II TORNEIO NACIONAL DE PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA
Solução do problema n.º 3 Publicado na revista “FLAMA” # 520
em 21
de Fevereiro de 1958
O MISTÉRIO DO TRIDENTE FATAL
Apresentada
pelo autor: Mr. Jartur
Não
existem dúvidas de que a solução deste problema é clara e única. Para a
conseguir nada mais é preciso do que pura dedução, confrontando as declarações
dos depoentes com as coisas e os factos que o detective viu e foram descritas
no problema.
Ora,
temos como culpado, aliás como culpada, a noiva de Alfredo. Para uma acusação
mais concreta, há que ter em atenção o numero de mentiras existentes nas suas
declarações e, também, o número de pormenores que ditam a sua culpabilidade.
Inicialmente vou focá-los todos, sem ordem. Depois, mais adiante, farei a
reconstituição do caso apontando, então, outros pormenores devidamente
explicados.
a)
Primeiro que tudo, há a anotar o facto de Maria José ter dito que ouvira uma
detonação. - Este é o seu primeiro erro, visto que os arpões de caça submarina
são disparados por força de elásticos e nunca por qualquer carga explosiva. Um
possível silvo do tridente não lhe chegaria aos ouvidos, visto que, por muito
calmo que o mar estivesse, o rumor das ondas o abafaria. Como adiante se prova,
a rapariga andava com a cabeça protegida por uma carapuça, o que mais ainda
dificultaria a audição.
b)
Marcos Dias viu que o arpão estava encurvado pelo meio, o que prova que este
não fora disparado por qualquer «zarabatana», visto que estas possuem umas
guias para dar direcção ao projéctil e, a ser assim, a haste do tridente não
deslizaria.
c)
Depois
de disparado, o arpão não se entortaria, pois a pressão exercida seria centrada
no sentido longitudinal e nunca
transversal de modo a encurvar-se.
d)
Mas, o pormenor mais acusador, é aquele que a jovem construiu ao afirmar que
estivera chorando abraçada ao noivo. Acusador, digo eu, pois «as lágrimas
caíam-lhe nas pernas e rolavam pela pele limpa e sedosa, confundindo-se com
algumas gotas de água que o calor ainda não evaporara». Comparando a afirmação
e o facto, deparamos com os seguintes erros: A ter estado ela abraçada ao
corpo, por conseguinte deitada no chão, além de a areia fina lhe secar as coxas
e as pernas que assentara no solo, ter-lhe ia ficado, colada à pele húmida, uma
grande quantidade de areia que nós sabemos ser fina e alourada. Mais atesta a
veracidade desta dedução, o facto de, como diz o autor do problema, os
cotovelos estarem sobre as pernas agora impecavelmente belas, pois já secara
toda a água.
e)
Outro pormenor bastante acusador, é o facto de «à volta do corpo nada de
anormal se encontrar». Isto desmente a rapariga ao dizer que não entrara na
barraca pois, como sabemos, ela metera na saca o barrete de natação quando ali
entrara a ver se faltaria alguma coisa, como o detective lhe indicou. Ora, se
ela tinha a carapuça na cabeça, como atestam os seus cabelos soltos ao vento;
se não a tinha nas mãos, o que sabemos porque ao correr ela acenava com os
braços; nem, como já disse, se encontrava à volta do corpo, é porque a Maria
José já havia colocado esse objecto dentro da barraca. Para o fazer, podia na
realidade não ter entrado antes na barraca; porém, a mentira continua, visto
que ela afirmou ter corrido para o corpo e ter ficado abraçada a ele até ao
momento em que se erguera para correr para a estrada.
