DECIFRADOS
ENIGMAS DE TRADIÇÃO E CRIME
Mais
um capítulo das nossas competições é hoje cumprido, com a publicação das
soluções dos enigmas que fizeram a prova n.º 9, dois problemas com um grau de
reduzida dificuldade, que entram nas nossas memórias, enquanto membros desta
comunidade, no primeiro caso e numa questão recorrente no nosso passatempo, que
é a culpabilização indevida da mentira, no segundo caso.
Esta
questão, de resto, tem sido usada nos dois sentidos, ou seja, em alguns
problemas o mentiroso é imediatamente o culpado, apenas porque mente, o que não
é aceitável. Uma mentira que despoleta uma contradição é sempre um motivo
acrescido para uma investigação mais aprofundada, mas não mais do que isso. No
problema de escolha múltipla, temos dois suspeitos que mentem, mas em momentos
diferentes e com resultados diversos. Um, mente deliberadamente, para se exibir
ou de forma compulsiva, mas as suas mentiras são contraditadas pelos documentos
e provas produzidas. Ele não poderia ter feito ou agido como afirma porque o
investigador provou que ele estava noutro local e não ali; o outro, mente para
reportar uma situação que não podia ser do seu conhecimento. Ao reivindicar a
descoberta do cadáver, não poderia referenciar uma ferida na face, quando o
cadáver foi encontrado de costas para cima e com a cara metida na areia. Neste
caso, a mentira de afirmar que descobriu o cadáver acidentalmente com a ferida
na cara é incompatível com o conhecimento dessa situação e isso é indicador de culpabilidade
objectiva.
CAMPEONATO
NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL – 2018
SOLUÇÕES
DA PROVA N.º 9
PARTE
I – “UMA NOITE DE NATAL EM SOLAR MINHOTO” – de EMIL
A
véspera de Natal, designada Consoada, tem tradições muito antigas no nosso país
e principalmente no norte e centro, onde as tradições continuam, apesar de
tudo, a subsistir.
No
caso do Minho, mas não só, também em todas as zonas do país, a Consoada era
marcada pelo polvo, que era rei e senhor.
A
maioria do polvo vinha da Galiza, cuja costa recortada e rochosa tinha as
aptidões completas para o seu desenvolvimento, o que originava capturas de
grande dimensão. Nesta altura do ano, havia grandes deslocações de pessoas do
Minho e Trás-os-Montes para aquisição do molusco.
No
tempo do salazarismo, a entrega das pescas a entidades que as controlavam em
regime monopolista, fez com que as apostas se dirigissem para os bancos de
pesca da Gronelândia, onde reinava o bacalhau, que era um peixe pouco procurado
devido às imensas dificuldades na sua captura, em missões de vários meses.
Daí
que o governo de então resolvesse criar uma autêntica caça aos
comercializadores de polvo, no sentido de impedir a sua chegada ao prato dos
portugueses e a sua substituição pelo bacalhau. Nesse sentido, houve reforço de
fiscalização das fronteiras, a cargo da guarda-fiscal, com ordens explícitas de
queimar e destruir completamente todo o polvo detectado.
Com
o tempo e a crescente dificuldade em aceder ao molusco marinho e a facilidade
de aquisição do bacalhau salgado, na época considerado prato dos pobres, a
tradição foi sendo subvertida e hoje é comumente aceite que o bacalhau
devidamente cozido depois de demolhado, não pode faltar à mesa da Consoada.
As
refeições estão correctas. O jantar era pela hora a que agora se considera o
almoço e havia a merenda a meio da tarde e finalmente a ceia, que anunciava a
hora de deitar e dormir.
O
historiador desta nossa cena, teria de apontar o “fiel amigo” como o intruso
deste enredo.
PARTE
II - “CADÁVER NA PRAIA” – de BIMBA
Alínea
B – O Paulo.
O
Carlos e o Luís não prestam depoimentos que permitam duvidar das suas versões,
pelo que ficam quase de imediato fora das suspeitas.
O
José dá pormenores que não podem ser verdadeiros, como por exemplo ter ficado
muito afectado pelo olhar penetrante do cadáver a fixar-se em si, mas ser
mentiroso não é a mesma coisa que ser criminoso. Mentiu, igualmente, sobre ter
sido ele a avisar a Polícia Marítima. Mas como esteve no hospital durante toda
a noite, sendo confirmado pelo papel que exibiu. Embora pudesse ter-se
ausentado para cometer o crime, regressando depois ao hospital, em tese, essa
hipótese é eliminada com a afirmação do inspector de que confirmou a versão
apresentada da estadia no hospital. Mentiroso em excesso, mas ilibado.
Resta-nos
o Paulo que acaba por se denunciar ao referir uma ferida no rosto da vítima,
quando esta foi encontrada de cara para baixo, assente na areia daquele espaço
limitado onde acabou por ficar ao sabor das marés. Não poderia ter visto o
ferimento e foi ele que comunicou o facto às autoridades.
