e mais tarde podem causar questões e discussões. O problema estava bem produzido, mas não devia ser apresentado de uma forma tão linear. O que quero dizer ao autor (e por tabela a todos os que se quiserem abalançar na produção de problemas) é que o “arranjar” do caso não constitui o produto final. É preciso enroupar a chave, dialogar, pormenorizar as descrições dos ambientes, não descurando nada que possa ser posteriormente invocado pelos concorrentes em sua defesa e contra os produtores. Em suma, na minha opinião e de quase todos os concorrentes, foi um bom problema, mas um pouco ligeiro, pouco trabalhado. Esperamos revê-lo em novas produções, agarrando totalmente o ambiente e a chave, aprofundando e trabalhando um pouco mais os elementos de solução.
                                     Luís Pessoa
Solução do problema
A MORTE DO HISTORIADOR
Apresentada por: JARTUR (Porto)

LOGO NA primeira leitura do problema, chegamos à conclusão de que se trata de um crime, e não de um suicídio, tendo em conta os seguintes pormenores:
1– Se o doutor Matias não era canhoto, como informou o criado, logicamente, em
caso de suicídio, disparando sobre a cabeça, a arma seria, muito naturalmente, encostada ou aproximada da têmpora direita.
2 – Da mesma forma, nas condições atrás descritas, ele não seria atingido
apenas pelo projéctil mortal, mas também pelos gases e resíduos de pólvora provenientes da explosão que provocava o movimento da bala.
         3 – Portanto, se tivesse havido suicídio, o cadáver não ostentaria apenas uma ferida redonda, limpa. Antes pelo contrário, apresentaria os bordos e até um pouco mais, em seu redor, os tecidos musculares, a pele e os pêlos, chamuscados e com resíduos de pólvora.
         4 – Tendo sido uma pistola grande, de calibre 45, que lhe provocara a morte e sabendo-se que esse tipo de arma ejecta as cápsulas deflagradas, se tivesse sido suicídio, o inspector não teria deixado de ver, sobre o tampo da mesa ou nas suas imediações, o referido objecto.
         5 – Também o orifício redondo marcado na portada da janela – e que o autor do problema não esclarece se foi provocado por uma bala – nos leva a conjecturar sobre a sua existência. Efectivamente, tal marca não poderia de forma alguma ter sido feita pelo projéctil fatal, já que este terá ficado, o que é perfeitamente lógico e admissível, dentro da caixa craniana da vítima, visto que não é observado, no corpo caído de borco sobre a secretária, o buraco disforme e sangrento da saída da bala.
         Estamos, assim, esclarecidos quanto à impossibilidade de ser o proeminente historiador, o autor da sua própria morte.
         Torna-se pois, necessário, para esclarecimento integral do caso, partirmos em busca do criminoso. Essa tarefa, porém está sobremaneira simplificada, tendo em vista as declarações do criado, e as observações efectuadas pelo inspector Mason.
a ) -Num bolso interior do casaco da vítima, o investigador encontrara o relógio parado, marcando 14h00, e guardara-o, chamando em seguida o criado.
b ) – O criado afirmou que estivera ausente desde o meio-dia e até às três, três e meia… (Abro aqui um parêntesis para ter em conta que o autor do problema, certamente, queria dizer três e meia da tarde, ou, mais correctamente, 15h30, já que eram 16h00, quando Mason entrou na mansão.)
É evidente que as declarações do criado são um chorrilho de mentiras, e rapidamente se chega à conclusão de que fora ele o assassino do historiador. A acusação assenta, inicialmente, no facto de ele se referir ao estado em que se encontrava o relógio que o inspector guardara, o que se supõe não ser do conhecimento do trabalhador, já que esse objecto fora retirado de um bolso interior do casaco do morto, que se encontrava sentado na cadeira. O relógio não estava, ao alcance do olhar do criado, quando este foi chamado à presença do investigador.
Do mesmo modo, quando disse (substituindo-se ao investigador) que o relógio se partira quando o senhor doutor se suicidou, estava a assinar a sua própria e indesmentível declaração de culpabilidade, visto que somente o assassino poderia ter conhecimento dos factos que ele denunciava.
Estamos, assim, em condições de colocar nos seus lugares exactos, as mais irregulares peças do “puzzle”, reconstituindo o crime e revelando cada uma das possíveis conclusões.

O criminoso, agravando ainda mais as iniciais suspeitas do inspector, disse que o relógio se partira quando o doutor se suicidou, o qua não poderia ser verdade, já que o investigador não havia encontrado a tampa desse instrumento fechada, sem quaisquer fragmentos de vidro. Aliás, se admitíssemos a hipótese de ter sido às 14h00 a morte do historiador, teríamos que considerar que, quando o inspector chegou, às 16h00, com a janela do escritório aberta de par em par, já o sangue não estaria tão seco quanto nos é descrito, empapando os papéis sobre a mesa de trabalho.
Não há dúvida, pois, que o crime foi premeditado e cometido pelo criado.
Previamente, numa ausência do patrão, retirou a pistola da gaveta. Depois terá saído, provavelmente no período de tempo que mencionou, de forma a ser visto por pessoas que o conhecessem e pudessem vir a confirmar o álibi.
Regressado a casa, entrou no escritório, fez pontaria e bala foi atravessar a portada da janela. Porém, o segundo tiro acertou no alvo. Retirou-lhe o relógio que “partiu” para fazer avariar, e colocou os ponteiros a marcar as 14h00, hora que lhe convinha, pelo que atrás foi escrito, ser considerada a hora da morte. Acto contínuo, repôs o relógio no bolso da vítima, cujo corpo preparou, colocando-lhe a arma na mão, certamente sem ao menos se lembrar de limpar as suas impressões digitais. Não sendo muito bom criminoso, era todavia um criado zeloso e eficiente, pelo que, depois de telefonar para a Polícia, apanhou as cápsulas que estavam no chão, e foi pô-las no lixo, junto aos fragmentos do vidro que já ali estavam, do relógio e, talvez, da janela.
Algumas falhas técnicas e imprecisões do problema, como “o criado declarar que deparara com o patrão morto, no escritório”, e o inspector Mason “ver o corpo logo que entrou na sala”, poderiam levar-nos a outras especulações. Todavia, ficamo-nos por aqui, aguardando os relatórios da autópsia e dos exames laboratoriais.  
                                                                                   Jartur  Mamede

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