A H P P P
ARQUIVO HISTÓRICO DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA
Problema # 33
O CRIME DA JANELA
ENVENENADA
Original de: De La Tierra
(Feijó)
Publicado na secção POLICIÁRIO em: 08.Agosto.1992
Ferreira dos Santos era um homem do mundo. Empresário
de sucesso, muito viajado pelos quatro cantos do planeta, individualidade de
hábitos religiosamente ingleses, deixara atrás de si um resto de ressentimento
e ódio.
Vivia actualmente num grande casarão soturno, com a
única companhia de um mordomo, rodeado por um belo jardim onde Dos Santos se
dedicava à sua muito conhecida paixão: a criação e estudo de aves originais.
O seu escritório, no 1.º andar do casarão, era também
muito conhecido do público através de fotografias em revistas especializadas,
revelando a peculiaridade da decoração, de ter a única janela sempre fechada, e
de um enorme quadro atrás da sua cadeira representando o seu orgulho
ornitológico, um pássaro chamado “aratinga-da-Patagónia”, embora nunca tenha
conseguido mantê-lo em cativeiro.
E a vida corria-lhe tranquilamente, até que um dia
apareceu morto sobre a sua mesa de trabalho.
O detective Cecílio é um daqueles profissionais do
crime com tantos casos experimentados e resolvidos que até já possuía calos nas
suas células cinzentas. Mas este crime surpreendeu-o.
Após uma breve inspecção, o detective descobriu algo
espantoso: pelos traços de pó verificou que a janela tinha sido aberta e
fechada de seguida, sem sinais de arrombamento. Mas, mais incrível, achou uma
lâmina dissimulada no bordo inferior da pega da janela, logo, impossível de ser
detectada por quem distraidamente procurasse abrir essa janela. Exames
posteriores mostraram um pequeno golpe num dedo da mão direita de Dos Santos e
a presença de resíduos de um veneno letal, de acção retardada, no fio da
lâmina. O empresário terá morrido entre as 18h e as 18h30.
Soube-se mais tarde que, durante esse malfadado dia,
Ferreira dos Santos recebera apenas a visita de três homens. Ouçamo-los.
Sr. Marquez (com forte sotaque): “Estive cá de tarde,
à hora a que o Ferreira lanchava. De facto, sou filho ilegítimo desse homem,
resultado de um caso amoroso com uma senhora portuguesa, na altura casada com
um indivíduo bastante austero. Resolvi, agora, tentar obter junto do pai
biológico algumas compensações por aquilo que sofri. O que faço? Estou neste
país pela primeira vez, sou adido militar da embaixada da Argentina. Sim,
estive junto da janela…”
Sr. Pereira. “Nesse dia fui visitá-lo, por volta das
16h25. Sou engenheiro químico e odiava esse homem. Porquê? Tentei nestes
últimos anos, sempre em vão, que remediasse a morte de meu pai, quando este não
aguentou a perda da farmácia da família às mãos pouco escrupulosas de uma
empresa do Ferreira. O meu pai suicidou-se. Realmente, aproximei-me da janela…”
Sr. Nunes: “Sou biólogo, recém-formado em Lisboa.
Sabem, tenho um vício péssimo… Sou um jogador compulsivo. De tal forma que num
dos casinos do Ferreira acumulei uma dívida enorme. Estava desesperado,
percebem? Visitei o homem pela hora do almoço, a ver se conseguia um prazo
maior para o pagamento, e a conversa não correu bem. Não me digam que é crime
espreitar à janela?...”
O detective Cecílio apurou ainda que tinham sido
descobertas algumas pegadas que terminavam numa das esquinas da parede onde se
situa a janela do escritório. O detective já tem uma ideia concreta sobre quem
é o assassino, mas ainda é cedo para desvendar…
Quanto a você, caro leitor, que motivo esteve por trás
da abertura da janela? Assim sendo, quem, dos três homens, matou Ferreira dos
Santos, e como se explica isso?
Solução comentada pelo
Insp. Fidalgo
Publicada na
secção POLICIÁRIO em: 29.Agosto.1992
Segundo as linhas de força que o seu
autor traçou, a solução tem por base a impossibilidade de haver ângulo para
atirar pedras à janela do primeiro andar, uma vez que a localização das pegadas
assim determinava. Naturalmente que o indivíduo ouviu uma reprodução do canto
da tal ave e certamente que o sr. Marquês foi o assassino, não sé porque é
argentino e a Patagónia fica na Argentina, tem conhecimento de venenos e foi e
foi a última pessoa a ver a vítima, que era uma pessoa de hábitos muito
britânicos e, por conseguinte, tomaria o seu lanche às 15 horas, a “hora do
chá”.
Pequeno comentário: todos os
concorrentes apontaram a subjectividade deste problema, tal como também nós
fizemos aquando da sua publicação, ressalvando, no entanto, a boa produção que
tínhamos pela frente, a que apenas faltava um ponto de maior força e
objectividade, tornando-se todos os outros acessórios e gravitacionais. De
qualquer forma, é de assinalar uma certa cadeia de raciocínio a seguir e não
apenas a questão de pormenor. Temos de “rever” o De La Tierra noutra produção.
Venha ela!
CLASSIFICAÇÕES:
A – Antes de mais, este problema foi um verdadeiro
espectáculo de boas soluções, sendo de destacar as de Perry Vance, Von Richtoffen, II, Tommy &
Tuppence, Sem-Loh, Anna Metale Rose e mais uns tantos que desenvolveram o seu
raciocínio de modos vários, chegando a criminosos diversos, em bons exercícios
de ginástica mental. O que quer dizer, antes de mais, que um problema pouco
concretizado, com uma grande dose de subjectividade, pode produzir excelentes
exercícios de análise… Não vamos dizer que foi essa a nossa intenção, mas com
os anos que já levamos de Policiário, temos a certeza, assente na experiência,
que um problema muito “exacto” raramente produz boas soluções, ao contrário dos
problemas polémicos que estimulam o brio do solucionista e o conduzem a
pormenorizar mais, a procurar vincar as suas ideias com mais profundidade.
B – Naturalmente que um problema assim num torneio
seria desastroso e provocaria uma autêntica “revolução”, mas prometemos que, ao
levarmos a cabo provas de regularidade, vulgarmente chamadas “torneios”,
procuraremos reduzir a carga subjectiva…
Nesta conformidade, seria impróprio que
estabelecêssemos uma classificação hierarquizada, por termos de excluir
belíssimas soluções que só a falta de espaço nos impede de transcrever e que
constituiriam uma boa lição de dedução e “leitura nas entrelinhas”, que no nosso
país teve grandes cultores, de que darei apenas dois exemplos: Mycroft Holmes,
da Figueira da Foz, e Zé, de Viseu (que é feito de vocês?).
Inspector Fidalgo
1 comentário:
Meu caro:
Estou de férias totais durante 15 dias, quase sem Net!
Um abraço
Zé
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