segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A SOLUÇÃO DE DANIEL FALCÃO

I – A MORTE DO VETERANO de Rip Kirby

Almerindo Cabral, com os seus 69 anos, não deixa de escutar diariamente temas musicais muito conhecidos nos anos 60 do século passado, como é o caso de O Imigrante pelo conjunto Maria Albertino, o Fado das Trincheiras pelo Miúdo da Bica e o Tango dos Barbudos. E é precisamente no dia do seu 69º aniversário, quando se prepara para mais uma vez escutar estes três temas, que encontra a morte, provocada por uma bala no seu temporal direito.

II – QUE GRANDE LATA de Lateiro

Frederica corre em direcção ao rio, por entre as árvores, procurando um refúgio onde possa recuperar o fôlego e ler a sua revista preferida. É alertada pela ausência dos cromos autocolantes de oferta. Exigente, mesmo tendo roubado a revista, regressa ao local do crime, na tentativa de receber os cromos que não conseguira roubar. Obviamente que não é bem recebida e, em resultado de um empurrão, o dono da loja acaba por morrer.



A MORTE DO VETERANO

ALMERINDO CABRAL – OS FAMILIARES DA VÍTIMA – 11 DE NOVEMBRO, DIA DE S. MARTINHO – O CORPO É ENCONTRADO – O RELÓGIO DA SALA DE JANTAR – A ORDEM DOS TEMAS MUSICAIS – O INSPECTOR EDUARDO TRINDADE INVESTIGA – O INSPECTOR EDUARDO TRINDADE INQUIRE – OS INOCENTES – O CULPADO




ALMERINDO CABRAL
No dia 11 de Novembro de 1940, dia de São Martinho, nasce numa vila da Beira o segundo filho da família Cabral, a quem é dado o nome de Almerindo. Tem uma infância feliz na companhia do irmão mais velho, Adelino, e dos irmãos mais novos, Antero e Armanda.
Ainda não tinha festejado o 21º aniversário quando, na companhia de outros jovens da sua idade, se vê no contingente que está de partida para o continente africano, mais exactamente para uma das colónias portuguesas onde, meses antes, tinha deflagrado uma violenta sublevação – Angola. Corria o ano de 1961.
O regresso acontece dois anos mais tarde. Regressa como muitos jovens portugueses, amputados de um ou outro membro ou simplesmente afectados psicologicamente pelo que experimentaram durante esse período, enquanto outros… As marcas da temporada em Angola estão bem visíveis na sua mão direita, em que um acidente levara à amputação de todos os seus dedos.O tratamento posterior permitira algumas melhoras. Pouco depois, seguiu as pisadas de um tio abastado que o chamara e rumou, imigrando, para o Brasil. A presença junto do tio, ajudando-o, colaborando com ele, proporcionou-lhe ser o seu único herdeiro. Viu-se, então, na posse de uma avultada fortuna.
Os anos passaram. Continuou a trabalhar, agora sozinho porque se mantivera solteiro, até sentir o peso da idade. É então que decide regressar ao seu país.
Numa tarde ensolarada de 1994, com a vetusta idade de 63 anos, desce do comboio na sua terra natal. Ali investe, construindo uma luxuosa casa. Para a partilhar, convida os seus irmãos ainda vivos, Armanda já falecera, e os seus sobrinhos: António, Alberto e Isabel.
Da sua passagem pela antiga colónia portuguesa ficara-lhe um gostinho muito especial, a sua predilecção por três temas musicais: O Imigrante tocado pelo conjunto Maria Albertina, o Fado das Trincheiras cantado por Fernando Farinha, o Miúdo da Bica, e O Tango dos Barbudos. Passados quase 50 anos, Almerindo ainda os continua a escutar diariamente…

…até que chega o dia 11 de Novembro de 2009!

[Há uma leve discrepância sobre há quantos anos o Almerinda escuta os temas: segundo o autor “passados mais de 40 anos”, segundo nós “passados quase 50 anos”. Caso Almerindo tenha nascido antes de 1940, por exemplo, 1935, a sua inclusão no contingente militar que partiu para Angola, teria ocorrido aos 26 anos, idade em que já teria cumprido o serviço militar. É este facto que consubstancia esta nossa ilação, embora a mesma seja irrelevante para a investigação que desenvolvemos.]


