segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

II TORNEIO NACIONAL - CLUBE LITERATURA POLICIAL - PROBLEMA 3

           Caros Amigos:
Parece que foi ontem. O problema que hoje vos envio, o 3.º do II TNPP, foi publicado, imaginem, precisamente "hoje" - 21 de Fevereiro - mas de 1958, por conseguinte já lá vão, passados, 58 anos.
Obrigado pela vossa atenção, que recompenso com um forte abraço.
E se quiserem critiquem, pois vão encontrar as inocência que eu já detectei.
Jartur 
                
                                                                                                                      
II TORNEIO NACIONAL DE PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA
Problema n.º 3
O MISTÉRIO DO TRIDENTE FATAL
Original de: Mr. Jartur

Publicado na revista “FLAMA” # 520 / em 21 de Fevereiro de 1958

Atirámos as sacas para o banco posterior do carro, e entrámos depois, puxando para nós as portas que o sol tornara escaldantes.
     Entre o mar e a estrada por onde o potente veículo quase voava, estendia-se a praia. Era uma centena de metros de areia fina e alourada, formando graciosas dunas que o astro rei embelezava com maravilhosos reflexos.
     Transposta a suave curva duma duna que dois rochedos coroavam, surgia, a alguns metros, um vulto feminil que corria para a estrada, acenando com os braços na nossa direcção. Marcos e eu entreolhámo-nos, enquanto ele fazia parar o carro junto à berma da estrada, na intenção de saber o significado daqueles sinais que tão formosa rapariga fazia, correndo na nossa direcção.
     Era bastante esbelta e bela a jovem que parou junto a nós, extenuada, com os compridos cabelos loiros soltos ao vento, chicoteando-lhe os ombros e o colo que o "maillot" deixava a descoberto. Após alguns momentos em que tentou refazer-se da fadiga, a escultural mulher pediu-nos que a auxiliássemos, pois algo de terrível acontecera ao seu noivo.
     Enquanto nos acompanhava ao local do drama, uma barraca de tecido multicolor montada atrás duma pequena duna, a jovem foi contando o que acontecera.
     - Cheguei de manhã, com meu noivo, e aqui tencionávamos passar o resto do dia, devendo regressar a casa com um amigo que por aqui passaria nesse propósito. Depois de termos dado um passeio pela beira do mar, o Alfredo foi-se deitar a ler junto à barraca, enquanto eu fui refrescar-me um pouco. Mergulhando no mar afastei-me da praia e, tão distraída andava praticando o desporto que mais admiro, que não dei pelo que se passava ao pé da barraca. De súbito, ouvi uma detonação. Olhei na direcção da praia e vi um homem, de pé, no sítio onde o meu noivo ficara. Notando que não se tratava do Alfredo, gritei e nadei para terra, enquanto o homem fugia, correndo, em direcção à estrada. Só quando saí da água, é que vi que meu o meu noivo estava no mesmo sítio, deitado, mas com qualquer coisa espetada na cabeça. Corri para junto dele, gritando o seu nome, mas não obtive resposta. Então, baixando-me e encostando o ouvido às suas costas, notei com horror que estava morto. Desatei a chorar, abraçada a ele, e só me levantei quando ouvi o ruido do vosso carro. Então, corri esbaforida e... o resto já os senhores o sabem.


       



                                                                                                                                                                                                 

