Publicado na secção POLICIÁRIO em: 06.Setembro.1992
Faz
hoje VINTE ANOS (estamos a recuar para 6 de Setembro de 1992) o
Jornal “PÚBLICO”
apresentava uma nova página de “POLICIÁRIO”, cujo aparecimento festejamos,
divulgando aqui o seu conteúdo, trazendo-o, portanto, ao conhecimento daqueles
que só tomaram contacto com a secção, numa fase mais adiantada do seu já longo
percurso, que desejamos infinito.
A página, que era inteira, a quatro colunas, estava
encimada pelo cabeçalho que acima inserimos, e tinha, à sua esquerda, uma
coluna de Notícias, a fechar. De
resto, o miolo era o texto que se segue, e um problema policiário que, para
melhor destaque e guarda, reproduzimos à parte.
Conversando…
O FIGURINO que
hoje apresentamos é o que vai informar, no futuro, este espaço, todos os
domingos. Uma secção que queremos actuante, viva, com diálogo permanente. Por
isso, desde já, convidamos todos os nossos leitores e decifradores para dizerem
coisas: fazerem sugestões, críticas e nos transmitirem tudo o que julguem por
bem.
Sem
pretendermos ser detentores do supra-sumo do policiário, quais deuses fechados
no seu Olimpo, queremos, antes do mais, contar com a vossa para execução de
duas ou três iniciativas, que iremos “pondo no ar”, sempre com o fito de as
concretizarmos:
- Um bom
torneio policiário, para exercitar as “cinzentas”, tendo em vista um
Supertorneio a levar a cabo em 1993.
- A criação de
uma boa quantidade de TERTÚLIAS POLICIÁRIAS, CLUBES, ou o que lhes quiserem
chamar, no sentido de criar uma boa rede e, num futuro próximo, realizarmos um
torneio policiário intertertúlias. Numa primeira fase, tentaremos impulsionar a
formação de uma tertúlia por cada distrito. O que não impedirá que elas
apareçam em vilas e até aldeias, ou, porque não, em empresas, ou profissões!...
- Realização de convívios ou encontros
policiários, em vários pontos do país, com todos os que aparecerem,
promovendo-se assim um são intercâmbio e uma base para discussão e
aprofundamento de conhecimentos. De início tentaremos promover quatro reuniões
anuais, uma a norte, uma a centro, outra a sul e a quarta (talvez a mais
importante!), realizada em local central, servirá para entrega de prémios
ganhos nesta secção. Se tal for possível e em coordenação com as tertúlias que
existirem, pretendemos introduzir este esquema já em 1993.
Iremos
aprofundando estas ideias, até, esperamos, conseguirmos a sua efectivação.
1993, poderá ser o ANO DE TODAS AS MUDANÇAS.
Para
já, exercitem-se com o problema que vamos publicar. É um exercício
indispensável já que – podemos abrir o jogo – a partir de Outubro e até
Dezembro, decorrerá um torneio de que publicaremos o regulamento num dos
próximos números. Atenção, pois.
Este
problema não é muito complicado, mas encerra uma série curiosa de pensamentos
que terão de se articular, para que nada fique esquecido…
Mais uma vez
se alerta todos os policiaristas de que não basta “atingir” o alvo,
identificando o assassino ou ladrão certo. É também indispensável que se
apontem todos (TODOS) os elementos que possam conduzir ao criminoso, mesmo que
o indicar um único pudesse ser suficiente. Isto é, se um pormenor é suficiente
para mandar um criminoso para a prisão, isso não deve satisfazer ninguém,
porque se torna necessário apontar todos os detalhes incriminadores! E só assim
um investigador ficará satisfeito e realizado.
Problema # 50 (Este
número, refere-se ao total de problemas publicados até hoje, na secção.)
A MORTE DO HISTORIADOR
Original
de: Vasco Correia Veloso (Almádena – Lagos)
Publicado na secção POLICIÁRIO em: 06.Setembro.1992
Eram 16 horas
quando Mason entrou na mansão que pertencera ao dr. Matias, um proeminente
historiador, morto durante a tarde. A ocorrência tinha sido comunicada pelo seu
criado, que, ao regressar dumas voltas que tivera de dar, deparara com o patrão
morto, no escritório situado no rés-do-chão.
Logo que
entrou na sala, Mason viu o corpo caído de borco sobre a secretária, com ambos
os braços a ladear a cabeça, que ostentava, na têmpora esquerda, uma ferida
redonda, limpa, com um fio de sangue ainda fresco, que escorrera e empapara os
papéis sobre a mesa. Soa a mão direita, estava uma pistola grande, de calibre
45, com o dedo da vítima no gatilho. O doutor Matias estava ainda sentado na
cadeira, de costas para uma grande janela, aberta de par em par, com um
orifício redondo marcado na portada ao lado esquerdo do corpo.
