domingo, 30 de setembro de 2012

POLICIÁRIO 1104


VINTE REGRAS DO ROMANCE POLICIAL

Em 15 de Outubro de 1888, em Charlottesville, Estados Unidos da América, nasceu um senhor de nome Willard Huntington Wright, que provavelmente nenhum dos nossos leitores conseguirá reconhecer.
Foi crítico de arte e escritor. Nesta última actividade, usou o pseudónimo com que ficou conhecido no mundo policial: S S VAN DINE.
O escritor fez do número 19 uma obsessão e todos os seus romances tiveram títulos com 19 letras, como por exemplo, The Benson Murder Case, The "Canary" Murder Case, The Greene Murder Case, The Bishop Murder Case, The Scarab Murder Case, etc. Também o somatório das letras do seu pseudónimo, SS Van Dine e do nome do seu detective Philo Vance, totalizam 19 caracteres, precisamente!

Este senhor, tal como o confrade Jartur recordou há algum tempo, no âmbito das suas investigações para o Arquivo Histórico da Problemística Policiária Portuguesa, foi o autor das chamadas 20 Regras do Romance Policial (aqui não funcionou a obsessão!), que não devendo ser entendidas como obrigatórias, não deixam, no entanto, de ser uma base de trabalho para todos os que pretenderem abalançar-se na produção literária de índole policial.

Vamos publicar a primeira parte destas regras, voltando ao tema logo que tal se torne viável, face à prioridade que damos, como é óbvio, ao calendário competitivo da nossa secção.

AS 20 REGRAS DO ROMANCE POLICIAL, POR SS VAN DINE

O romance policial é uma espécie de jogo intelectual. É mais do que isso: é, por assim dizer, uma prova desportiva em que o autor deve proceder lealmente com o leitor. Recorrer a trapaças seria, para o autor, tão desonroso como ser surpreendido a fazer batota ao bridge. O que precisa é de ser mais manhoso do que o leitor, para suscitar e manter até ao fim o interesse deste último.
Há leis que regem a arte de escrever romances policiais – leis sem código, mas que não têm por isso menos força – a que o fabricante de histórias policiais que se respeita e pretende ser respeitado deve obedecer.
Aqui têm uma espécie de Credo, baseado em parte na prática dos grandes escritores, em parte naquilo a que poderíamos chamar consciência profissional do autor honesto:

1. O leitor e o polícia devem ter oportunidades iguais para resolverem o problema. Todos os indícios devem ser plenamente enunciados e descritos.
2. O autor não tem o direito de empregar para com o leitor truques ou astúcias que não sejam os que o culpado emprega legitimamente, digamos, para com o polícia.
3. O verdadeiro romance policial não deve ter enredo amoroso. Introduzir nele o amor seria perturbar o mecanismo do problema puramente intelectual. O que é preciso é fazer sentar o criminoso no banco dos réus e, não, conduzir um par ao altar.
4. O culpado não deve nunca ser um polícia, nem pertencer à polícia. Seria uma trapaça tão ordinária como oferecer um pence novo contra uma moeda de oiro de cinco dólares.

5. O culpado deve ser determinado por uma série de deduções lógicas e não por acidente, por acaso, ou por confissão espontânea. Resolver o problema por este último processo equivaleria a lançar deliberadamente o leitor numa falsa pista, para depois lhe revelar, quando ele desse a mão à palmatória, que a solução do problema já estava na algibeira desde o princípio. Seria troçar do leitor, nem mais, nem menos.

6. Em todos os romances policiais deve aparecer um polícia. E um polícia que trabalhe e saiba do seu ofício. A função deste é reunir indícios que nos levem até o indivíduo que no primeiro capítulo cometeu uma má acção. Se o polícia não chega a uma conclusão satisfatória pela análise dos indícios que reuniu, não resolveu melhor o problema do que o aluno que encontra a solução fora das leis da aritmética.

7. Um romance policial sem cadáver não existe e direi mesmo que quanto mais morto melhor. Se não é crime de morte, não basta. Fazer ler trezentas páginas sem oferecer um crime de morte, seria demasiada exigência. No fim de contas, o dispêndio de energia do leitor de romances policiais deve ser recompensado. Os americanos são essencialmente humanos e um alto crime desperta neles o sentimento de horror e vingança. Num caso desses são, com efeito, capazes de exigir com entusiasmo que o culpado seja castigado.

8. O problema policial deve ser resolvido por meios estritamente realistas. Métodos como a clarividência, as cartas, a transmissão de pensamento, a bola de cristal, ou sessões espíritas, são rigorosamente proibidos. O leitor deve ter a possibilidade de competir em raciocínio com o polícia, mas se o forçam à competição com os espíritos e tem que descobrir o culpado na quarta dimensão, a sua derrota existe ab initio.

9. Num romance policial digno deste nome não deve haver mais que um polícia, isto é, um único a fazer as deduções – um deus ex machina. Empregar o talento de três ou quatro polícias seria, não só dispersar o interesse e perturbar a clareza do raciocínio, mas também tomar uma vantagem sobre o leitor. Efectivamente, se há mais de um polícia, o leitor não sabe com qual há-de rivalizar. É como se o obrigassem a correr contra uma equipa de estafetas.

 (CONTINUA)

1 comentário:

Anónimo disse...

Uma boa ideia a publicação desta matéria.
O Jartur não a mandou para mim e eu estava para lhe pedir que a mandasse. Agora espero que a continuação não aconteça daqui a muito tempo.
Contudo penso que a prioridade será o bom andamento do Campeonato Nacional e Taça de Portugal e não me estou a referia apenas à publicação dos problemas.
Um abraço do

Rip Kirby