OS FAMILIARES DA VÍTIMA
Na luxuosa casa de Almerindo Cabral, para além dos empregados, cinco familiares possuíam aposentos individuais: Adelino e Antero, irmãos de Almerindo, e António, Alberto e Isabel, todos eles sobrinhos.
O irmão Adelino Cabral, dois anos mais velho, “passava a vida a queixar-se da sua sorte”. Precisamente por ser o mais velho, entendia que “deveria ter sido o herdeiro do tio”. Esquecia-se, porém, que fora Almerindo que passara uma grande parte da sua vida ao lado do tio abastado, com ele colaborando e partilhando os bons mas também os maus momentos. “Poucos meses depois de casado, a mulher [de Adelino] sumiu sem deixar rasto.”
O irmão Antero Cabral, o mais novo dos irmãos, “estudara no seminário” e “passava os dias a ler e a escrever”, isolando-se do resto dos familiares e restante pessoal da casa.
O sobrinho António Cabral, filho de Adelino, era formado em engenharia, mas não exercia a sua actividade, pois “explorar o tio dava [muito] menos canseira”. Fora abandonado pela mãe, logo a seguir ao seu nascimento. Possivelmente partilhava com o pai a ideia de injustiça cometida pelo tio-avô na atribuição da herança. Raramente passava em casa do tio e “quando aparecia era para [o] cravar”.
O sobrinho Alberto Pereira, filho da irmã de Almerindo e com sobrenome Pereira por parte do pai, era formado em medicina e trabalhava num hospital em Lisboa. Embora tivesse o seu próprio aposento em casa do tio, residia na cidade onde trabalhava.
A sobrinha Isabel Cabral, filha de Antero, era formada em economia e trabalhava num banco no Porto. Tal como o primo Alberto, embora tivesse o seu próprio aposento em casa do tio, também residia na cidade onde trabalhava.
Observando as características destes cinco familiares, muito rapidamente se conclui que, enquanto três deles parecem ter uma relação normal com o Almerindo (Antero, Alberto e Isabel), vivendo a sua própria vida, os restantes dois (Adelino e António) não se parecem ter conformado com o destino da herança. Embora para um destes últimos (António), desde que vá recebendo a sua parte, tudo decorre um pouco melhor.




11 DE NOVEMBRO, DIA DE S. MARTINHO

Almerindo não era um particular apreciador das festas tradicionais, mas como tinha nascido no dia de São Martinho, gostava de festejar o seu aniversário. Nesta data festiva, fazia questão de reunir toda a família: irmãos e sobrinhos. A rotina daquele dia era bem conhecida e concretizada pelos intervenientes.
Tudo começava bem cedo, “com a matança de um borrego”. Tarefa que lhe cabia a ele e ao irmão Adelino. Por volta das oito horas da manhã, chegava a sobrinha Isabel, responsável pelo assado do borrego “no forno [e acompanhado] com muitas batatas”.
O irmão Antero ensimesmado e o sobrinho Alberto chegavam um pouco mais tarde e não colaboravam nestas tarefas. António tinha por hábito aparecer por volta do meio-dia, já “no início do almoço”.
Concluída a refeição, o repasto era substituído pela conversa, ficando todos sentados à mesa. Finalmente, pelas 17 horas, fazia-se jus ao dia de S. Martinho, com a chegada das “castanhas assadas e as garrafas de água-pé”.
Mas, naquele dia 11 de Novembro, o festejo do 69º aniversário de Almerindo Cabral não decorreria exactamente daquela forma, embora o dia tivesse começado igual. “Algo errado aconteceu”…