Ao
inspeccionar a roupa da vítima, Mason descobriu, num bolso interior do casaco,
um relógio de ouro, com tampa protectora do mostrador, muito trabalhada. Após
abrir, verificou que o relógio estava parado nas 14h00, sem vidro e
absolutamente limpo.
Mason guardou
o relógio e chamou o criado para o interrogar:
- Em que
período esteve fora?
- Desde o
meio-dia e até às três, três e meia, quando cheguei e…
Mason
interrompeu-o:
- Sim, está
bem. Tinha conhecimento da existência de uma arma nesta casa?
- Sim senhor.
O senhor doutor guardava-a sempre numa gaveta da secretária. Tinha medo dos
ladrões…
- Pois… Mexeu
em alguma coisa?
- Não… A não
ser o facto do relógio do senhor doutor se ter partido quando se suicidou.
- Quando se
suicidou? – perguntou Mason.
- Sim, sabe,
ele andava um pouco abatido e, além disso, tem ainda a pistola que usou na mão…
- A propósito,
o doutor Matias era canhoto?
- Não senhor.
Mason, porém,
sabia já o que se passara e, ao receber os relatórios da autópsia e do
laboratório, disse para consigo:
- Tenho a
prova que precisava…
Pronto. É o
que propomos a todos os nossos leitores. Uma leitura atenta, com olhos de ver,
e depois que respondam às duas questões:
- Foi suicídio
ou crime?
- Justifique a
sua opção, não esquecendo de pormenorizar o mais que for possível.
---------------------------------------
Pela sua extensão,
apresentamos a solução à parte, fazendo-a acompanhar do comentário do
orientador da secção, pois “considero” que, essas dicas são sempre elucidativas
e didácticas, para quem se esteja a iniciar neste agradável desporto de
evolução literária. E, se me permitem a sugestão, esqueçam durante alguns dias
a solução que envio, e elaborem vocês uma, como exercício, para depois
reflectirem se a vossa ficou melhor.
Espero que sim… e
parabéns!
Jartur
Publicada na secção POLICIÁRIO em: 04.Outubro.1992
Solução do problema
A MORTE DO HISTORIADOR
Apresentada por: JARTUR
(Porto)
COMENTÁRIO
Parece-me que a solução
apresentada, da autoria de um “veterano” nestas andanças, o JARTUR, traduz bem
o que deve ser uma boa análise de um desafio que nos seja posto. Ao fim e ao
cabo, num problema que o autor construiu um tanto ou quanto descuidadamente, ao
correr da pena, há pontas que vão ficando soltas e mais tarde podem causar
questões e discussões. O problema estava bem produzido, mas não devia ser
apresentado de uma forma tão linear. O que quero dizer ao autor (e por tabela a
todos os que se quiserem abalançar na produção de problemas) é que o “arranjar”
do caso não constitui o produto final. É preciso enroupar a chave, dialogar,
pormenorizar as descrições dos ambientes, não descurando nada que possa ser
posteriormente invocado pelos concorrentes em sua defesa e contra os
produtores. Em suma, na minha opinião e de quase todos os concorrentes, foi um
bom problema, mas um pouco ligeiro, pouco trabalhado. Esperamos revê-lo em
novas produções, agarrando totalmente o ambiente e a chave, aprofundando e
trabalhando um pouco mais os elementos de solução.
Luís
Pessoa
Solução
do problema
A MORTE DO HISTORIADOR
Apresentada por: JARTUR (Porto)
LOGO NA
primeira leitura do problema, chegamos à conclusão de que se trata de um crime,
e não de um suicídio, tendo em conta os seguintes pormenores:
1– Se o doutor
Matias não era canhoto, como informou o criado, logicamente, em
caso de suicídio, disparando sobre a
cabeça, a arma seria, muito naturalmente, encostada ou aproximada da têmpora direita.
2 – Da mesma
forma, nas condições atrás descritas, ele não seria atingido
apenas pelo projéctil mortal, mas
também pelos gases e resíduos de pólvora provenientes da explosão que provocava
o movimento da bala.
3
– Portanto, se tivesse havido suicídio, o cadáver não ostentaria apenas uma
ferida redonda, limpa. Antes pelo contrário, apresentaria os bordos e até um
pouco mais, em seu redor, os tecidos musculares, a pele e os pêlos, chamuscados
e com resíduos de pólvora.
