[Transcrição da secção n.º 1225 publicada
hoje no jornal PÚBLICO]
ÚLTIMO CAPÍTULO PARA O CONFRADE RIP
KIRBY
Faleceu RIP KIRBY.
A notícia chegou ao final do passado dia 20, pela mão do confrade ZÉ,
que anunciou laconicamente “Morreu o Rip…”.
É difícil falarmos de alguém que teve um papel importante no
Policiário, onde militou durante décadas, dando o melhor de si mesmo a um
passatempo que amava e cultivava de forma muito pessoal, principalmente depois
de terminar a sua vida laboral e dispor de muito mais tempo.
Conhecemos o Luciano nos tempos gloriosos do Mundo de Aventuras e do
Sete de Espadas lá pelos anos 70 do século XX, mas a sua trajectória de
detective vinha lá mais de longe e a sua maneira de encarar o Policiário já nos
chamava a atenção. Natural de Olhão e residente no Barreiro, foi parar ao
Brasil, onde se manteve vários anos, sempre ligado ao Policiário. Foi lá que se
sagrou campeão nacional, nesta nossa secção, na época 2008/2009, provavelmente
a sua maior conquista em competições policiárias e foi semi-finalista da Taça
de Portugal em 2010.
Produtor exímio e prolixo, colaborou sempre com enigmas bem elaborados,
que genericamente mereciam elogios dos “detectives”.
Como conviva, estava sempre presente nos eventos que o Policiário
produzia, organizando durante anos o Convívio do Barreiro, também com a
colaboração da Tertúlia Policiária Valtejo, a que pertencia e de que era um dos
principais dinamizadores, com o Inspector Moka. Foi, aliás, no âmbito da TPV
que co-orientou um espaço policiário num jornal regional.
Desapareceu, fisicamente, mais um dos “monstros sagrados” do
Policiário, ficando a memória de um exemplar “detective”, um conviva excelente,
um confrade de mão cheia, que deixa mais um vazio difícil de colmatar.
Deixemos, em sua memória, um dos seus problemas, publicado nestas
páginas no dia 16 de Fevereiro de 2003:
UMA AVENTURA DE SHERLOCKÃO
Autor: Rip Kirby
Na grande clareira encontravam-se
reunidos, em assembleia-geral ordinária, todos os animais que habitavam a
floresta.
De acordo com o que consegui
entender, no meio da grande vozearia que ali reinava, aquela assembleia havia
sido convocada a pedido do clã dos cervídeos por ter sido raptado na véspera um
filhote de um casal deste clã que reclamava justiça.
A solução não parecia fácil. O
grupo dos poderosos, de que faziam parte o leão, a pantera, o jacaré, a águia,
etc., etc., eram de opinião que não valia a pena perderem tempo com coisa tão
insignificante. A águia dizia até com certo desdém: “Mesmo assim, quem quereria
um miserável filhote de gamo?”
No grupo dos mais fracos dizia-se
que uma vida é sempre uma vida e que tudo devia ser feito para a salvar.
Por fim, depois de muitos
grunhidos, urros, balidos, zurros, latidos, miados, guinchos, etc., chegaram a
acordo e Sherlockão foi encarregado de encontrar o desaparecido e apresentar um
relatório no dia seguinte, para o que ficava desde já convocada nova
assembleia.
Entretanto, eu fui destacado para
fazer a reportagem de um outro evento, pelo que não me foi possível assistir a
esta assembleia. E teria ficado sem saber o seu resultado, se não fosse a
possibilidade, que me foi dada por uma arara azul que secretariara a
assembleia, de consultar a acta dessa magna reunião.
Foi pelo que ficou exarado na
referida acta que eu tive conhecimento do relatório do Sherlockão e de outros
pormenores que passarei a referir.
Dizia o relatório do Sherlockão:
«Havia sido encontrado o cadáver de
um filhote de gamo já bastante crescido a cerca de 3 quilómetros da
clareira num terreno arenoso junto a um rio. Não haviam árvores por perto e no
chão, bastante húmido, não existiam pegadas.
Observara o corpo e verificara, ao
tocar-lhe, que todas as suas costelas deviam estar fracturadas bem como alguns
outros ossos.
Num dos lados do dorso viam-se dois
buracos profundos apresentando-se o que ficava mais próximo da cabeça rasgado
na direcção desta.
No lado contrário do dorso eram
seis os buracos que se viam, estando os três mais próximos da cabeça também
rasgados na direcção desta.
Sherlockão terminava o relatório
referindo aqueles em quem recaíam as suas suspeitas. Eram eles: o leão, o
mabeco e a águia.
Chamado a depor o leão disse:
– Não fui eu o autor desse rapto.
No dia em que isso aconteceu andava eu caçando em lugares muito distantes, como
pode testemunhar ali o elefante, presidente desta assembleia, com quem me
cruzei algumas vezes.
O presidente balançou a tromba
várias vezes em sinal de assentimento.
Por sua vez, o mabeco afirmou:
– De facto, vi nesse dia a vítima
andar passeando na orla da floresta e confesso que me apeteceu caçá-la. Como me
encontrava sozinho, não o tentei, mas fui em busca dos meus irmãos e quando
voltamos já não a vi.
Foi depois chamada a águia para
fazer o seu depoimento. Aproximou-se coxeando aparatosamente e declarou:
– Eu nunca podia ter levado a
efeito esse rapto. Precisamente no dia que isso aconteceu fui alvejada por um
humano que me atingiu, inutilizando-me a perna direita.
Sherlockão aproximou-se e verificou
que efectivamente a águia tinha um ferimento bastante grande na pata referida,
que lhe cortara os tendões, não podendo por isso movimentar os dedos.
No vulgar linguajar dos humanos
teria sido dito que a águia fora atingida por uma bala.
Seguiram-se depois as deliberações
e chegou-se a uma conclusão. Mas essa, eu não vou revelar. Deixo para os meus
amigos a tarefa de tentarem desvendar este mistério.
Quero apenas acrescentar que muitas
das palavras aqui usadas são a tradução daquilo que ouvi ou li, já que
certamente os meus amigos não iriam entender a linguagem original.
NO PRÓXIMO DOMINGO: INÍCIO DAS COMPETIÇÕES DE 2015
Em jeito de “aviso à navegação”, recordamos que no próximo domingo
publicaremos o primeiro desafio das competições de 2015, que será o tiro de
partida para mais uma maratona que só terminará lá para o mês de Novembro.
Desejamos a todos os confrades que se tornem também “detectives” e
venham experimentar o que é competição a sério, mas sempre honesta e com total
respeito e camaradagem.
Gozem esta última semana de férias, porque a competição vai começar e
não vai dar tréguas!
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