Entretanto havíamos chegado junto à barraca, e a jovem tentou reter um soluço que por fim soltou, fitando sem ver, o corpo daquele que fora seu noivo. Enquanto eu tentava consolar a pobre moça, o meu amigo ajoelhou-se junto ao cadáver, e colou-lhe o ouvido um pouco abaixo da omoplata esquerda, chegando também à conclusão que a rapariga citara.
      Depois, olhando o corpo apenas coberto por um calção de tecido elástico, Marcos Dias observou com atenção o tridente que ao chegar vira espetado na nuca do desventurado banhista. Dos três orifícios abertos em linha, onde mergulhavam as pontas do arpão, saía ainda algum sangue que, escorrendo pelo pescoço, se ía juntar ao outro que a areia fina já absorvera. Com cerca de setenta centímetros de comprimento, aquele instrumento de caça submarina estava encurvado a meio, e tinha ainda presa, no extremo, uma ponta de fio de pesca. Impressões digitais, não as havia.
     Na areia, à roda do corpo, nada de anormal se notava. Pègadas, havia-as por toda a parte, mas seria impossível atribuí-las aos respectivos pés, já que todas eram disformes e idênticas, por causa da inconsistência do terreno.
     Marcos prosseguia nas suas perscrutadoras observações, e eu continuava a minha missão consoladora. Fiz sentar a jovem junto da barraca, e tentei fazer estancar as lágrimas que, deslizando pelas faces que o sol já bronzeara um pouco, lhe caíam nas pernas e rolavam pela pele limpa e sedosa, confundindo-se com algumas gotas de água marinha que o calor ainda não evaporara.
Desviando o olhar do pequeno caderno onde fizera alguns apontamentos, Marcos volveu-o para mim e perguntou, dirigindo-se à jovem:
    - Sabe se o seu noivo teria alguém interessado na morte dele?
     - Creio bem que... não!... Apesar de que... ele é muito rico. Nunca se sabe...
     - Sim, compreendo! - cortou o detective, enviando um olhar mais atento, pela primeira vez, ao corpo harmonioso da linda rapariga. E depois, continuou: - Vejamos. A menina sabe se lhe roubaram alguma coisa? Talvez da barraca?!...
     - Não sei!... Depois que vim do mar, ainda não entrei nela.
     Marcos Dias parou junto de mim. Curvou-se para entrar na barraca e começou a remexer no seu conteúdo, pedindo à rapariga que visse se faltaria alguma coisa.
     - Parece que está tudo - afirmou endireitando a roupa sobre o colchão pneumático, e metendo na saca cilíndrica o barrete de natação ainda húmido.
     Terminado o exame no interior da barraca, Marcos saíu e voltou a examinar o cadáver, impelido por súbito pensamento. A cabeça do assassinado caía sobre um romance de Françoise Sagan, que as suas mãos crispadas seguravam ainda.
     - A senhora... - Ia a dizer o investigador.
     - Oh! Desculpe não lhe ter dito ainda. Chamo-me Maria José e vivo a poucos quilómetros daqui. Canto no restaurante "Oásis".
     - A senhora... - Recomeçou a dizer Marcos Dias - não reparou se o homem que se afastava era alguém seu conhecido? Posso até lembrá-la, de que poderia tratar-se do amigo que viria buscá-los para os conduzir a casa.
      - Oh! Creio que não. Mas se o senhor quiser interrogá-lo, ele é o director da orquestra que me acompanha. Poderá encontrá-lo no "Oásis", pois nesta ocasião deve estar a ensaiar.
     Marcos expeliu pelas narinas uma certa porção de ar e, aproximando-se de mim, disse qualquer coisa que me deixou incrédulo.
     - Não! Não pode ser - repliquei quando recuperei a fala. - Ele...
 
                                                                                                                                                   

   Mas, Marcos fez-me interromper a frase. Olhando a jovem, que continuava sentada na areia, com a cabeça entre as mãos e os cotovelos sobre as pernas, agora impecàvelmente belas, pois já secara a água, disse-me ele, com uma expressão caricata que só eu compreendia.
     - Bem! Têm que ficar aqui um bocado, enquanto eu vou ao "Oásis" falar com o senhor suspeito. Depois irei buscar uma ambulância e as autoridades locais, pois os senhores da Polícia costumam querer cumprir as formalidades usuais.
      O meu amigo afastou-se, pela praia, em direcção ao automóvel, e eu, colocando sobre o cadáver uma colorida toalha que tirara da barraca, disse à jovem, ensaiando uma pronúncia cativante:
- Vá!... Não chore mais. Em breve o caso ficará resolvido, e o criminoso será castigado.
     Premiando-me com um olhar misto de serenidade e receio, a jovem puxou os cabelos por cima do ombro esquerdo e reclinou-se na areia, onde os seus cabelos aloirados colocaram uma mancha brilhante.
     Aproveitando o tempo que Marcos levaria a regressar da cidade, resolvi refrescar-me um pouco, e convidei a rapariga a acompanhar-me. Maria José rejeitou o convite, pois pretendia descansar alguns minutos. Do lado oposto da duna, oculto da "viúva", despi o dispensável.
     Segundos depois, corri pelo suave declive da areia e lancei-me no mar, aproveitando uma vaga que corria para a praia. Ao entrar na água, senti a cabeça bater em qualquer coisa que me pareceu um rochedo, mas que afinal não passava de um grande peixe. Agarrei-o, julgando-o vivo.
Porém, logo notei que estava morto e quase em decomposição, com as tripas a sair por um rasgão que tinha no ventre. Segurando no peixe e nadando com uma das mãos, tal como Camões salvando "Os Lusíadas", voltei à praia, onde o coloquei com cuidado, pois pensava pregar uma partida ao Marcos, quando ele regressasse.
  