4
– Tendo sido uma pistola grande, de calibre 45, que lhe provocara a morte e
sabendo-se que esse tipo de arma ejecta as cápsulas deflagradas, se tivesse
sido suicídio, o inspector não teria deixado de ver, sobre o tampo da mesa ou
nas suas imediações, o referido objecto.
5
– Também o orifício redondo marcado na portada da janela – e que o autor do
problema não esclarece se foi provocado por uma bala – nos leva a conjecturar
sobre a sua existência. Efectivamente, tal marca não poderia de forma alguma
ter sido feita pelo projéctil fatal, já que este terá ficado, o que é
perfeitamente lógico e admissível, dentro da caixa craniana da vítima, visto
que não é observado, no corpo caído de borco sobre a secretária, o buraco
disforme e sangrento da saída da bala.
Estamos,
assim, esclarecidos quanto à impossibilidade de ser o proeminente historiador,
o autor da sua própria morte.
Torna-se
pois, necessário, para esclarecimento integral do caso, partirmos em busca do
criminoso. Essa tarefa, porém está sobremaneira simplificada, tendo em vista as
declarações do criado, e as observações efectuadas pelo inspector Mason.
a ) -Num bolso
interior do casaco da vítima, o investigador encontrara o relógio parado,
marcando 14h00, e guardara-o, chamando em seguida o criado.
b ) – O criado
afirmou que estivera ausente desde o meio-dia e até às três, três e meia… (Abro
aqui um parêntesis para ter em conta que o autor do problema, certamente,
queria dizer três e meia da tarde, ou, mais correctamente, 15h30, já que eram
16h00, quando Mason entrou na mansão.)
É evidente que
as declarações do criado são um chorrilho de mentiras, e rapidamente se chega à
conclusão de que fora ele o assassino do historiador. A acusação assenta,
inicialmente, no facto de ele se referir ao estado em que se encontrava o
relógio que o inspector guardara, o que se supõe não ser do conhecimento do
trabalhador, já que esse objecto fora retirado de um bolso interior do casaco
do morto, que se encontrava sentado na cadeira. O relógio não estava, ao
alcance do olhar do criado, quando este foi chamado à presença do investigador.
Do mesmo modo,
quando disse (substituindo-se ao investigador) que o relógio se partira quando
o senhor doutor se suicidou, estava a assinar a sua própria e indesmentível
declaração de culpabilidade, visto que somente o assassino poderia ter
conhecimento dos factos que ele denunciava.
Estamos,
assim, em condições de colocar nos seus lugares exactos, as mais irregulares
peças do “puzzle”, reconstituindo o crime e revelando cada uma das possíveis
conclusões.
O criminoso,
agravando ainda mais as iniciais suspeitas do inspector, disse que o relógio se
partira quando o doutor se suicidou, o qua não poderia ser verdade, já que o
investigador não havia encontrado a tampa desse instrumento fechada, sem
quaisquer fragmentos de vidro. Aliás, se admitíssemos a hipótese de ter sido às
14h00 a morte do historiador, teríamos que considerar que, quando o inspector
chegou, às 16h00, com a janela do escritório aberta de par em par, já o sangue
não estaria tão seco quanto nos é descrito, empapando os papéis sobre a mesa de
trabalho.
Não há dúvida,
pois, que o crime foi premeditado e cometido pelo criado.
Previamente,
numa ausência do patrão, retirou a pistola da gaveta. Depois terá saído,
provavelmente no período de tempo que mencionou, de forma a ser visto por
pessoas que o conhecessem e pudessem vir a confirmar o álibi.
Regressado a
casa, entrou no escritório, fez pontaria e bala foi atravessar a portada da
janela. Porém, o segundo tiro acertou no alvo. Retirou-lhe o relógio que
“partiu” para fazer avariar, e colocou os ponteiros a marcar as 14h00, hora que
lhe convinha, pelo que atrás foi escrito, ser considerada a hora da morte. Acto
contínuo, repôs o relógio no bolso da vítima, cujo corpo preparou,
colocando-lhe a arma na mão, certamente sem ao menos se lembrar de limpar as
suas impressões digitais. Não sendo muito bom criminoso, era todavia um criado
zeloso e eficiente, pelo que, depois de telefonar para a Polícia, apanhou as
cápsulas que estavam no chão, e foi pô-las no lixo, junto aos fragmentos do
vidro que já ali estavam, do relógio e, talvez, da janela.
Algumas falhas
técnicas e imprecisões do problema, como “o criado declarar que deparara com o
patrão morto, no escritório”, e o
inspector Mason “ver o corpo logo que entrou na sala”, poderiam levar-nos a outras especulações. Todavia,
ficamo-nos por aqui, aguardando os relatórios da autópsia e dos exames
laboratoriais.
Jartur Mamede
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