O CORPO É ENCONTRADO
Tudo começou dentro da normalidade. Almerindo e Adelino mataram o borrego. Isabel chegou, por volta das oito horas, e preparou o assado.
O ponto de encontro era na sala de jantar, para onde se dirigiram Antero, que abandonou o seu isolamento, Alberto, que chegara entretanto, e Isabel, concluída que estava a preparação do assado. Faltavam chegar Adelino, António e o próprio aniversariante, que deveria estar “no quarto a preparar-se para presidir à mesa”.
Tradicionalmente, a vinda de Almerindo era precedida pela audição dos três temas da sua predilecção. “O relógio da sala de jantar marcava 11h40” quando chegou o momento tão aguardado.
Partindo do quarto de Almerindo, fez-se ouvir o primeiro tema, o Tango dos Barbudos, e logo depois o Fado das Trincheiras. Almerindo fazia questão que todos partilhassem este momento, pelo que se as músicas se podiam escutar não apenas na sala de jantar, mas também no exterior da casa.
Três minutos volvidos, após o início do Fado das Trincheiras, chegou António, vindo da cozinha. Imediatamente censurado pelo habitual atraso, afirmou que “o relógio da sala de jantar estava adiantado 15 minutos”. “Ninguém o contrariou e Alberto dirigiu-se ao relógio e atrasou-o 15 minutos.”
Cinco minutos depois entrou Adelino, “que depois da matança do borrego não mais fora visto nessa manhã”.
Já com todos os convidados presentes e aguardando a chegada do aniversariante, foi fácil ver o respectivo espanto quando, depois do Fado das Trincheiras, não se escutou o terceiro e último tema aguardado, O Imigrante. Em vez disso, continuou a escutar-se a voz do Miúdo da Bica, Fernando Farinha, cantando os restantes “temas do mesmo disco até este ficar mudo”.
Eram chegadas as 12h30, não se escutava qualquer tema musical e Almerindo não chegava. Isabel decidiu averiguar o que se passava.
Dirigiu-se ao quarto do tio, bateu à porta, não obtendo resposta. Teria o mesmo resultado depois de bater novamente, embora com mais força. Ganhando coragem, “abriu-a um pouco e espreitou para dentro”. O que viu levou-a a empurrar violentamente a porta e a entrar no quarto.
O tio “estava estendido no chão, com os braços abertos em cruz e com um ferimento de muito mau aspecto no temporal direito chamuscado e com resíduos de pólvora”. Reparou ainda na pistola que se encontrava “sobre a sua mão direita”.
Decidida, saiu do quarto, fechando a porta à chave, e correu para a sala de jantar, comunicando o que acontecera. Imediatamente passou para a sala de entrada, de onde telefonou para a polícia.
Enquanto efectuava o telefonema, todos correram para o quarto do Almerindo, deparando com a porta fechada à chave. Isabel tivera esse cuidado para manter o local do crime o mais intacto possível.
António não acompanhou imediatamente os familiares, tendo ficado para trás e juntando-se a eles “pouco mais de dois minutos depois”. Porque teria sido!?...


O RELÓGIO DA SALA DE JANTAR
No exacto momento em que se faz ouvir o Tango dos Barbudos, o relógio da sala marca 11h40. Sabendo que o Tango dos Barbudos tem a duração exacta de 4 minutos e 40 segundos. No final deste tema, o relógio da sala marcaria 11h44 ou 11h45 (dependendo de quantos segundos tinham passado das 11h40 exactas quando se iniciou a música). Muito provavelmente, o relógio da sala marcaria 11h45.
A troca do disco demora sempre algum tempo. Retirar o disco do Tango do Barbudos, guardá-lo e colocar o disco do Fado das Tricheiras, poderá demorar de 30 segundos a um minuto. Ou seja, quando se iniciou o Fado das Trincheiras, o relógio da sala marcaria ainda 11h45 ou já 11h46.
O tema seguinte, o Fado das Trincheiras, tem a duração exacta de 4 minutos. Por isso mesmo, ainda se ouvia este tema, “havia uns três minutos”, quando António entrou na sala de jantar. O relógio da sala marcaria 11h48 ou 11h49.
Foi nesta altura que António chamou a atenção para o relógio da sala, enquanto ainda tocava o Fado das Trincheiras, afirmando que estava adiantado 15 minutos. Como ninguém o contrariou, o primo Alberto dirigiu-se ao relógio e atrasou-o 15 minutos.
Desta feita, a chegada de António não teria sido às 11h48 ou 11h49 (hora antes do acerto), mas às 11h33 ou 11h34 (hora após o atraso de 15 minutos). Do mesmo modo, o Tango dos Barbudos teria iniciado às 11h25 e não às 11h40.
Teriam passado cerca de cinco minutos, já terminara o Fado das Trincheiras, quando chegou Adelino. Quem tivesse olhado para o relógio da sala, registaria que o mesmo marcaria, aquando desta última chegada, 11h38 ou 11h39.
Independentemente do acerto ou não do relógio da sala, decorreram menos de quinze minutos desde o início do Tango dos Barbudos até ao momento em que os cinco convidados se encontram reunidos na sala de jantar.
Observemos, atentamente, a tabela seguinte, a qual sintetiza as horas indicadas, quer para a situação em que o relógio estava a funcionar correctamente (sem acerto), quer considerando que o relógio estava adiantado 15 minutos (com acerto).


