domingo, 3 de abril de 2016

II TORNEIO NACIONAL - CLUBE LITERATURA POLICIAL - PROBLEMA 8

                                       
                                                                                                            
II  TORNEIO   NACIONAL   DE   PROBLEMÍSTICA   POLICIÁRIA
Problema n.º 8
EU VI UM CRIME                            Publicado na revista “FLAMA” # 531
Original de: Oliver Quinn        em 08 de Maio de 1958

         Era quase meia-noite. Júlio Népus tirou os pés de sobre a secretária e levantou-se. Deu meia dúzia de passos pelo seu acanhado escritório e aproximou-se da janela. Abriu-a. A noite estava escura e extremamente ventosa. Pela rua, não longe da Baixa, o movimento era pouco. Ao longe soaram a buzina dum carro e, aqui e além, uns passos. Então soou o telefone. Népus desencostou-se lentamente da janela e alcançou-o em cima da secretária. Do outro lado, veio uma voz desconhecida, de ressonância estranha.
         - «Dr. Népus?» - disse a voz - «temia não o apanhar já no escritório… É tão tarde…»

        - «Não importa» - respondeu Népus - «O escritório é a minha casa. Mas, com quem falo?»
         - «Quem sou… bem… o senhor não me conhece». A voz dele era alta, nervosamente gritante, reflectindo um estado nervoso notavelmente acentuado. «Querem matar-me». Júlio Népus compreendeu então, que a estranha ressonância da voz lhe era conferida pelo medo.
         - «Presenciei um crime…» Pausa. «Querem… Querem matar-me». Tinha dito tudo numa assentada na sua esquisita voz gritante. De repente parou. Quis pronunciar qualquer coisa, mas a voz prendeu-se-lhe na garganta como um soluço. Népus pressentiu a sua aflição. A conversa do outro não tinha nenhum sentido para ele, mas quis ajudar.
         - «Tenha um pouco de calma». «Quem é você? Quem é que quer matar?» - perguntou ele. Esperou um pouco pela resposta.
         - O senhor lembra-se daquele caso da Celeste Andrade, aquela mulher que apareceu morta a semana passada? – disse ele - «Eu vi tudo. Vi o assassino a estrangulá-la… e ele também me viu… Sou o Sampaio, Fernando Sampaio. Fui uma das testemunhas, mas tive medo de acusar o assassino. Era capaz de me matar também… E agora não posso recorrer à polícia. Agora ele persegue-me para toda a parte… não o vejo, mas pressinto-o… Às vezes até telefona para o escritório a fazer ameaças… «O homem inspirou profundamente. Ia recomeçar a falar, mas a telefonista interrompeu-o». Era favor deitar mais duas moedas na caixa. A espera prolongou-se. Por fim, ouviu-se o som das moedas a caírem no receptáculo. E Sampaio recomeçou logo a falar no mesmo tom, monocórdico e penetrante.
         - «Creio que estou com azar. Temos pouco tempo para falar. Foram as últimas moedas. Agora só em nota. Temos de falar depressa».
         - «Mas de onde é que você está a falar?» - perguntou Népus.
         - «De uma cabine, próximo da minha casa. Fica mesmo pertinho e a noite está escura. Aliás, não vi ninguém nas proximidades; a noite está muito escura – mesmo nevoenta».
         - «Mas onde fica a sus casa?»
         - «Em Algés, num local bastante retirado».
                                                                                                                                      

         - «Olhe, faça uma coisa. Venha até ao meu escritório e cá tratamos disso melhor. Parece-me que tenho muito a fazer por você».
- «Não, não posso» - protestou Sampaio. «Vivo muito afastado e o outro… o assassino pode apanhar-me».
         - «Deixe-se disso» - gritou Népus, pelo bocal. – Você tem transporte directo. O meu escritório fica na Rua da Madalena. Apanha o comboio e depois o autocarro. Fica quase à porta. Vamos, venha».
         - «Mas, amanhã…» - principiou o outro.
         - «Amanhã… talvez que esse camarada já tenha realizado o seu aviso. Cá o espero».
         Desligou.
         Enquanto recolocava o telefone no suporte, Népus movimentava o cérebro a grande velocidade. O homem devia ver-se num sarilho tremendo… Era a liberdade dele contra a vida do outro. Não podia escolher…
         As ideias sucediam-se baralhadas no pensamento. Voltou a pensar em Sampaio. Ele tinha telefonado de Algés. Se apanhasse logo comboio e, depois, autocarro, em meia hora estava lá. De qualquer maneira não levaria mais de três quartos de hora.
         Passara um bom bocado. O homem devia estar quase a chegar. Era cerca de uma hora da noite. Então o telefone tocou. Népus tomou o auscultador e perguntou quem era. Do outro lado titubearam qualquer coisa. Júlio Népus repetiu a pergunta. O interlocutor pigarreou. A voz saiu mais audível, ainda que ligeiramente nervosa.
         - «Dr. Népus, desculpe, mas não posso lá ir» - disse ele. «É muito tarde e fica muito longe. Tenho medo que ele me apanhe no caminho. Fica para amanhã…»
         - «Já será tarde…»
         - «Vou cedo… pelas nove horas da manhã…»
         - «Como queira…»
         - «Então…»
         - «Só uma pergunta» - disse Népus. «Donde é que você está a telefonar? Da mesma cabine?»
         - «Sim, de Algés».
         - «Pronto, até amanhã».
        
Desligaram ao mesmo tempo. Népus sorriu. Uma cena perfeita do assassino ludibriando o detective. Ou vice-versa. Claro que um assassino não pode adivinhar todos os pormenores. É esse o mal deles…

  *     *     *     *     *
                   PERGUNTA-SE:
a)    Como soube Júlio Népus que estava a falar com o assassino e não com o Sampaio?
b)   Como pôde o assassino saber a quem Sampaio tinha telefonado para depois lhe telefonar?

Nota: A gravura aqui apresentada,
parece feita para este problema,
mas é meramente decorativa.
                                                   Jarturice II TNPP – 008
                                                     Divulgada em 01.Abril.2016

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