REFLEXÃO
PARA UMA NOVA ÉPOCA
Os
nossos confrades são convocados para uma reflexão sobre o que pretendemos para
este nosso espaço, no futuro próximo. Não é possível a manutenção de uma época
competitiva longa e difícil com a ausência de desafios capazes de a alimentar.
Tratando-se de um assunto recorrente, o desaparecimento de produtores que nos
habituaram a estar presentes, não foi colmatado com o surgimento de novas
apostas, o que coloca o orientador em dificuldades para ter desafios em qualidade
e número suficientes.
Agora
que se aproxima a passos largos o momento de todas as decisões, é obrigatório
que todos os confrades de capacitem de que apenas iremos ter competição nos
moldes que têm sido definidos nos últimos anos, se e quando o orientador tiver
garantias de poder assegurar as produções necessárias, com qualidade e em
número suficiente.
Talvez
neste Natal o sapatinho do Policiário possa ser brindado com vários desafios,
como presentes!
Assim
esperamos!
2 comentários:
Bom dia
Sobre a tradição do Bacalhau fiz alguma pesquisa a nível da net, e as referências que encontrei indicam que pelo menos no final do séc. XIX já havia esta tradição, em conjunto com o polvo mas sempre com a referência ao bacalhau em conjunto. Exemplos:
https://www.publico.pt/2014/12/14/portugal/noticia/comer-bacalhau-no-natal-e-como-rebobinar-uma-cassete-1679187
“A tradição nasceu porque a véspera de Natal era um período de abstinência de carne, explica José Manuel Sobral, autor de vários estudos sobre a relação entre o bacalhau e os portugueses. “Impôs-se porque chegava ao interior do país. A carne significava o pecado, a luxúria e portanto a véspera de Natal era também um dia de purificação até à meia-noite.” Mas, à medida que o consumo do bacalhau crescia e a sua culinária se alargava, “o que começou por penitência transformou-se em prazer”.”
“já antes, no século XVI, há referência à presença do bacalhau importado no porto de Lisboa, e ele aparece na literatura portuguesa, por exemplo, em Gil Vicente (séculos XV e XVI). No século XVII, as fontes sobre o bacalhau generalizam-se”
“Mas é difícil datar historicamente o início desta tradição, diz, pois na maior parte do tempo as práticas alimentares não são noticiadas, “são coisas tidas como tão banais e em que ninguém repara”. “Expressões como as ‘mil e uma maneiras de fazer bacalhau’ aparecem em final de século XVIII.””
http://quilometrosquecontam.com/polvo-minho-tras-os-montes/
“O polvo não chega às mesas dos transmontanos, minhotos ou açorianos por simples capricho: é o resultado de muitas gerações de fervor religioso e de uma altura em que era mais difícil fazer fluir os bens comerciais do litoral para o interior. As regras da Igreja Católica impunham refeições sem carne durante este período, numa limitação que só acabava na ceia de Natal, depois da Missa do Galo.
Mas até o peixe poderia ser complicado de adquirir no princípio do inverno e, por isso, os alimentos secos e salgados para conservação eram bastante comuns. Os dois mais clássicos exemplos? O Bacalhau e o Polvo, claro.”
http://jornalsabores.com/tradicao-modernidade-dos-comeres-natal-portugal/
“Ramalho Ortigão (1836-1915), escrevendo de Paris, afirmava com convicção e orgulho que “há um só banquete que desbanca todos os jantares de Paris, mas que os desbanca inteiramente: é a ceia da véspera de Natal nas nossas terras do Minho”.”
“Tradicionalmente, no Minho, Douro Litoral, Alto Douro e Trás-os-Montes e Beira Alta a consoada vinha (em muitas localidades ainda vem) antes da meia noite e por isso, era de abstinência, pois desde a Idade Média o calendário cristão «obrigava» a jejuar entre o dia de Todos os Santos e o dia de Natal. Assim, dava-se preferência ao bacalhau, polvo, pescada ou congro.”
https://www.casalmisterio.com/o-que-os-portugueses-comiam-no-natal-ha-630571
“Está a ver aquela posta alta e deliciosa de bacalhau cozido com couves, cenouras, batatas e muito azeite por cima? No início do século XX, isso era coisa que só existia no Norte do país.”
“Mas, há 100 anos, era coisa que existia essencialmente no Norte do País, acima do Porto. Aí, sim, havia uma tradição de jantar em família, com bacalhau – cozido ou em pastéis –, polvo guisado, arroz de polvo ou outros pratos sem carne”
Será que todas estas referências distintas entre si em termos de fontes estão erradas, e afinal não havia já tradição do bacalhau no séc. XIX no Minho?
Obrigado,
Eduardo
Desculpem a entrada, não quero polémicas nem.A tradição é o polvo. O bacalhau só aparece porque depois se tornou o rei da Consoada. Bacalhau sempre houve mas ninguém o comia não se pode falar de tradição de pesccada ou congro que também era comido. A tradição é o polvo, os outros eram comidos "também" e como ninguém liga ao congro ou à pescada é o bacalhau que surge empurrado pelo salazarismo.
Deco
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