II TORNEIO NACIONAL DE PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA
Problema
n.º 8
EU VI UM CRIME Publicado na revista “FLAMA” # 531
Original
de: Oliver
Quinn em 08 de Maio de 1958
Era quase meia-noite. Júlio Népus tirou
os pés de sobre a secretária e levantou-se. Deu meia dúzia de passos pelo seu
acanhado escritório e aproximou-se da janela. Abriu-a. A noite estava escura e
extremamente ventosa. Pela rua, não longe da Baixa, o movimento era pouco. Ao
longe soaram a buzina dum carro e, aqui e além, uns passos. Então soou o
telefone. Népus desencostou-se lentamente da janela e alcançou-o em cima da
secretária. Do outro lado, veio uma voz desconhecida, de ressonância estranha.
- «Dr. Népus?» - disse a voz - «temia
não o apanhar já no escritório… É tão tarde…»
- «Quem sou… bem… o senhor não me
conhece». A voz dele era alta, nervosamente gritante, reflectindo um estado
nervoso notavelmente acentuado. «Querem matar-me». Júlio Népus compreendeu
então, que a estranha ressonância da voz lhe era conferida pelo medo.
- «Presenciei um crime…» Pausa.
«Querem… Querem matar-me». Tinha dito tudo numa assentada na sua esquisita voz
gritante. De repente parou. Quis pronunciar qualquer coisa, mas a voz
prendeu-se-lhe na garganta como um soluço. Népus pressentiu a sua aflição. A
conversa do outro não tinha nenhum sentido para ele, mas quis ajudar.
- «Tenha um pouco de calma». «Quem é
você? Quem é que quer matar?» - perguntou ele. Esperou um pouco pela resposta.
- O senhor lembra-se daquele caso da
Celeste Andrade, aquela mulher que apareceu morta a semana passada? – disse ele
- «Eu vi tudo. Vi o assassino a estrangulá-la… e ele também me viu… Sou o
Sampaio, Fernando Sampaio. Fui uma das testemunhas, mas tive medo de acusar o assassino.
Era capaz de me matar também… E agora não posso recorrer à polícia. Agora ele
persegue-me para toda a parte… não o vejo, mas pressinto-o… Às vezes até
telefona para o escritório a fazer ameaças… «O homem inspirou profundamente. Ia
recomeçar a falar, mas a telefonista interrompeu-o». Era favor deitar mais duas
moedas na caixa. A espera prolongou-se. Por fim, ouviu-se o som das moedas a
caírem no receptáculo. E Sampaio recomeçou logo a falar no mesmo tom,
monocórdico e penetrante.
- «Creio que estou com azar. Temos
pouco tempo para falar. Foram as últimas moedas. Agora só em nota. Temos de
falar depressa».
- «Mas de onde é que você está a
falar?» - perguntou Népus.
- «De uma cabine, próximo da minha
casa. Fica mesmo pertinho e a noite está escura. Aliás, não vi ninguém nas
proximidades; a noite está muito escura – mesmo nevoenta».
- «Mas onde fica a sus casa?»
- «Em Algés, num local bastante
retirado».
- «Olhe, faça uma coisa. Venha até ao
meu escritório e cá tratamos disso melhor. Parece-me que tenho muito a fazer
por você».
-
«Não, não posso» - protestou Sampaio. «Vivo muito afastado e o outro… o
assassino pode apanhar-me».
- «Deixe-se disso» - gritou Népus, pelo
bocal. – Você tem transporte directo. O meu escritório fica na Rua da Madalena.
Apanha o comboio e depois o autocarro. Fica quase à porta. Vamos, venha».
- «Mas, amanhã…» - principiou o outro.
- «Amanhã… talvez que esse camarada já
tenha realizado o seu aviso. Cá o espero».
Desligou.
Enquanto recolocava o telefone no
suporte, Népus movimentava o cérebro a grande velocidade. O homem devia ver-se
num sarilho tremendo… Era a liberdade dele contra a vida do outro. Não podia escolher…
As ideias sucediam-se baralhadas no
pensamento. Voltou a pensar em Sampaio. Ele tinha telefonado de Algés. Se
apanhasse logo comboio e, depois, autocarro, em meia hora estava lá. De
qualquer maneira não levaria mais de três quartos de hora.
Passara um bom bocado. O homem devia
estar quase a chegar. Era cerca de uma hora da noite. Então o telefone tocou.
Népus tomou o auscultador e perguntou quem era. Do outro lado titubearam
qualquer coisa. Júlio Népus repetiu a pergunta. O interlocutor pigarreou. A voz
saiu mais audível, ainda que ligeiramente nervosa.
- «Dr. Népus, desculpe, mas não posso
lá ir» - disse ele. «É muito tarde e fica muito longe. Tenho medo que ele me
apanhe no caminho. Fica para amanhã…»
- «Já será tarde…»
- «Vou cedo… pelas nove horas da
manhã…»
- «Como queira…»
- «Então…»
- «Só uma pergunta» - disse Népus.
«Donde é que você está a telefonar? Da mesma cabine?»
- «Sim, de Algés».
- «Pronto, até amanhã».
Desligaram ao mesmo tempo. Népus
sorriu. Uma cena perfeita do assassino ludibriando o detective. Ou vice-versa.
Claro que um assassino não pode adivinhar todos os pormenores. É esse o mal
deles…
* * *
* *
PERGUNTA-SE:
a) Como soube Júlio Népus que estava
a falar com o assassino e não com o Sampaio?
b) Como pôde o assassino saber a
quem Sampaio tinha telefonado para depois lhe telefonar?
Nota: A gravura aqui apresentada,
parece feita para este problema,
mas é meramente decorativa.
Jarturice II TNPP
– 008
Divulgada em
01.Abril.2016
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