Acontecimento

Sem Acerto
Com Acerto

Inicio do Tango dos Barbudos

11h40
11h25

Final do Tango dos Barbudos

11h45
11h30

Início do Fado das Trincheiras

11h45 (ou 46)
11h30 (ou 31)


Entrada de António

11h48 (ou 49)
11h33 (ou 34)

Acerto do relógio


Chegada do Adelino

11h53 (ou 54)
11h38 (ou 39)



A ORDEM DOS TEMAS MUSICAIS

São três os temas predilectos do Almerindo, e por isso são escutados diariamente. Todavia, qual será a ordem habitual? Será sempre a mesma ou poderá variar?
Neste dia 11 de Novembro, a primeira opção recaiu sobre o Tango dos Barbudos e a segunda sobre o Fado das Trincheiras. A terceira opção, caso tivesse havido oportunidade, seria O Imigrante.
Obviamente que não há nada que consubstancie esta nossa opinião, mas não seria mais compreensível iniciar com temas portugueses e só depois com o Tango dos Barbudos? Sabemos que o Tango dos Barbudos sempre foi muito apreciado pelos militares portugueses que passaram pela guerra colonial, mas o Fado das Trincheiras está mais directamente associado à guerra e ao sofrimento dos militares. Não será razão mais que suficiente para ser a primeira preferência?
Bem, onde queremos chegar é: haverá alguma razão para que neste dia 11 de Novembro o Tango dos Barbudos tenha sido o primeiro tema? Pensamos que sim!...


O INSPECTOR EDUARDO TRINDADE INVESTIGA
“O relógio da sala de jantar marcava 13h15 conferido, à sua chegada, pelo inspector Eduardo Trindade”. Este facto elimina qualquer dúvida quanto ao acerto do relógio da sala de jantar, ou seja, às 13h15 o relógio marca a hora correcta.
O inspector Eduardo Trindade, após entrar no quarto de Almerindo, observou-o atentamente. Não registou quaisquer sinais de luta e viu o estado do corpo, tal como nos fora descrito pela Isabel: “estendido no chão, com os braços abertos em cruz e com um ferimento de muito mau aspecto no temporal direito chamuscado e com resíduos de pólvora. Sobre a mão direita uma pistola”.
A observação do género de ferimento, temporal chamuscado, e dos resíduos de pólvora, mostrou-lhe claramente que o tiro fora desferido a curta distância. O que colocaria imediatamente como possibilidade o suicídio, pois a pistola que teria desferido o tiro fatal estava sobre a mão direita da vítima. Mão direita, temporal direito, perfeitamente consonante.
Mas… também observou que a mão direita não tinha qualquer dedo. O inspector Eduardo Trindade apuraria mais tarde que a perda total dos dedos da mão direita se devera a um acidente em Angola. Logo, o suicídio estava, agora, completamente fora de questão: sem dedos, não era possível premir o gatilho da pistola.
Não só porque, como também apuraria mais tarde, o Almerindo tinha um excelente nível de vida, não havendo qualquer razão justificativa para um suicídio, além de não haver qualquer carta de despedida, o que era habitual neste tipo de casos, mas também porque caso ele se pretendesse suicidar iria, com toda a certeza, desferir um tiro no temporal esquerdo, utilizando a mão esquerda, a qual poderia segurar perfeitamente a pistola, já que tinha os dedos todos.
Sendo certo que não estava perante um suicídio, a posição do corpo também sugeria estar-se perante uma encenação. Um tiro desferido no temporal, implicaria uma queda para o lado oposto, o que dificultaria seriamente aquela posição dos braços: “abertos em cruz”.

Estamos, portanto, perante um homicídio!...

[Acrescente-se que, tendo sido a morte provocada por um tiro de pistola, dever-se-ia encontrar no local a respectiva cápsula. Desconhecemos se a não menção não significa a ausência, pois caso signifique então é mais um elemento contra o suicídio e a favor do homicídio. Neste caso, o homicida teria levado a cápsula do local do crime.]


