quarta-feira, 8 de agosto de 2012

JARTURICE OU... JARTURADA - 39


A H P P P
ARQUIVO HISTÓRICO DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA


Problema # 33
O CRIME DA JANELA ENVENENADA
Original de: De La Tierra (Feijó)
 Publicado na secção POLICIÁRIO em: 08.Agosto.1992

Ferreira dos Santos era um homem do mundo. Empresário de sucesso, muito viajado pelos quatro cantos do planeta, individualidade de hábitos religiosamente ingleses, deixara atrás de si um resto de ressentimento e ódio.
Vivia actualmente num grande casarão soturno, com a única companhia de um mordomo, rodeado por um belo jardim onde Dos Santos se dedicava à sua muito conhecida paixão: a criação e estudo de aves originais.
O seu escritório, no 1.º andar do casarão, era também muito conhecido do público através de fotografias em revistas especializadas, revelando a peculiaridade da decoração, de ter a única janela sempre fechada, e de um enorme quadro atrás da sua cadeira representando o seu orgulho ornitológico, um pássaro chamado “aratinga-da-Patagónia”, embora nunca tenha conseguido mantê-lo em cativeiro.
E a vida corria-lhe tranquilamente, até que um dia apareceu morto sobre a sua mesa de trabalho.
O detective Cecílio é um daqueles profissionais do crime com tantos casos experimentados e resolvidos que até já possuía calos nas suas células cinzentas. Mas este crime surpreendeu-o. 
Após uma breve inspecção, o detective descobriu algo espantoso: pelos traços de pó verificou que a janela tinha sido aberta e fechada de seguida, sem sinais de arrombamento. Mas, mais incrível, achou uma lâmina dissimulada no bordo inferior da pega da janela, logo, impossível de ser detectada por quem distraidamente procurasse abrir essa janela. Exames posteriores mostraram um pequeno golpe num dedo da mão direita de Dos Santos e a presença de resíduos de um veneno letal, de acção retardada, no fio da lâmina. O empresário terá morrido entre as 18h e as 18h30.
Soube-se mais tarde que, durante esse malfadado dia, Ferreira dos Santos recebera apenas a visita de três homens. Ouçamo-los.
Sr. Marquez (com forte sotaque): “Estive cá de tarde, à hora a que o Ferreira lanchava. De facto, sou filho ilegítimo desse homem, resultado de um caso amoroso com uma senhora portuguesa, na altura casada com um indivíduo bastante austero. Resolvi, agora, tentar obter junto do pai biológico algumas compensações por aquilo que sofri. O que faço? Estou neste país pela primeira vez, sou adido militar da embaixada da Argentina. Sim, estive junto da janela…”
Sr. Pereira. “Nesse dia fui visitá-lo, por volta das 16h25. Sou engenheiro químico e odiava esse homem. Porquê? Tentei nestes últimos anos, sempre em vão, que remediasse a morte de meu pai, quando este não aguentou a perda da farmácia da família às mãos pouco escrupulosas de uma empresa do Ferreira. O meu pai suicidou-se. Realmente, aproximei-me da janela…”
Sr. Nunes: “Sou biólogo, recém-formado em Lisboa. Sabem, tenho um vício péssimo… Sou um jogador compulsivo. De tal forma que num dos casinos do Ferreira acumulei uma dívida enorme. Estava desesperado, percebem? Visitei o homem pela hora do almoço, a ver se conseguia um prazo maior para o pagamento, e a conversa não correu bem. Não me digam que é crime espreitar à janela?...”
O detective Cecílio apurou ainda que tinham sido descobertas algumas pegadas que terminavam numa das esquinas da parede onde se situa a janela do escritório. O detective já tem uma ideia concreta sobre quem é o assassino, mas ainda é cedo para desvendar…

Quanto a você, caro leitor, que motivo esteve por trás da abertura da janela? Assim sendo, quem, dos três homens, matou Ferreira dos Santos, e como se explica isso?


                                                                                                                 
Solução comentada pelo Insp. Fidalgo
           
                Publicada na secção POLICIÁRIO em: 29.Agosto.1992

Segundo as linhas de força que o seu autor traçou, a solução tem por base a impossibilidade de haver ângulo para atirar pedras à janela do primeiro andar, uma vez que a localização das pegadas assim determinava. Naturalmente que o indivíduo ouviu uma reprodução do canto da tal ave e certamente que o sr. Marquês foi o assassino, não sé porque é argentino e a Patagónia fica na Argentina, tem conhecimento de venenos e foi e foi a última pessoa a ver a vítima, que era uma pessoa de hábitos muito britânicos e, por conseguinte, tomaria o seu lanche às 15 horas, a “hora do chá”.
Pequeno comentário: todos os concorrentes apontaram a subjectividade deste problema, tal como também nós fizemos aquando da sua publicação, ressalvando, no entanto, a boa produção que tínhamos pela frente, a que apenas faltava um ponto de maior força e objectividade, tornando-se todos os outros acessórios e gravitacionais. De qualquer forma, é de assinalar uma certa cadeia de raciocínio a seguir e não apenas a questão de pormenor. Temos de “rever” o De La Tierra noutra produção. Venha ela!  


CLASSIFICAÇÕES:

A – Antes de mais, este problema foi um verdadeiro espectáculo de boas soluções, sendo de destacar as de  Perry Vance, Von Richtoffen, II, Tommy & Tuppence, Sem-Loh, Anna Metale Rose e mais uns tantos que desenvolveram o seu raciocínio de modos vários, chegando a criminosos diversos, em bons exercícios de ginástica mental. O que quer dizer, antes de mais, que um problema pouco concretizado, com uma grande dose de subjectividade, pode produzir excelentes exercícios de análise… Não vamos dizer que foi essa a nossa intenção, mas com os anos que já levamos de Policiário, temos a certeza, assente na experiência, que um problema muito “exacto” raramente produz boas soluções, ao contrário dos problemas polémicos que estimulam o brio do solucionista e o conduzem a pormenorizar mais, a procurar vincar as suas ideias com mais profundidade.

B – Naturalmente que um problema assim num torneio seria desastroso e provocaria uma autêntica “revolução”, mas prometemos que, ao levarmos a cabo provas de regularidade, vulgarmente chamadas “torneios”, procuraremos reduzir a carga subjectiva…
Nesta conformidade, seria impróprio que estabelecêssemos uma classificação hierarquizada, por termos de excluir belíssimas soluções que só a falta de espaço nos impede de transcrever e que constituiriam uma boa lição de dedução e “leitura nas entrelinhas”, que no nosso país teve grandes cultores, de que darei apenas dois exemplos: Mycroft Holmes, da Figueira da Foz, e Zé, de Viseu (que é feito de vocês?).      

Inspector Fidalgo


1 comentário:

disse...

Meu caro:
Estou de férias totais durante 15 dias, quase sem Net!
Um abraço