quarta-feira, 18 de julho de 2012

JARTURICE OU... JARTURADA - 18

Problema # 16


O CASO DO FANTASMA ASSASSINO


Original de: Luís Pessoa Publicado na secção POLICIÁRIO em: 18.Julho.1992

Igor era quase, de certeza, o mais infeliz homem na face da Terra. Tivera a desgraça de ser um sobredotado e desde muito jovem se tornou o escravo predilecto de toda uma geração de cientistas, burocratas, homens pagos para brincar às guerras e outros que tais, incluindo, naturalmente, os políticos.

Não admirava, pois, que Igor tivesse, vezes sem conta, tentado abandonar essa prisão e dedicar-se às coisas simples que qualquer mortal deseja e persegue.

Mas não podia ser. Um herói nacional, um super-homem para exibir no estrangeiro e demonstrar que mesmo um país ridículo pode ter de que se orgulhar, porque a inteligência também passou por lá.

Para dar mais colorido, os serviços secretos “tomaram conta” de toda a família de Igor, numa espécie de aviso, não fosse ele ter ideias de lhes escapar.

Foi então que, sem se saber bem porquê, pois Igor era o orgulho da nação, este começou a receber estranhas cartas ameaçadoras. Em letras recortadas de um qualquer jornal “rasca”, que as mãos ficavam todas sujas de tinta, dizia-se laconicamente “estás morto…”, “não viverás mais…" e coisas assim, capazes de pôr os serviços secretos em polvorosa.

E a vigilância foi reforçada, para mal de Igor, que quase nem à casa de banho podia ir sozinho. E o seu laboratório? Um espectáculo de eficiência na defesa da sua integridade. Vejamos só: o compartimento era um cubo, sem janelas, com uma única porta, completamente blindada, por onde tinha de ser feito todo o movimento de entradas e saídas e que estava permanentemente vigiada por dois guardas armados até aos dentes, que não tinham, no entanto, acesso ao interior, porque a chave estava em poder do chefe e só ele podia abrir a porta, mais ninguém.

Para cúmulo da segurança, todos os dias, uma hora antes de Igor entrar no “cubo”, dois guardas e o chefe, com dois cães especialmente treinados, percorriam as instalações de cabo a rabo, para detectar armas ou presenças indesejáveis. Só depois, tudo conferido, Igor entrava no laboratório de onde, nem que quisesse poderia sair sem autorização e vigilância.

E apesar de tudo, num dia cinzento e chuvoso, eis que tudo aconteceu. Como sempre, Igor levantou-se e tratou da sua higiene pessoal, leu um bom pedaço e, depois de meditar durante alguns segundos, chamou os guardas, que o acompanharam que o acompanharam directamente ao laboratório, sendo a porta imediatamente fechada. Todos os procedimentos e cuidados de segurança foram rigorosamente cumpridos.

Foi então que se ouviu, dentro do “cubo”, Igor gritando com força: “Não, não quero morrer, não me mates, socorro…“ E fez-se um silêncio pesado, enquanto cá fora a azáfama era enorme no sentido de chamar o chefe para abrir a porta…

Igor jazia na alcatifa, junto da secretária onde se espalhavam os seus apontamentos. No peito via-se o cabo de uma faca, não uma faca vulgar, mas aquela que tornara famoso o avô dele, que a utilizara na defesa da liberdade, na época da ocupação. Quase foram precisas medidas drásticas para que as mãos de Igor largassem o cabo, tal era a força que fazia…

De Igor, nunca mais se falou. Presume-se que tenha sido enterrado incógnito e a verdade do que se passou no “cubo” ainda hoje é segredo. Apenas se sabe que a polícia secreta largou a família dele e todos vivem hoje no estrangeiro graças a um seguro de vida que Igor fizera, vá-se lá saber quando e como?...

A companhia de seguros ainda tentou alegar que houvera suicídio e, portanto, não teria de pagar o seguro, mas logo o governo, a polícia secreta e outras pessoas influentes lhe ergueram o dedo à frente do nariz: “Herói do nosso povo, exemplo da juventude, não se suicida nunca!”

Agora, que o caso intriga, isso é verdade…

Vamos dar uma ajuda e tentar descobrir se terá havido suicídio ou crime?

E já agora justificar a opção!

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Solução do autor: Publicada em: 08.Agosto.1992


A solução do problema apresentado tinha como base a impossibilidade de qualquer entrada estranha no “cubo”, principalmente pelo controlo absoluto da única porta. Afastada a hipótese de crime, resta-nos estabelecer os diversos factores, que de índole factual, quer psicológicos. Por um lado temos a faca bem agarrada entre as mãos de Igor, indicador seguro de que foi ele quem pegou na faca para se suicidar. Depois temos todas as encenações relativas aos gritos, às cartas que enviaria a si mesmo, por processo que a nós no escapa e o seguro que teve o cuidado de fazer para deixar a família em “porto seguro”. A vida de cão que levava e o desejo de libertação terá conduzido à utilização do símbolo de libertação que foi do seu avô. Ou teria sido apenas uma questão de oportunidade? Quem sabe e… No fim, que interessa? O dia chuvoso ajuda ao suicídio, por provocar depressão e tristeza, mas não deverá ter produzido um grande efeito em Igor, que estaria já determinado a fazer o que fez. Ele sabia que as autoridades nunca iriam dá-lo como suicida, porque um herói não se suicida… O seguro estava garantido!

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