terça-feira, 10 de julho de 2012

JARTURICE OU... JARTURADA - 10


Polémica saudável
O POLICIÁRIO SEGUNDO FERNANDO PESSOA
Artigo de: Luís Pessoa

Publicado na secção POLICIÁRIO em: 10.Julho.1992

A língua portuguesa não é, felizmente, um amontoado de palavras que compõe um dicionário. E não abona em favor daqueles que, num assomo de virilidade linguística, correm de fio a pavio sucessivos dicionários, à procura daquilo que os seus cultores já adoptaram.

Vem isto a propósito de uma polémica antiga em torno do vocábulo “policiário”, que muitos teimam em considerar inexistente por não figurar em dicionários.

Mas há um factor decisivo. Um dia, alguém afirmou que a sua pátria era a língua portuguesa e esse alguém foi Fernando Pessoa… E ninguém contesta tal afirmação, de tal forma entra pelos olhos dentro!... Mas disse mais esse senhor, nomeadamente numa carta (segundo Fernando Luso Soares, escrita em 13 de Fevereiro de 1935 ou, segundo a edição das obras em prosa de Fernando Pessoa, do Círculo de Leitores, e dos textos de “Crítica e de Intervenção”, da editora Ática, escrita em 13 de Janeiro do mesmo ano de 1935) que dirigiu a Adolfo Casais Monteiro:

“Quando às vezes pensava na ordem de uma futura publicação de obras minhas, nunca um livro do género de “Mensagem” figurava em número um. Hesitava entre se deveria começar por um livro de versos grande – um livro de umas 350 páginas -, englobando as diversas sub personalidades de Fernando Pessoa ele mesmo, ou se deveria abrir com uma novela policiária, que ainda não consegui completar.”

E em 20 de Janeiro do mesmo ano de 1935, retomando essa carta, em resposta a outra de Casais Monteiro, reafirma:

“Até à data, que indico como provável para o aparecimento do livro maior, devem estar publicados “O Banqueiro Anarquista” (em nova forma e redacção), uma novela policiária (que estou escrevendo e não é aquela a que me referi na carta anterior)…”

Fernando Pessoa e as novelas policiárias, que não acabou nunca, traduzem uma faceta quase desconhecida do poeta, mas a sua Série Quaresma, que engloba “O Caso Vargas”, “O Caso do Quarto Fechado”, “A Morte de D. João”, 2ª Carta Mágica”, “O Roubo na Quinta das Vinhas”, “O Triplo Fecho e a Janela Estreita”, em que o seu herói e investigador é o Dr. Abílio Fernandes Quaresma, bem como outras novelas inacabadas, como “O Desaparecimento do Dr. Reis Dores”, “O Crime Arnot” e “O Caso do Banco Viseu”, traduzem, no seu conjunto, um marco importante na definição do policiário em Portugal.

E se a língua não é viva, redescoberta em cada momento por todos os que acham que ela é a sua pátria, então, para que serve?

“Policiário” existe, assim determinou o “mestre”.

Luís Pessoa



1 comentário:

Anónimo disse...

Excelente texto. Muito bom. Nunca tinha pensado nisto, obrigado.

I Alegria