O INSPECTOR EDUARDO TRINDADE INQUIRE
Junto dos familiares, o inspector Eduardo Trindade apurou que todos estavam reunidos na sala de jantar, desde as 11h30, “de acordo com a hora marcada no relógio ali existente”. As duas únicas excepções, segundo o testemunho dos familiares, foram o António que chegara cerca das 11h35, entrando pela porta da cozinha, e o Adelino “que, envergando traje de montar, chegou pouco depois pela mesma porta”.
Na identificação horária presente neste testemunho, confundem-se os dois horários, antes e depois do acerto de quinze minutos.
As 11h30 que são mencionadas, hora do início da reunião familiar, correspondem à hora que efectivamente o relógio marcava, ou seja, corresponde a dez minutos antes de se escutar o início do Tango dos Barbudos. Logo, hora do relógio da sala antes do acerto. (Se o relógio da sala tivesse sido acertado mais cedo, marcaria 11h15.)
As 11h35 que são mencionadas, hora de chegada do António, correspondem à hora que o relógio marcava já depois do acerto. De acordo com a tabela que apresentamos atrás, com o nosso cálculo horário, tínhamos apontado as 11h33 ou 11h34. Confirma-se, portanto, o “cerca das 11h35”.
A chegada do Adelino, pouco depois do filho, “cerca de cinco minutos depois”, teria sido por volta das 11h40 (ou aproximadamente 11h38 ou 11h39, tal como tabelado atrás), hora no relógio depois do acerto.
António justifica o seu atraso, afirmando que tinha “estado na cavalariça examinando um cavalo comprado recentemente”, enquanto o pai, Adelino, declara “que a pedido do irmão tinha ido visitar uma propriedade um pouco distante”.
Passando dos familiares para os empregados, estes declaram ao inspector Eduardo Trindade “não terem visto nem ouvido nada de estranho”, afastando a possibilidade de o homicídio poder ter sido cometido por alguém estranho à casa. Mas não só…
Também não ouviram nada, nem sequer o som do disparo fatal. Tendo o mesmo acontecido com os familiares, pois ninguém refere ter escutado o som do tiro. Será que teria sido porque o som da música o abafara ou haveria uma outra razão bastante mais específica!?...
O empregado da cavalariça presta uma informação muitíssimo importante, quando refere “ter visto António dirigir-se para a casa um pouco antes de se começar a ouvir o Tango dos Barbudos e saindo, pouco depois de se iniciar o Fado das Trincheiras, pela porta principal e encaminhar-se para a porta da cozinha”.
O inspector Eduardo Trindade interrogava-se, agora, sobre quais as razões que, a confirmar-se a declaração do empregado, teriam levado o António a não referir este seu movimento de entrada e saída da casa, tendo em vez disso dito que estivera na cavalariça, e porque, tendo ele estado dentro de casa, não acedera directamente à sala de jantar, onde era aguardado pelos familiares, optando por sair e reentrar pela porta da cozinha. Muito suspeito!...
O mesmo empregado declararia ainda que “após a matança do borrego, tinha aparelhado um cavalo para Adelino que saiu tendo voltado às 11h50”.
Esta declaração corrobora a que fora feita por Adelino quando refere que saíra cedo para visitar uma propriedade distante. Como a matança ocorrera bastante cedo, a sua deslocação teria demorado entre cerca de duas a três horas.
Todavia, esta mesma declaração levanta uma outra questão sobre o depoimento dos familiares. Pelo depoimento dos familiares, atrás analisado, ficamos a saber que o Adelino entrara na sala de jantar por volta das 11h40, enquanto este empregado refere que a sua chegada só ocorreu às 11h50.
Trata-se de uma diferença de 10 minutos. Quem estará a falar verdade? Os familiares, o empregado… ou ambos?
As declarações do empregado terminam quando afirma que “na véspera ouvira a vítima discutir com António e dizer-lhe que deixasse de contar com o dinheiro dele”. Poderia ser este o móbil para o crime!?...

Mais tarde, o médico legista viria a prognosticar como período da morte, a qual foi instantânea, o período entre as 11h20 e as 12h45. Mas o inspector Eduardo Trindade já sabia o que tinha acontecido naquele fatídico dia 11 de Novembro… e nós também!