Então
como é que pôs o barrete dentro da barraca, pois não há dúvida de que nadara
com ele? A prová-lo está a carapuça molhada e os cabelos soltos. No caso de ter
nadado sem o capacete - o que é improvável sabendo-se que o seu cabelo é
comprido - este estaria empastado e não lhe chicotearia o colo e os ombros.
f)
A ter estado a jovem abraçada ao corpo, os seus cabelos longos teriam, sem
dúvida, chegado ao sangue e então ficariam manchados, como devia ficar também o
«maillot» ou o corpo da rapariga.
g)
O arpão, entortado, prova-nos que fora espetado por alguém que o agarrara pela
haste e, ao desferi-lo sobre a vítima, lhe dera, sem querer, um movimento
lateral que motivara o empeno.
Quanto
a pormenores acusadores, ficar-nos-emos por aqui, se bem que poderíamos ainda
expor algumas hipóteses que nos provariam a anormalidade do caso, como por
exemplo o facto de Maria José ter ficado abraçada ao corpo, quando a sua
reacção deveria ser de horror, o que a levaria a procurar, desde logo, alguém
que a auxiliasse. Esperar junto do defunto que o acaso trouxesse alguém para a
ajudar, é ter muita calma, uma calma da qual não dera provas durante a presença
do investigador.
É, pois, a altura de reconstituir o
caso, expondo o raciocínio que me pareceu mais lógico.
Terminado
o passeio pela praia, que sem dúvida fizeram após a sesta, Maria José foi, na
realidade, para a água onde viu, boiando, um peixe morto com um tridente
espetado no ventre. Então, assaltou-lhe a mente uma ideia: desfazer-se do
noivo, ao qual desde há muito vinha sugando dinheiro, e de quem agora já se
sentia cansada. Extraiu o arpão do corpo do peixe e, saindo da água, colocou o
tridente sobre a areia, em sítio onde a água não chegasse.
O
noivo, futura vítima, continuava interessado pela obra de uma boa escritora.
Assim a jovem pôde, durante alguns minutos, estudar mesmo enquanto nadava, a
maneira de cometer o delito sem se inculpar. E, então a ideia chegou.
Saindo
da água, a cantora tirou da cabeça o barrete de borracha e com ele agarrou o
tridente quase enxuto. Razão pela qual nele não havia impressões digitais.
Subiu a praia, silenciosa, e aproximando-se de Alfredo que nada notava, já pelo
interesse concentrado na leitura, já pelo ruído quase nulo dos passos da
criminosa. (Podia até ter-lhe falado, o que, aliás, o não surpreenderia nem o
faria mudar de posição). Curvou-se um pouco, apontou o tridente e... A vítima
nem se mexeu, pois os bicos da arma fatal, dera-lhe morte imediata. (Se
repararmos na posição do livro e das mãos da vítima, fácil nos será
concluí-lo). A rapariga olhou mais uma vez à sua volta e aproximou-se da
barraca na intenção de «surripiar» o que quer que fosse. Naturalmente sem notar
que o fazia, pousou a carapuça. Mal tinha acabado o seu trabalho, ouviu-se na
estrada o deslizar do automóvel. Teve uma ideia súbita e correu, acenando aos
ocupantes do veículo.
Esta
hipótese, que é a mais lógica, pode, no entanto, divergir em alguns pontos, o
que não influi na boa e única solução do caso para o qual devem ser tomados em
conta todos os pormenores focados nas alíneas a), b), c), d), e),f) e g), e
ainda os apontados na reconstituição do caso.
Quanto
ao outro suspeito, nada tem a ver com o crime. As suas declarações nada têm de
duvidoso e há ainda a salientar o facto de ter estado na praia, a dormir, como
comprovarão as pessoas que ele disse terem estado na praia e que, por certo,
são suas conhecidas.
«Mr. JARTUR»
Nota do Jartur:
Agora que reli este meu problema, mais de
cinquenta anos depois da sua criação, encontro, particularmente na solução que
elaborei, algumas pequenas/grandes
falhas que me levam a sorrir, desculpando a inocência
e a falta de conhecimentos
científicos do jovem e inculto autor.
Perdoem-lhe, e corrijam, criticando-lhe as
ignorâncias.
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