                                                * * * * *


Entretanto Marcos Dias chegava ao "Oásis". Mandou chamar o director da orquestra, que o gerente do restaurante disse ter chegado poucos minutos antes, e perguntou, sem rodeios:
     - O senhor pode dizer-me porque só agora chega, para o ensaio, quando afinal já há mais tempo aqui devia estar? Creio que isso terá alguma relação, com um crime que há algum tempo cometeram e que eu tenho que resolver.
      - Perdão, senhor! Não sei do que se trata. Quanto ao meu atraso, confesso que não tenho provas do que lhe vou afirmar. Fui-me deitar um pouco na praia, depois do almoço, e sem querer adormeci. Quando acordei, já eram seis horas, e vim logo para aqui.
     - Pois bem, - exclamou Marcos Dias - o noivo da Maria José foi morto num lugar quase deserto, junto ao mar, e o senhor era o único que sabia onde eles se encontravam.
                                                                                                                                          

      - Isso é verdade! - respondeu o outro: - Mas também é verdade que o sítio onde eu estive fica muito distante do lugar onde fiquei de ir buscar a cantora e o Alfredo.
                             - Está bem! Depois veremos isso. Para já, faça o favor de me acompanhar... Ah! A propósito. O senhor não se dedica à caça submarina?
        - Não, senhor detective. E, por sorte, nem sequer sei nadar.
     - Pronto, vamos. - E, abrindo a porta do Mercedes, Marcos Dias disse ao seu interlocutor: - Passaremos pela Polícia, e levaremos uma ambulância para remover o cadáver.
     O carro arrancou velozmente, provocando no músico algumas contracções que expressavam receio. Quando o carro, cada vez mais veloz, entrou na estrada principal, João da Laura, assim se chamava o chefe da orquestra, exclamou:
      - Lamento imenso a morte do meu amigo, a tal ponto que serei capaz de dispender algum dinheiro para que seja feita justiça. Quanto a mim, as pessoas que me viram na praia deverão comprovar as minhas afirmações.
     - Sim! Deixe-me pensar um pouco... Depois veremos.

                                                      * * * * * * * * *

      Uma hora depois, enquanto o criminoso era conduzido ao quartel da "Judiciária", Marcos Dias e Jartur aproximavam-se da cidade.
       No olhar dos dois amigos, um atento à estrada, e o outro à paisagem que se estendia em redor, reflectia-se a alegria do dever cumprido.

    

                                                           *  *  *

    PERGUNTA -SE:
     - Quem foi o criminoso?
     - Quais foram os pormenores acusadores, encontrados pelo detective?
     - Como se teria passado o caso?
     - Exponha o seu raciocínio.

oOoOoOoOo

NOTA:
As ilustrações que acompanham este texto, acompanhavam a página original, mas não influem na resolução do mistério                                                       



                                                                                                          Jarturice II TNPP – 003

Divulgada em 21.Fevereiro.2016

1 comentário:

Paulo disse...

Ao longo do tempo há problemas que se recordam. Este, que eu encontrei no início dos anos 80 na XYZ Magazine, foi um deles. Lembro-me que respondi, todo entusiasmado porque achava que tinha um ótima solução, e estatelei-me ao comprido.
Dos muitos problemas que li e a que respondi, este é um dos meus preferidos.
Fui rever a solução oficial e nesta constam seis pormenores que é necessário indicar. Já não se "fabricam" destes problemas.
Parabéns ao Jartur e obrigado por este "bom pedaço" de policiarismo.