OS INOCENTES
Embora a janela horária seja demasiado larga, é com ela que temos de prosseguir a nossa investigação: a morte fora instantânea, não permitindo qualquer acção sobre o local do crime efectuada pela própria vítima, e entre as 11h20 e as 12h45.
Antero, Alberto e Isabel estiveram na sala de jantar desde as 11h30, hora marcada pelo relógio da sala. Mas, se o relógio estava efectivamente adiantado, então eles teriam estado na sala de jantar desde as 11h15, o que lhes proporcionaria um álibi. Caso contrário, qualquer um deles teria tido uma janela de 10 minutos, entre as 11h20 e as 11h30, para assassinar o Almerindo.
Todavia, para além de não se encontrar, aparentemente, qualquer razão para o homicídio ter sido cometido por qualquer destas três personagens, como teria sido possível qualquer um deles colocar o disco do Tango dos Barbudos, dez minutos depois de se reunirem na sala de jantar e estando o Almerindo já morto, e a seguir colocar o disco do Fernando Farinha? Não seria possível, se excluirmos a cumplicidade com uma outra pessoa ou a cumplicidade entre os três.
Isabel, por seu lado, também teve uma janela de 15 minutos para assassinar o tio, entre as 12h30, quando se dirigiu ao quarto do tio, e as 12h45 (ou não, caso o relógio da sala de jantar tivesse sido indevidamente atrasado, pois nesse caso já seriam 12h45).
Mas, se fosse esse o caso, porque razão o tio, estando vivo, não colocou o disco do conjunto Maria Albertino, para escutar o terceiro tema, O Imigrante, e porque razão não desceu atempadamente, tal como estava previsto? Não o fez, porque foi assassinado antes de acabar de tocar o Fado das Trincheira, daí o disco continuar a rodar e seguirem-se as restantes músicas.

Neste momento, após a afirmação do parágrafo anterior, temos todas as condições para fechar a janela horária do período em que teria ocorrido o homicídio de Almerindo que, com toda a certeza, foi depois das 11h20, limite inferior do intervalo, tal como é indicado pelo médico legista.
Quanto ao limite superior do intervalo, este será considerado 4 minutos após o início do Fado das Trincheiras (tempo de duração deste tema). Caso o relógio da sala de jantar tivesse sido indevidamente acertado, seriam 11h49 ou 11h50, caso contrário, seriam 15 minutos antes, entre as 11h34 e as 11h35. Ou seja, a janela horária seria de aproximadamente 30 ou 15 minutos, respectivamente.
Se os três familiares considerados foram cabalmente inocentados, na eventualidade de terem agido isoladamente, será que o mesmo pode ser concluído em relação aos empregados, nomeadamente para o empregado da cavalariça, já que é o que tem uma intervenção mais directa na acção?
Recordemos que as declarações deste empregado, a confirmarem-se, lançam suspeitas sobre o comportamento e o depoimento do António. Estará ele a falar verdade ou estará procurando incriminar o António?
Por outro lado, é este mesmo empregado que também proporciona uma importante informação sobre o Adelino, quando refere que ele saiu e voltou às 11h50. Ora, para mencionar esta hora, tê-la-ia visto algures. Como estava algures no exterior da casa, possivelmente na cavalariça, teria usado o seu próprio relógio ou qualquer relógio para o qual pudesse olhar. Estaria também a mentir em relação a esta hora ou não?
De acordo com os familiares da vítima, o Adelino entrou na sala de jantar cerca de cinco minutos depois do filho. Como se pode observar na tabela apresentada atrás, com as estimativas dos horários, quando o Adelino entrou na sala de jantar, o respectivo relógio marcaria 11h38 ou 11h39. Assim se concluiria que o empregado da cavalariça ter-se-ia enganado (talvez propositadamente) quanto à hora de chegada do Adelino.
Porque razão iria o empregado lançar suspeitas sobre o António e mentir sobre a hora de chegada do Adelino? Como não conseguimos apontar qualquer razão, questionamos: não será o seu depoimento fidedigno?
Além do mais, o relógio da sala de jantar só marcaria a hora indicada porque fora atrasado 15 minutos, caso contrário, o Adelino teria entrado na sala de jantar às 11h53 ou 11h54. Esta hora de entrada é perfeitamente coerente com o depoimento do empregado, se considerarmos que o mesmo registou a hora de chegada do Adelino, tendo depois passado uns minutos (para entregar o cavalo, lavar a cara e as mãos, por exemplo, já que sabemos que não mudou a roupa) até entrar em casa.
Contudo, esta explicação só faz sentido se confirmarmos que o relógio da sala foi indevidamente atrasado. O que pode parecer estranho, sabendo nós que o inspector Eduardo Trindade conferiu a hora à sua chegada, confirmando que a hora marcada no relógio da sala coincidia com a marcada no seu próprio relógio.
Adiante-se, por fim, que sobre o Adelino não há qualquer elemento que possa ser utilizado para o incriminar, pois no período horário mais reduzido atrás indicado ele estaria longe da casa e ninguém mais o vira, embora saibamos que ele continuava desagradado por a herança não lhe ter sido entregue, podendo tal situação constituir um móbil para o crime.


