VINTE REGRAS DO ROMANCE POLICIAL
Em 15 de Outubro de 1888, em
Charlottesville, Estados Unidos da América, nasceu um senhor de nome Willard
Huntington Wright, que provavelmente nenhum dos nossos leitores conseguirá
reconhecer.
Foi crítico de arte e escritor.
Nesta última actividade, usou o pseudónimo com que ficou conhecido no mundo
policial: S S VAN DINE.
O escritor fez do número 19 uma
obsessão e todos os seus romances tiveram títulos com 19 letras, como por
exemplo, The Benson Murder Case,
The "Canary" Murder Case, The Greene Murder Case, The Bishop Murder
Case, The Scarab Murder Case, etc. Também o somatório das letras do seu
pseudónimo, SS Van Dine e do nome do seu detective Philo Vance, totalizam 19
caracteres, precisamente!
Este senhor, tal como o confrade Jartur recordou há algum
tempo, no âmbito das suas investigações para o Arquivo Histórico da
Problemística Policiária Portuguesa, foi o autor das chamadas 20 Regras do
Romance Policial (aqui não funcionou a obsessão!), que não devendo ser
entendidas como obrigatórias, não deixam, no entanto, de ser uma base de
trabalho para todos os que pretenderem abalançar-se na produção literária de
índole policial.
Vamos publicar a primeira parte destas regras, voltando
ao tema logo que tal se torne viável, face à prioridade que damos, como é
óbvio, ao calendário competitivo da nossa secção.
AS 20 REGRAS DO ROMANCE POLICIAL, POR SS VAN DINE
O romance
policial é uma espécie de jogo intelectual. É mais do que isso: é, por assim
dizer, uma prova desportiva em que o autor deve proceder lealmente com o
leitor. Recorrer a trapaças seria, para o autor, tão desonroso como ser
surpreendido a fazer batota ao bridge. O que precisa é de ser mais manhoso do
que o leitor, para suscitar e manter até ao fim o interesse deste último.
Há leis que
regem a arte de escrever romances policiais – leis sem código, mas que não têm
por isso menos força – a que o fabricante de histórias policiais que se
respeita e pretende ser respeitado deve obedecer.
Aqui têm uma
espécie de Credo, baseado em parte na prática dos grandes escritores, em parte
naquilo a que poderíamos chamar consciência profissional do autor honesto:
1. O leitor e
o polícia devem ter oportunidades iguais para resolverem o problema. Todos os
indícios devem ser plenamente enunciados e descritos.
2. O autor não
tem o direito de empregar para com o leitor truques ou astúcias que não sejam
os que o culpado emprega legitimamente, digamos, para com o polícia.
3. O
verdadeiro romance policial não deve ter enredo amoroso. Introduzir nele o amor
seria perturbar o mecanismo do problema puramente intelectual. O que é preciso
é fazer sentar o criminoso no banco dos réus e, não, conduzir um par ao altar.
4. O culpado
não deve nunca ser um polícia, nem pertencer à polícia. Seria uma trapaça tão
ordinária como oferecer um pence novo
contra uma moeda de oiro de cinco dólares.
5. O culpado
deve ser determinado por uma série de deduções lógicas e não por acidente, por
acaso, ou por confissão espontânea. Resolver o problema por este último
processo equivaleria a lançar deliberadamente o leitor numa falsa pista, para
depois lhe revelar, quando ele desse a mão à palmatória, que a solução do
problema já estava na algibeira desde o princípio. Seria troçar do leitor, nem
mais, nem menos.
6. Em todos os
romances policiais deve aparecer um polícia. E um polícia que trabalhe e saiba
do seu ofício. A função deste é reunir indícios que nos levem até o indivíduo
que no primeiro capítulo cometeu uma má acção. Se o polícia não chega a uma
conclusão satisfatória pela análise dos indícios que reuniu, não resolveu
melhor o problema do que o aluno que encontra a solução fora das leis da
aritmética.
7. Um romance
policial sem cadáver não existe e direi mesmo que quanto mais morto melhor. Se
não é crime de morte, não basta. Fazer ler trezentas páginas sem oferecer um
crime de morte, seria demasiada exigência. No fim de contas, o dispêndio de
energia do leitor de romances policiais deve ser recompensado. Os americanos
são essencialmente humanos e um alto crime desperta neles o sentimento de
horror e vingança. Num caso desses são, com efeito, capazes de exigir com
entusiasmo que o culpado seja castigado.
8. O problema
policial deve ser resolvido por meios estritamente realistas. Métodos como a
clarividência, as cartas, a transmissão de pensamento, a bola de cristal, ou
sessões espíritas, são rigorosamente proibidos. O leitor deve ter a
possibilidade de competir em raciocínio com o polícia, mas se o forçam à
competição com os espíritos e tem que descobrir o culpado na quarta dimensão, a
sua derrota existe ab initio.
9. Num romance
policial digno deste nome não deve haver mais que um polícia, isto é, um único
a fazer as deduções – um deus ex machina.
Empregar o talento de três ou quatro polícias seria, não só dispersar o
interesse e perturbar a clareza do raciocínio, mas também tomar uma vantagem
sobre o leitor. Efectivamente, se há mais de um polícia, o leitor não sabe com
qual há-de rivalizar. É como se o obrigassem a correr contra uma equipa de
estafetas.
(CONTINUA)
1 comentário:
Uma boa ideia a publicação desta matéria.
O Jartur não a mandou para mim e eu estava para lhe pedir que a mandasse. Agora espero que a continuação não aconteça daqui a muito tempo.
Contudo penso que a prioridade será o bom andamento do Campeonato Nacional e Taça de Portugal e não me estou a referia apenas à publicação dos problemas.
Um abraço do
Rip Kirby
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