O CULPADO
A chave central para desvendar este caso é precisamente o tiro que provocou a morte de Almerindo. Ou, melhor dizendo, o som do tiro que ninguém ouviu. E é precisamente por ninguém ter escutado este som que é possível apontar, com elevadíssimo rigor, o momento exacto em que Almerindo foi assassinado, exactamente às 11 horas e 40 minutos.
Devemos agora responder a algumas das questões previamente colocadas. Será o depoimento do empregado das cavalariças completamente fidedigno? A resposta é: Sim! Será que o relógio da sala de jantar foi indevidamente atrasado 15 minutos? A resposta é, mais uma vez: Sim!
Mas, se foi atrasado, como é possível que o inspector Eduardo Trindade possa ter confirmado que a hora que marcava o relógio da sala, 13h15, estava certa? Nada mais, nada menos, porque o relógio fora mexido em duas ocasiões: primeiro atrasado 15 minutos (ficando atrasado) e depois adiantado 15 minutos (voltando a registar a hora certa).
Vejamos, então, como tudo efectivamente aconteceu:
No dia anterior, tal como depusera o empregado, uma discussão entre Almerindo e o sobrinho António punha fim aos contributos financeiros do primeiro em relação ao segundo. Almerindo decidira não mais contribuir para os gastos do sobrinho. Se Alberto e Isabel podiam viver dos seus próprios rendimentos, também António poderia e deveria fazer o mesmo.
Decisão que não caiu bem em António, tendo logo a seguir ele próprio tomado a decisão de resolver de uma vez por todas aquela questão, como potencial herdeiro do tio, em caso de morte deste. Sendo conhecedor das rotinas do dia seguinte, dia de aniversário do tio, decidira que aquele seria o seu último dia de S. Martinho.
Naquele dia 11 de Novembro chegara um pouco mais cedo que o habitual (normalmente chegava por volta das 12 horas), seriam talvez umas 11h30. Entrando pela porta principal (movimento descrito pelo empregado), dirigiu-se ao quarto do tio, que se estava preparando para escutar os seus três temas predilectos.
Possivelmente deve ter tentado, uma vez mais, demover o tio de não lhe emprestar a quantia pretendida. Enquanto isso, aproveitando ele estar a ultimar os seus preparativos quanto ao vestuário, deve tê-lo ajudado a colocar o primeiro disco no gira-discos. Pegou no disco do Tango dos Barbudos e colocou-o no gira-discos.
Talvez o tenha posto a girar ou talvez tenho esperado que o tio o tenha feito. Certo, certo, é que no momento em que se iniciou o Tango dos Barbudos, aproximou a pistola do temporal direito do tio (de muito perto), surpreendendo-o e não dando oportunidade para qualquer reacção defensiva, e disparou o tiro fatal. Eram 11h40.
Não se escutou o tiro, precisamente porque o que caracteriza o início do Tango dos Barbudos é uma sequência de disparos de metralhadora. Naqueles breves segundos, ninguém seria capaz de distinguir os sons dos tiros provenientes do disco do som do tiro verdadeiro. Todos escutaram os tiros, mas ninguém se apercebeu “do” tiro.
Nos minutos seguintes, enquanto tocava o Tango dos Barbudos, encenou o suicídio e só nessa altura se apercebeu que tinha cometido um grande erro: desferira o tiro no temporal direito e o tio não tinha dedos na mão direita para segurar a pistola. Tarde de mais, teria de continuar com a encenação: abriu os braços do tio, em cruz, e colocou a pistola sobre a mão direita.
Tendo previamente limpado as suas impressões digitais, não sabemos como terá tentado colocar as impressões digitais do tio na pistola, já que este não tinha dedos na mão direita. Muito possivelmente terá colocado as impressões digitais da mão esquerda, o que não deixa de ser estranhamente curioso porque mesmo assim colocara a pistola sobre a mão direita.
Ainda enquanto tocava o Tango dos Barbudos, deve ter revistado o quarto e metido ao bolso o dinheiro que encontrara. Chega o final do tema e é o próprio António que substitui este primeiro disco pelo seguinte, começando a ouvir-se o Fado das Trincheiras.
É nesse momento que sai rapidamente do quarto do Almerindo e como não pode mostrar que já estivera dentro de casa, sai pela porta principal, por onde entrara antes, e entra pela porta da cozinha, movimento a que o empregado da cavalariça assistira e depusera perante o inspector Eduardo Trindade.
Quando finalmente entra na sala de jantar, proveniente da cozinha, coloca em acção a segunda parte do plano, dizendo que o relógio da sala de jantar está adiantado 15 minutos.
Como já reportamos, este entrada teria ocorrido quando seriam 11h48 ou 11h49. O relógio foi, então, atrasado, passando a marcar 11h33 ou 11h34. Porque razão teria o António decidido encenar esta mudança de hora?
Nada mais, nada menos, porque ele sabia que o médico legista iria indicar o período em que ocorrera a morte. Claro que ele esperava que o intervalo fosse mais preciso, considerando até que se pudesse apontar com excessivo rigor a hora a que a morte tinha ocorrido, ou seja, as 11h40.
Atrasando o relógio 15 minutos, quando se descobrisse que a morte tinha sido por volta das 11h40, ele teria os familiares como álibi, pois teria chegado à sala de jantar antes das 11h40. Recordemos que, no seu testemunho, os familiares referiram que o António chegara “cerca das 11h35”. Tal e qual como ele pretendia.
Depois do Fado das Trincheiras não se seguiu O Imigrante, como os restantes familiares esperavam, tendo o disco de Fernando Farinha tocado todos os outros temas lá gravados. Como é óbvio, tal não aconteceu porque a vítima estava morta e o homicida já se retirara.
O relógio da sala de jantar marca as 12h30 quando Isabel decide ir ver o que se passava, já que o tio não chegava. Dois ou três minutos depois regressa à sala de jantar e comunica o que aconteceu. Todos acorrem ao quarto do Almerindo… menos o António, que fica para trás, reunindo-se aos familiares “pouco mais de dois minutos depois”.
Descoberto o corpo do tio e estando sozinho na sala de jantar, é chegado o momento de pôr em acção a terceira e última parte do seu plano: acertar o relógio da sala de jantar. Foi exactamente para isso que usou aqueles dois minutos, garantindo que estava sozinho e que não era observado, para adiantar o relógio 15 minutos, repondo a hora certa. Desta forma, qualquer pessoa (como fez o inspector Eduardo Trindade) poderia, mais tarde, confirmar que o relógio estava certo.
Efectivamente, o relógio da sala de jantar estivera certo até à chegada de António e depois da sua saída. Apenas enquanto ele lá estivera, na companhia dos familiares, é que o relógio estivera atrasado 15 minutos.
Finalmente, diga-se que estão esclarecidas as dúvidas anteriormente mencionadas sobre a ordem dos temas, pois estamos certos que a escolha do Tango dos Barbudos como primeira tema partiu do António e fazia parte do seu plano para assassinar o tio.
O mesmo se pode dizer em relação ao móbil para o crime, sem dúvida o previamente apontado, ou seja, como estavam em risco os “empréstimos definitivos” restava uma parte da herança. Infelizmente, como homicida não vai poder usufruir da mesma.
Conclui-se referindo que a menção, no depoimento do António, a “ter estado na cavalariça examinando um cavalo comprado recentemente” não é corroborada pelo empregado das cavalariças, cujo depoimento se confirmou ser fidedigno. Trata-se de uma mentira para justificar o atraso. Caso contrário, sendo o depoimento do empregado tão pormenorizado, certamente não deixaria de o mencionar.




QUE GRANDE LATA
de Lateiro


RESPOSTA CERTA:
C – Não podia sentar-se à sombra do Oceanário para ler a revista.


ALGUMAS NOTAS:

ü Desta vez, a resposta resulta por exclusão de partes:
û A revista Super Jovem publicou-se antes e depois de 1998, ano da inauguração do Oceanário.
û Não se enquadrando a revista nas nossas leituras, não sabemos se alguma vez incluiu uma colecção de autocolantes de Bocas Ecológicas.
û Todavia, estando a ecologia na moda é bem possível que tal tenha sucedido e a forma como está construído o diálogo leva-nos a considerar que a colecção existiu.
û Além do mais, não nos parece que a solução passe por as Bocas Ecológicas não serem autocolante, mas serem CDs como acontece em algumas destas colecções.
û Ficam, pois, excluídas as alíneas A e B.

ü Imaginemos as seguintes situações:
û Se a latada aconteceu antes de 1998:
o Não havia Oceanário
û Se a latada aconteceu em 27 de Maio de 1998:
o Ano da Expo, logo acesso condicionado ao Oceanário
û SE a latada aconteceu depois de 1998:
o O Oceanário fica num local rodeado de água, não sendo admissível que alguém esteja encostado à parede do lado oriental, face às características do edifício, mesmo que seja para escapar do sol do final de tarde
û Por isso apontamos a alínea C.


DANIEL FALCÃO

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